COVID-19: Quando e como reabrir as escolas (6)

COVID-19: Quando e como reabrir as escolas (6)

          A pandemia da COVID-19 que assolou, e ainda assola, todos os países do mundo, foi acompanhada de um confinamento envolvendo o fechamento total das escolas em períodos diferentes dependendo da incidência pandêmica de cada país. Em alguns destes, algumas escolas reabriram gradualmente, outras continuam fechadas até hoje e outras mais, já reabertas, decidiram fechar novamente durante a segunda onda. Na esteira desse fecha e reabre, debates acalorados têm surgido com alguns defendendo que os benefícios educacionais e sociais fornecidos elas escolas sobrepujam os risco de uma possível contaminação pela Covid-19 das crianças em ambientes escolares ou na escola básica (antigo pré-primário e primário), enquanto outros, por sua vez, argumentam o contrário: que a saúde das crianças e sua proteção devem prevalecer acima de quais quer benefícios sociais e educacionais.

            Decorrente da importância dessa temática que aflige pais, professores, crianças, dirigentes, governos estaduais, federais e municipais, além da comunidade geral, várias sociedades, englobando especialidades pediátricas diferentes, têm publicado consensos ou manuais de orientações cientificamente embasadas, com o propósito de instruir ou suportar o retorno das crianças à escolas, incluindo, aqui, aquelas com doenças crônicas. Um exemplo desse consenso foi publicado pela Sociedade Francesa de Pediatria (Archives de Pédiatrie 27 (2020): 388-392) que, baseada numa exaustiva pesquisa de estudos envolvendo o papel das crianças na transmissão da infecção e em suscetibilidade dessas mesmas à infecção, revisou praticamente todas as publicações recentes, considerando quatro temas fundamentais: 1º) o papel das crianças na transmissão, 2º) suscetibilidade à infecção, 3º) a expressão da doença na criança e 4º) os benefícios das escolas. Ao final de sua análise, a Sociedade Francesa Pediátrica estabeleceu recomendações que foram comparadas com as diferentes posições tomadas por outras sociedades pediátricas ou organizações de saúde governamentais na Europa.

            Em relação ao 1º ponto, a sociedade discute e apresenta inúmeros estudos internacionais de variados países, que fizeram uso de modelos ou meta-análises estatísticas complexas, que os permitisse afirmar o baixo nível de transmissão da Covid-19 por parte das crianças comparadas com adultos. De fato, dados obtidos na Irlanda, na Inglaterra, na China, na Suíça, na Austrália, na França, na Coreia e em Rhode Island (USA) mostraram que, invariavelmente, uma característica reduzida das crianças para transmitir a infecção parece ser independente das medidas da carga viral mensurada, a qual parece ser a mesma em crianças e adultos sintomáticos, ou mesmo mais elevada em crianças jovens. Em relação a esse primeiro aspecto, a Sociedade conclui que crianças, especialmente aquelas abaixo de dez anos de idade, não contribuem significativamente para a dinâmica da epidemia da Covid-19. Sendo muito baixa, neste caso, a taxa de ataque secundário das crianças, além de serem raras as incidências iniciados por um caso pediátrico.

            Em relação ao 2º ponto, a Sociedade, revisando os efeitos da idade sobre a transmissão do Coronavírus nos lares, nas escolas e na comunidade, revelou que a suscetibilidade das crianças abaixo da idade de 10 anos à infecção foi significativamente menor quando comparada com adultos. Essa conclusão foi suportada por dados epidemiológicos obtidos de muitos países, entre eles, Islândia, França, Reino Unido, Estados Unidos, Grécia, China, Israel e Geórgia (EUA). Dados, estes, que, em essência, revelam que uma criança exposta a um caso infeccioso é muito menos provável de tornar-se infectada do que um adulto.

            Em relação ao 3ºponto, a Sociedade Francesa de Pediatria, como muitas outras sociedades pediátricas do mundo, destacou que as consequências do fechamento das escolas durante o confinamento imposto em diversos países são múltiplos e de diferentes facetas: educacionais, econômicos, de saúde e de abuso e violência. As crianças mais vulneráveis foram as mais afetadas pelo fechamento das escolas. As vulnerabilidades pré-existentes têm sido exacerbadas e as desigualdades têm piorado, particularmente, no acesso à educação de alta qualidade à distância. A Sociedade também destaca que a reabertura das escolas com a presença física dos estudantes é, portanto, um objetivo compartilhado por todas as sociedades pediátricas ao redor do mundo. A admissão das crianças à escola deve ser feita sob a condição de que a transmissividade à população esteja reduzida, ou eliminada, através de testagem e supervisão. O número de casos pediátricos na comunidade será baixo se a circulação viral na população for baixa, com a transmissão familiar sendo a preponderante. O risco de uma epidemia numa comunidade de crianças será também muito baixo se os funcionários das escolas seguirem as medidas de saúde restritivas, haja vista que a transmissão nas comunidades ocorre principalmente de adultos para adultos ou de adultos para as crianças. Conclui a Sociedade, então, que os benefícios sociais e educacionais fornecidos pelas escolas sobrepujam de longe os riscos de uma possível contaminação das crianças pelo Coronavírus nos ambientes escolares.

            Em relação ao 4º ponto, as orientações emanadas pela Sociedade Pediátrica Francesa recomendam que a reentrada nas escolas é possível para cada criança desde que estratégias de mitigação, tais como, práticas higiênicas das mãos, distanciamento social e uso de máscaras, sejam usadas quando indicadas. Ademais, os seguintes comportamentos devem ser implementados: a) crianças sem comorbidades devem retornar às escolas normalmente; b) todas as crianças com doenças crônicas podem retornar às escolas normalmente, a menos que necessitem, excepcionalmente, de cuidados de um especialista; c) escolas de educação básica, fundamental e superior devem possuir e distribuir lugares que contenham sabão e álcool gel, especialmente colocados nas entradas da sala de aula e instruí-las da necessidade de usá-los regularmente. Para crianças menores de 06 anos de idade, instruções do uso regular do lavar as mãos é essencial; d) todos os funcionários das escolas devem usar máscaras corretamente o tempo todo; e) o uso da máscara por parte de estudantes de nível médio e superior é útil e menos restritivo em classes onde distanciamento físico é possível; e f) limitar o absenteísmo na escola, endereçando exclusão temporária das crianças infectadas.

         A Sociedade Francesa de Pediatria entende que, em suas recomendações práticas para o manejo da Covid-19 em ambientes escolásticos, considerando o estado atual da literatura científica sobre o papel das crianças na transmissão da Covid-19, bem como, a suscetibilidade das crianças à infecção, as escolas podem ser reabertas.

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