Convidados de honra

Convidados de honra

           Corriam os anos difíceis da década de setenta e eu, ainda estudante de Psicologia, morando na junção dos Campos Elíseos com a Francisco Junqueira, próximo à antiga PRA-7, primeira rádio do interior paulista, via que os restaurantes universitários eram fechados nos finais de semana, assim como, nestes mesmos dias, na maioria das pensões, almoços e jantares também não eram servidos. Não que isso fizesse muita diferença, pois, sendo limitados os recursos de minha bolsa de pesquisa, se eu almoçasse, não jantava e se jantasse, não almoçava. Nestas condições, lia eu um dos jornais locais quando, inadvertidamente, pousando os olhos na seção de proclamas de casamento, heureca!, ocorreu-me uma idéia. Casamentos tradicionais, geralmente fartos em iguarias e bebes, ofertar-me-iriam uma boa ceia caso eu fosse um dos convidados.

            Não demorou que eu compartilhasse com meu amigo Paulo Albertini tal “inovação” para saciar nossa fome: aos sábados e domingos, anotados, previamente, dos jornais, os casamentos e batismos a ocorrerem nas igrejas Santo Antônio, Coração de Maria e Estigmatinos, pesquisávamos informações acerca dos noivos e, trajando nossas melhores vestes, brilhantina nos cabelos, lá comparecíamos, pontualmente, para saudar o jovem casal ou os pais e padrinhos da recém-batizada criança. Nestas ocasiões, perguntas do tipo, “E o nosso Comercial, ganha hoje? Ou o Botafogo vai ganhar de goleada? Vamos torcer juntos!”, “E D. Emerenciana, sua mãe, melhorou da pressão?”. “E quando crescer, ele vai se tornar um médico, como o avô?”. Obviamente, tivéramos, em nossas pesquisas, a “delicadeza” de sabermos o time, as alterações de saúde e as profissões dos envolvidos.

            Para o noivo, elogiávamos a beleza da noiva, de quem nos dizíamos amigos. Para a noiva, elogiávamos a elegância do noivo, de quem, também, nos dizíamos amigos. E nessa toada, cumprimentávamos os padrinhos, as madrinhas e demais familiares, não nos omitindo, sequer, de cumprimentar o padre e de tirar as fotos, de forma a nos julgarem “parte da família”. O tiro era “na mosca”: imediatamente, integravam-nos à mesa farta. Num dado batizado, lembro-me de, sabendo serem os avôs, paternos e maternos, corinthianos fanáticos, trouxemos e ofertamos ao pequeno infante a camisa 10 do Rivelino. Nessa ocasião, a satisfação familiar foi tamanha que o champagne correu a rodo, sem falar nos pratinhos, lotados, de pasteizinhos, coxinhas, tortinhas, etc que nos fizeram levar para continuar a comemoração em casa. Ah...era o almoço do dia seguinte que, então, garantíamos. Desse champagne, nunca esqueci-me do sabor.

            Um dia, num dado casamento, nos introduzimos de forma tão familiar que, tendo atrasado um dos padrinhos, fui convidado pelo padre, que, cúmplice, me reconheceu, a ocupar o lugar do faltante para que a cerimônia pudesse se realizar. Esta data jamais me esquecerei: ao meu lado, de cabelos negros e sorriso franco, assomava-se a madrinha Deise que, tão encantada comigo ficou, que, alguns anos depois, ao sabor de uma tradicional macarronada da mama, logo foi por mim desposada. O que a família Scatena, porém, nunca conseguiu, foi transformar-me num verde e branco palmeirense. Saudosos tempos aqueles: éramos felizes, e sabíamos.

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