A ciência da felicidade: conceituação

A ciência da felicidade: conceituação

       Qualquer um quer ser feliz. De fato, não há qualquer outro objetivo na vida que tenha tão alto consenso. “A busca da felicidade” está claramente inserida na Declaração Americana da Independência e, até mesmo, o Rei do Butão esforçou-se para maximizar “A Felicidade Nacional Bruta”.

       Por milênios os pensadores têm debatido a definição de felicidade sem, todavia, alcançarem um consenso definitivo. O conceito de felicidade difere, algumas vezes, entre os teóricos. Aristóteles observou há 2.300 anos que mais que qualquer outra coisa, o homem e a mulher buscam a felicidade e, portanto, a realização de seu próprio potencial constituir-se-ia no ingrediente ativo da felicidade. Para Jeremy Bentham, felicidade consistia na presença do prazer e na ausência de dor. Similarmente, de acordo com alguns teóricos contemporâneos, felicidade emerge quando várias condições específicas de vida são alcançadas, tais como auto aceitação, domínio ambiental, crescimento pessoal e intimidade. Alguns ainda se enquadram na tradição de Bentham definindo a felicidade como a experiência média direta envolvendo prazer e dor, mas outros usam o termo felicidade como sinônimo de bem-estar subjetivo ou como a avaliação subjetiva da própria vida.

      Esta definição subjetiva de qualidade de vida é democrática no sentido de que ela garante a cada pessoa o direito de decidir se sua vida vale a pena. Neste sentido, definir a “boa vida” é o que os pesquisadores usualmente denominam de bem-estar subjetivo e em termos mais coloquiais ela é denominada de felicidade.  O bem-estar subjetivo refere-se às avaliações subjetivas que as pessoas têm de sua própria vida, considerando tanto aquelas afetivas quanto as cognitivas. As pessoas vivenciam um alto bem-estar subjetivo quando sentem muitas emoções prazerosas e poucas desprazerosas, quando se engajam em atividades interessantes, quando vivenciam muitos prazeres e poucas dores, e quando estão satisfeitas com suas vidas. Portanto, o campo do bem-estar subjetivo focaliza as avaliações das pessoas de suas próprias vidas.

      Mas, as pessoas buscam a felicidade por várias razões. Aristóteles raciocinou que felicidade é o objetivo último da vida porque “escolhemo-la por si mesma, e nunca por qualquer outra razão”. Em contraste, todas as outras aspirações (por exemplo, dinheiro, saúde, reputação, amizade) são objetivos instrumentais perseguidos com o propósito de alcançar aqueles mais elevados, incluindo a felicidade. Logo, de acordo com Aristóteles, é racional que felicidade seja o objetivo final da vida. Uma vez que tenhamos alcançado a felicidade, temos tudo o que queremos. Em adição, outros filósofos explicitamente igualaram a experiência prazerosa com o bem-estar subjetivo e qualidade de vida. Em particular, Jeremy Bentham e John S. Mill, foram mais adiante, sugerindo que o principio de promover a maior quantidade de prazer para um maior número de pessoas deveria ser a pedra fundamental da moralidade.

      Contudo, há também razões práticas porque as pessoas perseguem a felicidade. Por exemplo, felicidade pode refletir a extensão na qual a vida de uma pessoa está indo bem. Ser feliz implica sucesso, enquanto não ser feliz implica fracasso.  Há também razões hedônicas para valorizar a felicidade. Cidadãos comuns, incluindo muitos que jamais leram Aristóteles, reconhecem que felicidade é prazer e que infelicidade é desprazer. As pessoas consideram que felicidade e prazer sejam conceitualmente similares e, usualmente, elas vivenciam estas duas emoções juntas. Todas as pessoas são motivadas a abordarem coisas que trazem prazer e a evitarem aquelas que causam dor.  Portanto, as pessoas em geral reconhecem a importância das emoções em suas vidas.

     Se de um lado, a busca da felicidade é tão velha quanto a raça humana, de outro lado, a existência de pesquisa científica rigorosa acerca de quem é feliz e o que faz uma pessoa feliz é relativamente nova.  As décadas do cérebro e do comportamento têm aberto as portas para examinar a biologia do prazer e da felicidade, bem como da depressão e da ansiedade. Pode a ciência dar-nos respostas para questões tão velhas quanto aquela que determina e a que mantém um alto nível de bem-estar?

       As pesquisas iniciais nesta área focalizaram a identificação dos fatores que conduzem as pessoas a alcançarem a felicidade.  Especificamente, as pesquisas começaram a identificar os preditores do alto bem-estar subjetivo. Contudo, mais recentemente, os estudiosos começaram a reconhecer que felicidade não é um estado final que resulta quando as coisas vão bem. Ao contrário, felicidade também pode ser funcional e, portanto, felicidade tem outras conseqüências, além de simplesmente sentir-se bem. Estudos têm revelado que a felicidade tem implicações no trabalho, no amor e na saúde, de maneira que pessoas consideradas felizes fazem melhor, em média, que as aquelas infelizes. Por exemplo, as pessoas felizes recebem avaliações mais altas no emprego por parte de seus supervisores e têm os empregos mais prestigiosos. Além disso, as pessoas mais felizes têm uma renda mais elevada que aquelas infelizes, mesmo muitos anos depois das avaliações iniciais. As pessoas mais felizes são, em geral, mais felizes em seus casamentos, expressam emoções mais positivas e, também, vivem mais longa e saudavelmente que aquelas contrapartes consideradas infelizes. Ademais, felicidade ou estados mentais similares, iguais a esperança, otimismo e contentamento parecem reduzir o risco ou limitar a severidade de doenças cardiovasculares, pulmonares, diabetes, hipertensão, gripes e infecções das vias respiratórias superiores.

       Assim considerando, a literatura recente tem identificado e decomposto empiricamente três constituintes da felicidade: 1) prazer (ou emoção positiva), 2) engajamento e 3) significado. A primeira rota para uma maior felicidade é hedônica, aumentando as emoções positivas.  Quando as pessoas referem-se numa conversação comum estarem felizes, elas estão se referindo a esta rota. Dentro de certos limites, podemos aumentar nossas emoções positivas sobre o passado (por exemplo, cultivando a gratidão e o perdão), nossas emoções positivas sobre o presente (por exemplo, fomentando a sabedoria e a obediência) e nossas emoções positivas sobre o futuro (por exemplo, cultivando a esperança e o otimismo). A segunda rota para a felicidade envolve a busca da “gratificação”. O elemento chave de uma gratificação é aquela que engaja-nos completamente.  Ela absorve-nos. As pessoas podem encontrar gratificação em participar de uma grande conversação, em consertar uma bicicleta, em ler um bom livro, em ensinar uma criança, em tocar um violino, realizar uma tarefa complexa no trabalho ou mesmo na participação política. Devemos nos envolver completamente para fomentar as nossas potencialidades, tais como a criatividade, a inteligência analítica e emocional, o senso de humor, a perseverança e uma apreciação da beleza e da excelência. Embora a busca de gratificações envolva fundamentalmente as nossas potencialidades, uma terceira rota para a felicidade origina-se do uso das mesmas para pertencer e colocar-se a serviço de algo maior do que a si mesmo; alguma coisa tal como conhecimento, bondade, família, comunidade, política, justiça ou um poder espiritual mais alto. A terceira rota dá significado à vida. Ela fornece um propósito para a vida e é um antídoto para a síndrome de inquietude até morrermos.

        Certamente, as pessoas diferem em suas tendências para basear-se numa ou em outra rota em busca da felicidade. Algumas pessoas buscam a felicidade fomentando as emoções positivas, “a vida prazerosa”; outras buscam a felicidade via gratificações, “a boa vida”; e outras buscam a felicidade fazendo uso de suas potencialidades para alcançar alguma coisa muito maior que elas mesmas, “a vida significativa”. As pessoas que fazem uso de todas estas três rotas para buscarem a felicidade alcançam “a vida completa”, e evidências empíricas recentes sugerem que aquelas que alcançam a vida completa têm muito maior satisfação de vida.  

       Assim, entendendo os diferentes determinantes que fazem a vida feliz e porque o fazem, podemos ajudar as pessoas a repensarem as suas prioridades e melhor entenderem como construir um mundo que enriquece o bem-estar-humano.

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