
Fluctuat Nec Mergitur
(As ondas o abalam,
mas não o afundam)
O ribeirão-pretano deve se
considerar um cidadão orgulhoso. Orgulhoso porque vive num município
robustamente privilegiado pelo seu capital econômico-financeiro, bem como, pelo
seu capital humano. O capital econômico-financeiro se reflete em sua riqueza
material, originada desde usinas sucroalcooleiras à variedade de seus pujantes
comércio e serviços. Poucas cidades agregam quase cinco shoppings, bem como,
uma das maiores frotas de veículos per capita do Brasil. Tanto é verdade que,
por causa disto, ela já recebeu o título de capital do agronegócio.
Não obstante esta riqueza, a mesma,
infelizmente, não tem se difundido para todos os segmentos sociais, ou seja, a
despeito de tal pujança, ainda há focos de extrema pobreza na cidade, pobreza
esta que um ilustre colega jornalista já identificou como “de um lado há uma
Bélgica, do outro uma Índia”. Mas, o mais importante é que isto é um indicador
de que os nossos dirigentes, certamente, não estão, inteligentemente,
canalizando estes recursos para mitigar tais focos de pobreza. Observa-se,
claramente, que, também aqui, os ricos ficam mais ricos e os pobres mais
pobres, com o número de pobres aumentando, cada vez mais, que o número de
ricos. O que faz com que a desigualdade social se apresente cada vez mais díspar.
Apesar, é certo, dos esforços que projetos do Ministério Público, voltados à
ressocialização de muitos destes pobres, estejam fazendo. “Generosos” da lei
precisam se atualizar mais na literatura científica específica do assunto e
entender que o “ingrediente-ativo” da pobreza é outro.
Em relação ao capital humano, poucas
cidades no mundo têm nichos profissionais altamente qualificados em diferentes
áreas do saber como tem Ribeirão Preto. Comentamos alhures que Ribeirão é a
Capital da Ciência. De fato, produzindo 5% da produção científica indexada em
periódicos internacionais, bem como, editorando mais de 20 revistas científicas
de alto impacto nacional e internacional, em seu centro de pesquisa circulam
alguns dos pesquisadores mais renomados do país e do exterior. A ponto de um
deles ter presidido, com brilhantismo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e tecnológico (CNPq), e, agora, ser alçado à pró-reitoria de
pesquisa da Universidade de São Paulo. Com o diferencial de, os recursos
obtidos por estes pesquisadores, serem, apropriadamente, despendidos em
pesquisas de grande relevância para a melhoria da “saúde” física e educacional
da população ribeirão-pretana. Sem nos esquecermos da grande rede hospitalar,
composta por profissionais reconhecidos nos quatro quadrantes do planeta.
Profissionais, estes, que geram conhecimento nas mais variadas áreas
biomédicas, bem como, atendimento do corriqueiro ao mais complexo problema de
saúde que se possa imaginar. O que não me deixa dúvidas para afirmar, em alto e
bom som, que Ribeirão é a Capital da Ciência.
Mas afirma-se que Ribeirão é a
Capital da Cultura, especialmente, neste 2010, “batismo de fogo” de tal título.
De fato, há exemplos genuínos na cidade de que Cultura é feita, e fomentada,
muito mais, por iniciativas de seus produtores culturais (Cauim, Cine Kayser,
Ribeirão em Cena, Companhia Minaz, Concertos para Juventude da USP, e inúmeros
outros) do que por uma ação integrada e pró-ativa dos nossos agentes culturais
oficiais. Neste contexto, até nossa Feira Nacional do Livro, agora vistosa até
no Jornal Nacional, tornou-se produto cultural que despertou a “fome” política
de muitos que se auto-afirmaram “amantes do livro” e da “transparência do uso
do dinheiro público”, a despeito de serem “pais” (abantesmas) de “funcionários
fantasmas”, e coisas do gênero. Mas, questiono: será que temos condição de ser
uma Capital da Cultura se, nesta mesma cidade, bibliotecas são fechadas
gradativamente, assim como, na qual se eleva o nível de analfabetismo
funcional, produtores culturais, com projetos altamente qualificados e
formativos, necessitem, constantemente, pedir “socorro” à população, e seus
benfeitores, para honrar seus compromissos, e não fechar as portas e,
principalmente, que não consegue democratizar a Cultura, senão a todos, à maior
porcentagem da população? Meu colega, colunista do jornal a Tribuna de Ribeirão
Preto, Paulo Finotti, categoricamente afirmou, em artigo recente, que não. Mas,
sim, Capital do Buraco.
Em que pesem as chuvas intensas, e a
qualidade do solo ribeirão-pretano, o ícone dos últimos três meses tem sido os
buracos que buraqueiam o nosso belo município. Antes, ação de baixa
complexidade, incluída no Plano de Metas do município, agora, virou ação
altamente complexa, que necessita até dos “princípios da física quântica” e da
assessoria do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) para ser resolvida.
Entretanto, ao contrário da riqueza, da ciência e da cultura, os buracos são
extremamente “democráticos”: encontram-se em várias formas, e tamanhos, nas
zonas norte, sul, leste e oeste de Ribeirão Preto, independente de credo, cor,
raça, renda e filiação partidária. E de tal complexidade que esta já estava
requerendo a composição de uma CEE de “notáveis”, que entendem tanto de livros,
quanto de buracos, que muito se preocupam com a possibilidade, temerária, de
tal riqueza, ciência e cultura poderem, malogradamente, “escoar” pelo buraco
abaixo.
No Brasão da cidade de Paris, de
acordo com Freud, encontra-se a seguinte citação, em latim, “Fluctuat Nec
Mergitur”, que significa “As ondas o abalam, mas não o afundam”. De modo
similar, apesar de tantos buracos que a abalam, Ribeirão não afunda. Não afunda
graças ao serviço oficial de tapar buracos? Não. Graças, sim, aos geradores de
riqueza, de ciência e de cultura que vivem, constantemente, tapando estes e
muitos outros “buracos” mais. Que assim seja.