
As duas faces da curva da inteligência
Homero, na “Odisseia”, afirmou que “os deuses não deram a todos os homens o talento da graça...nem boa aparência, nem inteligência e nem eloquência”. Shakespeare, na “Comédia dos erros”, ironizou que “muitos homens tem mais cabelo que cérebro”. Homero e Shakespeare viveram em períodos muito diferentes, mais do que dois mil anos separados. Entretanto, ambos captaram a mesma ideia: nós não somos todos igualmente inteligentes. Todavia, nós não podemos, simplesmente, categorizar as pessoas em “inteligentes” e em pessoas “nem tão inteligentes”. Homero observou que poucas pessoas têm grandes talentos. Shakespeare, mais sarcasticamente, observou que uma grande parcela de nós não consegue solucionar problemas de forma satisfatória. A maioria de nós se situa entre o desejo de Homero pela eloquência e a preocupação de Shakespeare sobre falta de cérebro.
De fato, longe de serem espelhos um do outro, os campos da deficiência mental e do talento têm algumas características em comum, mas divergem marcadamente em outros. Os problemas em ambos os campos variam dos teóricos aos práticos, trazendo consigo um grande número de controvérsias, algumas delas altamente politizadas. Realmente, é difícil encontrar, neste cenário, quaisquer outros tópicos que fomentam tanta emoção ou produzem tanta adrenalina quanto aqueles envolvendo deficiência mental e talento, os dois lados da curva da inteligência.
Indivíduos que são mentalmente deficientes ou talentosos compartilham os limites incendiários do desvio da norma, tanto do ponto de vista evolutivo quanto do ponto de vista educativo. Em termos de habilidade mental, como operacionalizada pelos testes de inteligência, desempenhos que são, aproximadamente, dois desvios padrão da média (isto é, QI de 70-75 ou menor, ou, QI de 125-130 ou maior) são elementos- chave na identificação. Sucesso nas tarefas da vida, ou sua ausência, também desempenha um papel crucial, mas a característica definidora principal para os grupos retardado e talentoso é o desvio intelectual.
Esses indivíduos estão fora da sincronia com a maioria das pessoas médias, simplesmente pela sua diferença do que é esperado para sua idade e circunstância. Essa sincronia resulta em consequências altamente significativas para eles e para aqueles que compartilham suas vidas. Nenhuma das normas familiares se aplica e ajustamentos se fazem necessários nas expectativas parentais nos arranjos educacionais e nas atividades sociais e de lazer.
Naturalmente, o cenário em relação à qualidade de vida é mais otimista para os indivíduos talentosos do que para os deficientes mentais. Em termos de critérios como independência dos adultos, renda e variedade de opções na vida, um indivíduo talentoso tem vantagens que uma pessoa deficiente não tem. Entretanto, ambos têm em comum um desejo, reforçado pela sociedade e por seus pares para “serem iguais a quaisquer outros”, isto é, serem mais iguais a norma. Pessoas mentalmente deficientes tentam, invariavelmente, esconder suas incapacidades, ao passo que, pressão dos pares frequentemente leva talentosos a adotarem numerosas estratégias para mascarar seus talentos. Ademais, as baixas expectativas dos professores em relação às pessoas deficientes mentais e as altas expectativas dos mesmos em relação aos talentosos podem, também, afetar os resultados da vida.
A verdade é que questões permanecem se cada grupo apresenta um distinto conjunto qualitativo de características intelectuais além daquele derivado do tipo de distribuição representado pela curva da inteligência. Os valores de uma sociedade frequentemente determinam o grau e o tipo de atenção dados a estes distintos subgrupos de pessoas.