Felicidade: Ponto de Equilíbrio

Felicidade: Ponto de Equilíbrio

             É de longa data que psicólogos, economistas, biólogos, sociólogos e cientistas políticos vêm investigando a felicidade humana. E, a premissa comum, de ampla aceitação junto a todos, pode ser identificada pela seguinte afirmação: felicidade é algo que permanece constante. Pesquisas, ao indicarem que nem elevada prosperidade, e tampouco miséria, afetam, de modo permanente, a felicidade, revelam que, após um período de ajustamento, os indivíduos por estas  afetados retornam aos seus níveis básicos de bem-estar subjetivo, revelando, portanto, que a humanidade sobrevive numa “esteira hedônica”, ou seja, que apesar dos infortúnios pelos quais passa, trilha um caminho motivado pelo desejo de fomentar bem-estar subjetivo e de evitar o desprazer constante e cotidiano. Em outras palavras, o nível de bem-estar subjetivo varia de acordo com um ponto de equilíbrio individual, uma linha de base pessoal, que permanece constante ao longo do tempo. Tal conceito advém da idéia similar do ponto de equilíbrio de peso corporal e implica na existência de uma base estável de bem-estar subjetivo, sujeito a forças homeostáticas que, após eventos de vida ou circunstâncias eventuais, capazes de alterá-lo, atuam para que o mesmo retorne ao seu nível original.

            Conceito central no campo do estudo do bem-estar subjetivo, tanto por razões teóricas ou aplicadas, a idéia de um ponto de equilíbrio permite extrair fortes predições sobre a relação entre temperamento e eventos capazes de influenciá-lo. Em termos de importância prática, tal conceito orienta para o fato de avaliar, conscientemente, até que ponto intervenções que objetivem mudar a sociedade, ou ajudar os indivíduos, podem, realmente, ajudar a melhorar o bem-estar subjetivo das pessoas. Tal constatação revela, portanto, que a questão de existir, ou não, um ponto de equilíbrio individual na felicidade é de imensa importância nos campos da ciência da felicidade, bem como, das políticas públicas. Por quê? Pelo fato de as maiores esperanças e medos das pessoas serem concentrados, freqüentemente, na ocorrência, ou não, de determinados eventos em suas vidas. Angustiar-se, por exemplo, com a possibilidade de perda de um ente querido, ou de incapacitação para o trabalho, pode gerar desequilíbrios que, se não controlados, dispenderão longos períodos de vida para serem solucionados. Em muitos casos, evitam-se determinados fatos ou circunstâncias por se presumir que, os mesmos, certamente, afetarão o equilíbrio de suas vidas. Mas estes eventos, realmente, afetam por longo tempo o bem-estar subjetivo?

            Vários estudos revelam que em países que se tornam mais ricos, os ganhos e perdas relativos se neutralizam entre populações, não trazendo, em geral, qualquer elevação na felicidade de seus cidadãos, mantendo-os, relativamente, estáveis ao longo de grandes períodos. Como exemplo, cita-se a estabilidade do bem-estar subjetivo, na maioria dos países europeus, no período de 1973 a 1988. Todavia, o suporte mais robusto para a afirmação de que felicidade e seus níveis, entre os países, não se elevam ao longo do tempo, origina-se dos EUA, nos quais, centenas de levantamentos, que mesclaram felicidade e satisfação com a vida, entre os norte-americanos, desde1946, revelaram que estes níveis não mudaram, substancialmente, desde então.

            Em muitos outros casos, este ponto de equilíbrio, ou adaptação, não é diretamente observado. Por exemplo: é freqüentemente citada a baixa correlação entre felicidade e circunstâncias de vida enquanto evidência para os efeitos da adaptação. Neste caso, fatores como, por exemplo, renda, felicidade, saúde, status marital e número de amigos explicam, apenas, uma pequena porcentagem da variância do bem-estar subjetivo. Por sua vez, uma explicação oferecida para este resultado é a de que apesar destes fatores, inicialmente, terem tido impacto na vida das pessoas, estas se adaptam aos mesmos ao longo do tempo. Adicionalmente, um suporte indireto, favorável para a existência do ponto de equilíbrio, origina-se de pesquisas que consideram os feitos dos fatores de personalidade sobre a felicidade.

            Neste contexto, três tipos de evidências podem ser relevantes: (1ª) Felicidade exibe moderada estabilidade, mesmo sob longos períodos de tempo e em face de circunstâncias de vida mutáveis. Dados sugerem que aproximadamente 30 a 40% da variação das medidas de felicidade são estáveis por períodos tão longos quanto vinte anos; (2ª) As variáveis que afetam o bem-estar subjetivo são aproximadamente 40 a 50% hereditárias. Estas estimativas de “herdabilidade” alcançam um valor tão alto quanto 80% para longos períodos de felicidade e (3º) Variáveis de personalidade, tais como, extroversão e neuroticismo são preditores relativamente fortes de felicidade, pelo menos, quando comparados ao poder preditivo de fatores externos. Uma explicação para este conjunto de dados é que, ainda que eventos possam influenciar níveis de felicidade a curto prazo, processos de adaptação, baseados na personalidade, inevitavelmente, após um período de tempo relativamente curto, movem as pessoas a seus pontos de equilíbrio geneticamente determinados.

            Por sua vez, a evidência mais direta de adaptação hedônica origina-se de estudos que examinaram o bem-estar subjetivo de indivíduos que experenciaram importantes eventos de vida. Nestes, ao se compararem ganhadores de jogos de azar (loterias) e pacientes com lesões na medula, a um grupo controle, constituído por sujeitos normais, revelou-se que os primeiros não foram mais felizes, nem o segundo mais infelizes, que o outro. Esse estudo revela que há adaptação mesmo em eventos extremos imagináveis, ou seja, comprovam a idéia de que pode ser empregada uma adaptação hedônica para explicar que as pessoas parecem ser relativamente estáveis em seus níveis de felicidade, a despeito de mudanças na sua bem-aventurança. Além disso, esta concepção de adaptação hedônica explica o fato de que pessoas com recursos substanciais não são, na maioria das vezes, mais felizes que aquelas com poucos recursos, assim como, que pessoas com incapacidades, doenças graves ou demais comprometimentos severos são tão felizes quanto outras.

            Tomados em conjunto, as premissas sumariadas acima revelam que cada indivíduo tem um ponto de equilíbrio de felicidade, o qual lhe é fornecido tanto pela genética, quanto pela personalidade. Neste contexto, eventos de vida, tais como, casamento, perda de emprego, doenças incapacitantes, lucros em jogos de azar e outros podem oscilar este ponto, momentaneamente, elevando-o ou abaixando-o. Entretanto, com o passar do tempo, a adaptação hedônica retornará o indivíduo ao nível inicial, ou marcador original, de felicidade. Logo: circunstâncias objetivas de vida têm um papel negligenciável na teoria da felicidade. Isto tem importância substancial para os cientistas e dirigentes políticos que objetivam reduzir a miséria humana e aumentar, indiscutivelmente, a felicidade do povo. Entender, portanto, o ponto de equilíbrio individual é condição sine qua non para a felicidade humana.

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