Gênios e loucura: evidências psicométricas

Gênios e loucura: evidências psicométricas

          Contrastando com os dados historiométricos e psiquiátricos já apresentados, que primaram por serem qualitativos, os dados psicométricos sobre os quais falarei hoje primam por basearem-se em métodos quantitativos. A Psicometria, área que se ocupa da quantificação dos traços e habilidades humanos, vai muito além do QI. Os pesquisadores neste domínio podem avaliar diferenças individuais além das já tradicionais avaliações em inteligência. Neste contexto, pesquisadores podem aplicar instrumentos que capturam os traços de personalidade que estão mais proximamente relacionados à psicopatologia. Tal como nos testes de inteligência, os questionários de personalidade podem ser padronizados com grandes amostras, de forma que, qualquer traço, ou característica de personalidade, que fuja dos padrões normais, pode ser enfatizado, ou seja, analisado mais cuidadosamente. No caso dos gênios, os escores extraordinários dos mesmos podem ser contrastados com o escore médio da população. Estas diferenciações são quantitativas, mais do que qualitativas, como obtidas nos métodos anteriores.

            As evidências psicométricas, em sua maior parte, têm revelado que indivíduos criativos tendem a pontuar acima da média em várias dimensões relacionadas à psicopatologia. Por exemplo, criatividade é positivamente associada com escores na sub-escala de psicoticismo, que é uma das dimensões de um questionário de personalidade. Pessoas que pontuam mais elevado do que o normal na sub-escala de psicoticismo tendem a ser agressivas, frias, egocêntricas, impessoais, impulsivas, anti-sociais, sem empatia e muito fechadas. Não obstante, criadores excepcionais nas artes tendem a ter pontuações mais elevadas do que criadores excepcionais nas ciências. Como exercício prático, compare a personalidade de Picasso com a de Einstein para apreciar o quão mais elevado era o primeiro na dimensão psicoticismo. Concorda?

            Ademais, não é simplesmente o caso de as pessoas criativas pontuarem mais elevadamente em tais dimensões, mas, também, é o caso de as pessoas mais altamente criativas pontuarem mais elevadamente que as menos criativas, as quais, por sua vez, pontuam mais elevadamente que as pessoas não criativas. Essa relação positiva foi demonstrada num estudo de escritores criativos usando o Inventário Multifatorial de Personalidade de Minnesota. Também, aqueles escritores que foram altamente bem-sucedidos em suas carreiras pontuaram de forma mais elevada em outras dimensões deste Inventário, tais como, depressão, hipocondria, paranóia, esquizofrenia etc, do que aqueles que são ainda criativos, mas não tão bem-sucedidos, ainda que, estes últimos pontuem acima do normal em cada uma das dimensões do Inventário. Outros dados revelam que artistas muito bem-sucedidos pontuam de forma mais elevada em psicoticismo do que seus colegas profissionais, que, por sua vez, pontuaram mais elevadamente nesta mesma dimensão do que os não-artistas.

            Apesar destas associações é importante destacar dois aspectos: 1º) embora indivíduos altamente criativos sejam predispostos a ter escores mais elevados em certas escalas clínicas, seus escores raramente são tão extremos para indicar uma doença autêntica. Ao contrário: seus escores situam-se entre as amplitudes normal e anormal. Seus escores elevados, usualmente, são correlacionados com independência e inconformismo, traços estes que ajudam os gênios a manter a sua originalidade. Portanto, o que uma pessoa média poderia ver como um acidente, ou circunstância, altamente criativa vê como uma oportunidade significativa, ou seja, elas vêem algo onde outros não vêem nada; 2º) criadores excepcionais pontuam, também, de forma elevada em outros traços psicopatológicos que mascaram os efeitos negativos de qualquer psicopatologia incipiente. Por exemplo: os criadores têm um alto grau de auto-suficiência e robustez de ego quando comparados com a população em geral. Por esta razão, eles podem exercer controle metacognitivo sobre qualquer sintoma psicopatológico que possa, eventualmente, aparecer.

            Portanto, parece que os gênios sabem tomar vantagens de seus traços psicopatológicos. Como? Convertendo-os em ingredientes-ativos para o fomento de sua criatividade e excelência.

 

Compartilhar: