A fração brilhante de uma nação

A fração brilhante de uma nação

         

      As diferenças de riqueza entre nações têm sido tradicionalmente explicadas pelas diferenças nos fatores institucionais, econômicos, geográficos e histórico-políticos. Tais diferenças podem ser agrupadas em duas grandes abordagens. De um lado, a abordagem libertária, embasada no pensamento econômico inglês e austríaco, entende que liberdade econômica é fundamental para o crescimento e a riqueza. Países economicamente livres têm livre mercados; baixos impostos, menores taxas alfandegárias e gastos públicos; obediência às leis; direito às propriedades; mecanismos de preços livres; liberdade de investimento e raras intervenções governamentais. Por outro lado, a abordagem da dependência explica que as diferenças em riqueza, especialmente entre os países de Primeiro e Terceiro Mundo, devem-se às assimétricas estruturas políticas e de poder. Tal abordagem sustenta que o colonialismo e as leis pós-colonialistas dos países europeus resultaram em comércios entre nações ricas e pobres que foram desfavoráveis às últimas.

     Mais recentemente, outros enfoques têm incluído o capital humano, ou seja, o estoque das habilidades individuais que permite com que as sociedades, nações e culturas funcionem de maneira economicamente efetiva.  No cerne destas abordagens emergem dois traços psicológicos essenciais. O primeiro é a habilidade cognitiva (ou competência cognitiva), a qual engloba a habilidade para pensar, o estoque individual de conhecimento verdadeiro e relevante, e o uso inteligente deste conhecimento, no qual a habilidade cognitiva é definida como a habilidade para receber, decodificar e entender informação. O segundo é a disciplina intelectual envolvendo traços de personalidade, tais como, diligência, comprometimento, consciência, perseverança e autodisciplina.

     Uma vasta quantidade de pesquisas mostra que habilidade cognitiva contribui fortemente para a riqueza tanto do indivíduo quanto da nação. Habilidade cognitiva enriquece o entendimento individual de conceitos e as relações causais, aumenta a compreensão, a visão e a racionalidade. Ela tem conseqüências proximais, tais como, trabalho de melhor qualidade, melhor saúde e decisões mais razoáveis na vida cotidiana. Alta habilidade cognitiva melhora o acesso individual aos melhores ambientes e, também, capacita indivíduos, instituições, sociedades e culturas a melhorarem a qualidade dos ambientes disponíveis. Ademais, habilidade cognitiva traz conseqüências distais, tais como, maior riqueza e longevidade; uma sociedade mais democrática; liberdade política e econômica; uma cultura mais complexa; e longitudinalmente, causando, pelos efeitos a longo prazo destes fatores ambientais, um enriquecimento da inteligência.

     Entretanto, o nível de habilidade da classe intelectual (comparada à habilidade cognitiva geral da sociedade) prediz riqueza através da excelência nas realizações científicas e tecnológicas, e, também, pelas mudanças nas instituições políticas e econômicas de maneira mais liberal, democrática, constitucional e eficiente, todas as quais fomentam riqueza.  Na outra face, riqueza, liberdade econômica e a própria realização altamente intelectual têm, em todos os níveis, um efeito positivo na habilidade cognitiva da sociedade. A longo prazo, as interações positivas entre habilidade cognitiva e qualidade de um ambiente físico, social, institucional e cultural intelectualmente estimulante, são mutuamente reforçadoras, produzindo o que os economistas se referem como uma espiral virtuosa.

     Há dados indicando que indivíduos que são mais cognitivamente competentes têm efeitos positivos sobre a afluência, política e cultura em sua sociedade. Vários pesquisadores têm se referido a este fenômeno, implícita ou explicitamente, denominando-o de “classe criativa”, “classe intelectual” ou “fração brilhante” da população. Esta pode ser operacionalizada de duas maneiras. Uma é medir a porção brilhante da população que excede um dado limiar, como, por exemplo, um QI maior que 105, 115, 130 ou 145 (M = 100, DP = 15) ou uma dada pontuação nas avaliações dos estudantes, como, por exemplo, 540, 600, 700 ou 800 (M= 500, DP = 100) nas avaliações internacionais dos estudantes, tais como, PISA, TIMSS.  A outra é mensurar a habilidade de um grupo de superior, tal como, o percentil 90, 95, ou 99 da população.

     Assim considerando, recentes análises compararam a influência da competência cognitiva de grupos com alta, média e baixa competência sobre o produto doméstico bruto (PDB) e as realizações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática para a riqueza nacional. As diferentes comparações, claramente revelaram que, na sociedade moderna, o nível cognitivo da classe intelectual, ou seja, da fração brilhante, e seu tamanho relativo, são mais importantes para o desenvolvimento econômico do que são os de grupos com níveis cognitivos médio ou baixo. As grandes realizações em ciência, tecnologia, engenharia e matemática dependem do nível de habilidade cognitiva da fração brilhante da população, e adicionalmente esta habilidade elevada influencia positivamente a riqueza aumentando a liberdade econômica. Em outras palavras, riqueza, em tempos modernos, é resultante da habilidade cognitiva da sociedade como um todo, e de sua elite cognitiva em particular. Habilidade cognitiva é essencial para o progresso tecnológico; pois, o desenvolvimento histórico da moderna sociedade com sua demanda crescente e cognitivamente complexa, requer continuamente capacidades para lidar com alta complexidade e de aprender sozinho. Por isso, educação é o processo de fomentar a habilidade fluída e a cristalizada.

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