A ideia perigosa de Sir Francis Galton

A ideia perigosa de Sir Francis Galton

              O gênio e polimatemático vitoriano Sir Francis Galton (1822 – 1911), meio-primo de Charles Darwin, contribuidor seminal em extensa variedade de campos, como exploração e geografia, metereologia, fotografia, classificação das impressões digitais, genética, estatística, antropometria e psicometria, por exemplo, quando criança, foi um prodígio capaz de ler e escrever antes dos 4 anos, bem como, de compreender qualquer obra em Latim. Todavia, detestava ir à escola. Transferido, inúmeras vezes, de uma para outra, pelos próprios pais, que tentavam ajudá-lo com isso, Galton, a despeito de todo este esforço, continuou achando, a todas, entediantes e frustrantes, terminando por solicitar aos pais que o deixassem existir do modo que mais proveitoso lhe fosse. Em sua obra “Memórias de minha vida”, escrita por ele em 1908, aos 86 anos, está relatada esta sua insatisfação para com o ensino escolar, não desmerecendo-o, mas, sim, esclarecendo o quão difícil era aprender algo tão aquém de sua idade mental. Entretanto, aos 15 anos, para satisfazer a ambição de seus pais, que queriam-no profissional como o avô, Erasmo Darwin, notável médico fisiologista, naturalista e poeta, Galton adentrou na escola médica.

            Tal ingresso permitiu-lhe interessar-se pelas ciências básicas (Química, Física, Biologia e Fisiologia), e, abandonando os estudos em Cambridge, graduou-se nestas aos 21 anos. Excêntrico, obsessivo em contar e numerar as coisas, seu lema era “Quando puder, conte!”. Apaixonado por dados, contava e tabulava tudo, chegando a ponto de criar uma medida objetiva do grau em que um palestrante entediava uma platéia, mostrando, com seu método, que, mesmo o mais eloqüente conferencista, se lesse um texto na íntegra, era mais entedioso do que um conferencista extemporâneo e deselegante da época. Criador do Apito de Galton, específico para atrair cachorros, e em freqüência inaudível aos seres humanos, suas contribuições metodológicas, na área de estatística, são inúmeras. É a ele que devemos a criação do índice quantitativo do grau de relação entre duas variáveis (como peso e altura, por exemplo), conhecido com correlação, vários procedimentos e equipamentos, psicométricos e estatísticos, tais como, diagrama bivariado, regressão múltipla, percentis, etc e, a partir de seu mais famoso livro, “Gênio Hereditário”, de 1869, a criação da genética comportamental, cem anos antes da genética do comportamento alcançar o ápice a que chegou. Ademais, o uso de gêmeos para estudar a herança dos traços comportamentais, outro achado substancial proposto por ele, permitiu revelar a existência de dois tipos de gêmeos, julgando a partir de seu grau de semelhança, os quais hoje são chamados de gêmeos monozigóticos, ou idênticos, e dizigóticos, ou fraternos.

            Mas, sua maior contribuição, ou idéia perigosa, foi, e ainda é, a crença de que todas as características humanas, tanto físicas, quanto mentais, e, especialmente, a idéia de habilidade cognitiva geral, era hereditária, podendo ser mensurada em termos da velocidade dos processos mentais. Morto em 1911, acreditou, piamente, que a habilidade cognitiva geral era, de longe, o fator mais importante nas realizações de uma pessoa ao longo da vida. Em “Gênio Hereditário”, obra que, posteriormente, ele entendeu dever ter sido intitulada “Habilidade Hereditária”, uma vez que ele não estava interessado no gênio per se, mas, sim, nas causas hereditárias da variação das habilidades humanas, Galton afirmou que, tanto os traços mentais, quanto os traço físicos, eram determinados, predominantemente, por fatores genéticos, e apresentou, em meio a outras, duas idéias perigosas: (1ª) que havia uma habilidade geral e (2ª) que as diferenças oriundas desta habilidade geral eram hereditárias. No que toca à primeira, ainda que reconhecendo a importância das habilidades específicas, tais como, lingüística, matemática, musical, artística e mnemônica, Galton entendia que a habilidade geral era mais abrangente, denotando um poder da mente que afetava, em algum grau, a qualidade e, virtualmente, tudo o que uma pessoa fazia. Desta forma, para favorecer a ambas, o cientista cunhou a expressão habilidade mental.

            Supondo que a habilidade geral encontrava-se, normalmente, distribuída na população em maior ou menor grau, bem como, que havia uma estreita correlação entre habilidade mental geral e velocidade de processamento de informação, de modo que as pessoas que processavam informação mais rapidamente eram, por ele, consideradas mais inteligentes, Galton, apesar de, na ocasião, entre 1884 e 1890, não possuir métodos estatísticos para comprovar suas intuições científicas, ainda assim, construiu inúmeros testes capazes de mensurar a capacidade discriminativa e o tempo de reação das pessoas. Hoje, quase cem anos depois, análises estatísticas de seus dados originais, obtidos com mais de 9 mil pessoas, vieram comprovar e validar aquelas geniais intuições científicas. E, o que é mais importante, suas “idéias perigosas” continuam sendo debatidas, podendo ser encontradas, vívidas, nos seguintes questionamentos contemporâneos, “Há uma ou várias habilidades ou inteligências?”, “Para que lado os sinos dobram: para o ambiente ou para a genética?”. A verdade é que Galton levantou hipóteses astutas e aguçadas, férteis metodologias e descobertas empíricas de grande importância histórico-científicas. Tão importantes que delas germinaram os fundamentos de várias, das mais importantes, áreas científicas da atualidade, como, por exemplo, a Psicometria, Criminologia, Genética Comportamental Humana, Psicologia Diferencial, Estatística, entre outras. Assim, quiçá perigosas, como estas, fossem todas as idéias do nosso tempo! Pois, em assim o sendo, revelariam, em seu bojo, mais que questionamentos, a saber, a inteligência de grandes mentes que, de tempos em tempos, nascendo num dos quatro quadrantes do mundo, pensariam e repensariam o Homem, modificando os caminhos da Humanidade.

 

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