
Elite Cognitiva 23: Inteligência Digital e Desigualdade Digital
Apesar de citações ocasionais ao livro de Michael Young, o surgimento da “meritocracia” e o periódico interesse público sobre o papel da inteligência na sociedade, cientistas sociais, analistas políticos e dirigentes públicos, principalmente, ignoram as habilidades cognitivas e suas conseqüências. Praticamente, nenhum deles tem conferido grande atenção aos aspectos abordados por Young, nomeadamente, quais seriam as conseqüências sociais e políticas da igualdade de oportunidades, bem como, a estratificação cognitiva provocada pelas competências cognitivas. Talvez a falta de atenção a estes aspectos derive-se do fato de que oportunidades para as pessoas sejam qualquer coisa, desde que iguais e que a mediocridade cognitiva prevaleça em muito de nossa vida pública.
Aqueles que ignoram a variação nas habilidades cognitivas estão propensos à acusação de que eles têm fracassado em considerar a grande amplitude de fatores afetando o sucesso econômico-social, deixando em aberto questionamentos àqueles que advogam ser, ou vir a ser, a habilidade cognitiva a variável chave na estratificação social. Um exemplo típico é o papel da habilidade cognitiva na era digital.
A preocupação inicial desse domínio focalizou, mais especificamente, o problema do acesso à Internet e a extensão em que tal acesso foi inibido pela falta de recursos. Todavia, nos últimos anos, os pesquisadores têm começado a investigar preditores das diferenças no uso ao invés de focalizar, somente, questões acerca do acesso à Internet. Eles se referem à essas diferenças como desigualdade digital, procurando entender a complexidade dos usos diferenciados. Alguns chegam a supor a existência de uma inteligência digital, acrescentando mais uma inteligência ao conjunto das inteligências múltiplas proposto por Howard Gardner.
Nesse sentido, algumas pesquisas têm, explicitamente, examinado a relação entre a inteligência mensurada e a variação no uso da Internet. Neste caso, pesquisadores entendem que inteligência digital pode ter um importante papel na desigualdade digital. É conhecido que a internet está se tornando fundamental e normativa, bem como, cada vez mais, que serviços estão sendo feitos online, com a expectativa de que os indivíduos sejam usuários de internet informados. Por exemplo, governos, ao redor do globo, estão, crescentemente, disponibilizando tecnologias e informação para disseminar informação e recursos, fornecendo suportes para tomadas de decisão aos cidadãos. Um caso pontual tem sido a implementação, nos EUA, de um programa de análise dos benefícios de prescrição de medicamentos para cidadãos idosos. A este respeito, tomadas de decisão sobre um dado medicamento envolve, em seu bojo, uma grande complexidade cognitiva.
Questões sobre o papel de recursos financeiros envolvidos no diferente acesso à internet são, certamente, importantes. Mas, mesmo entre aqueles que não têm dificuldade financeira, há diferenças no uso e acesso à internet. Indicando, com isso, que recursos materiais não é o único limitador. Dados indicam que, aproximadamente, um quinto dos adultos que não usa a Internet, nos EUA, vive em residências com acesso à internet e, especialmente, entre idosos, a razão mais frequentemente citada para não ter a internet não é financeira, mas a crença de que pode não ser útil.
Recentemente, um estudo investigou a associação entre habilidade cognitiva e quatro medidas do uso da internet, a saber: acesso à alta velocidade, tempo despendido desde a adoção inicial da Internet, tempo de uso da Internet e, finalmente, se o uso envolve a web em adição ao e-mail. Os dados, claramente, indicaram que todas estas variáveis foram fortemente associadas com a habilidade cognitiva, embora os efeitos, algumas vezes, tenham sido mediados por desempenhos subseqüentes, especialmente, educação. Tomados em conjunto, estes dados sugerem que pessoas, cognitivamente mais competentes, estão em melhor posição para se beneficiar das ferramentas online, ou seja, obter benefícios sociais e tomar decisões complexas fazendo uso das ferramentas disponibilizadas na rede.