Criatividade tecnológica e científica

Criatividade tecnológica e científica

             Em recentes palestras que ministrei, em dada instituição de ensino superior, em Ribeirão Preto, surpreendeu-me a solicitação de diversos presentes, ansiosos por descobrirem técnicas imediatas, que eu os “enriquecesse”, ainda que ilusoriamente, em sua criatividade. Pedindo-me para deixar de lado a teoria e iniciar, imediatamente, práticas de dinâmicas de grupo, esclareceram-me que queriam que eu os “transformasse” em pessoas criativas, de tal forma que, uma vez solicitados pelas empresas, nas quais trabalhassem, pudessem responder a contento. Entretanto, exemplificando-lhes que, fazer isso seria o mesmo que querer operar um paciente antes de ter aprendido anatomia, neuro-anatomia e fisiologia, afirmei-lhes, sem titubear, que nada é mais prático do que uma boa teoria. Quase que em vão, tentei conscientizá-los de que inovação tecnológica, e de gestão, dependem, fundamentalmente, da inteligência ou capacidade intelectual daquele que cria e inova. Para fundamentar tal afirmação, afirmei-lhes que Mozart, Shakespeare, Da Vinci, Galileu, Pasteur, Einstein, Santos Dumont, e outros, tinham, além de suas extremas criatividades, a genialidade permitida por sua elevada inteligência.

            De fato, a criatividade científica e tecnológica está no centro das discussões sobre a crescente competitividade na economia global. Os avanços na ciência e tecnologia direcionam o crescimento econômico de várias maneiras. Como exemplo, podemos citar a criação de novos campos, tal como, o de bioquímica, o qual fomenta indústrias inteiramente novas, como a de biotecnologia. Por isso, não é por acaso que, na grande nação norte-americana, tem sido registrado o fato de indústrias, caracterizadas por intensiva propriedade intelectual, a saber, biotecnologia e tecnologia de informação, serem responsáveis por 40% do crescimento econômico desta nação. Além de seu impacto econômico, a inovação tecnológica, freqüentemente, melhora a qualidade de incontáveis arenas da vida, como comunicação, transporte, agricultura, educação e saúde.

            Por isso, num esforço para aumentar a criatividade científica, algumas nações, além dos EUA, como Espanha, Coréia do Sul, França, Japão e Alemanha, têm direcionado seus esforços, tanto para aumentar o número de graduações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, quanto o número de professores que ensinam nestas áreas do conhecimento. Todavia, os dirigentes destas nações sabem que tais iniciativas, de aumentar o número de graduados, nos domínios acima mencionados, precisam considerar outros atributos psicológicos, e outras diferenças individuais, relacionados à inteligência e inovação em ciência e tecnologia.

            Sábios que são, estes dirigentes reconhecem que apenas um pequeno grupo de pessoas, dentro de uma dada disciplina, cria importantes avanços científicos e técnicos. Por isso, eles sabem que, em essência, para criar o que quer que seja, é preciso que fomentemos a inteligência para que haja progresso. E, por este motivo, entendo ser pertinente comentar dois artigos, publicados, ao longo deste ano, em prestigiados periódicos científicos, acerca da intrínseca relação ente inteligência e criatividade científica e tecnológica. Estes estudos corroboram esta premissa, ao afirmarem que inteligência, raciocínio quantitativo e criatividade tecnológica e científica caminham de mãos dadas, para não dizer abraçados. No primeiro deles, ficou claramente demonstrado que as realizações tecnológicas mediavam a relação entre inteligência, expressa nos escores de QI, e riqueza; ou, em outras palavras, que nações, cujo QI de seus cidadãos é muito elevado, geram mais conhecimento técnico, o qual, por sua vez, conduz à um aumento na riqueza nacional.

            Para solidificar esta idéia, cumpre lembrar que, dois conjuntos de dados são importantes. O primeiro é que o QI médio dos habitantes de uma nação está altamente correlacionado com o índice de patentes registradas nos escritórios americanos (r = 0,61), bem como, com o Produto Nacional Bruto (PNB; r = 0,65). Já o segundo conjunto de dados, ao invés de usar o QI médio nacional, empregou o QI médio dos habitantes daquela nação, cujo valor era maior que 140. E, neste caso, como esperado, a relação entre inteligência e registro de patente foi r = 0,83. Enquanto que aquela, entre QI e Produto Nacional Bruto, foi de 0,78, indicando que, tanto a atividade de patenteamento, quanto a riqueza nacional, correlacionam-se, mais fortemente, com um grupo de elite intelectual daquela nação (QI maior que 140).

            No segundo estudo, a análise da relação entre os escores obtidos nas habilidades de raciocínio quantitativo e o número de publicações em revista de grande impacto, bem como, o número de patentes, corrobora esta noção. Os dados claramente indicaram que, entre indivíduos com graus educacionais muito avançados, as diferenças individuais, na habilidade de raciocinar quantitativamente, predizem inovação científica e tecnológica. Adicionalmente, também se destaca neste estudo, que o raciocínio quantitativo foi avaliado quando os indivíduos tinham 13 anos (início da adolescência), enquanto que seu potencial criativo, em ciência e tecnologia, foi aferido quando já possuíam graus educacionais avançados, bacharelado, mestrado e doutorado.

            Tomados em conjunto, estes dados revelam que inovação, que é requerida para solucionar os problemas científicos e tecnológicos, a serem enfrentados pelo mundo ao longo do século XXI, será relativamente realizada por alguns poucos indivíduos, que obterão credenciais nos domínios da ciência e tecnologia, engenharia e matemática. Logo, devemos fazer tentativas para identificar, precocemente, os talentos que poderão fazer tais inovações, e fomentá-los. Talvez, não seja demasiado afirmar que, o futuro da nação brasileira esteja na especial educação desses talentosos. Mas, credenciais educacionais, não podem, completamente, substituir a inteligência. Espero, assim, ter esclarecido, se não convencido, aos presentes nas palestras, os quais citei inicialmente, que criatividade não é algo que está aberto ao acesso de todos, mas, sim, que é algo inerente aos que processam informações com a mais elevada capacidade cognitiva. Ou seja, a rigor, é privilégio de alguns poucos.

 

Compartilhar: