
Ideias Perigosas
Postado em 19 de Abril de 2014 às 15:04 na categoria Ciência
É chamado de perigoso tudo aquilo ou aquele que representa ou causa perigo. Toda era tem este “perigo” presente em muitas de suas idéias. Assim ocorrendo, estas ficam sendo conhecidas como “idéias perigosas”. Por milhares de anos, por exemplo, as religiões monoteístas contestaram incontáveis heresias, bem como, perseguiram inúmeros heréticos e embaraços, oriundos das Ciências, que contestaram o geocentrismo, a arqueologia bíblica, bem como, defenderam a evolução. Nesta época, contestar dogmas resultava em punições que iam da tortura à mutilação e morte em praça pública. Entretanto, hoje, as punições variam do cancelamento de auxílios à pesquisa à vilipêndios sociais.
Mas, o que faz uma idéia ser perigosa? O fato de sua aceitação levar a um resultado tido, por muitos, como prejudicial. Em sociedades religiosas, por exemplo, o receio de que as pessoas, caso parem de acreditar na verdade literal da Bíblia, também possam parar de acreditar na autoridade dos mandamentos morais desta, assim como, de acreditar na própria instituição que os representa, a saber, a Igreja, revela que a periculosidade é, nada mais, nada menos que: se as pessoas desmistificarem, hoje, a parte bíblica, de que Deus criou o mundo em seis dias, amanhã elas poderão desmistificar, também, o apelo do mandamento “Não matarás.”
Pensemos em alguns exemplos de idéias perigosas. Quantas vidas poderiam ser salvas se o governo instituísse o mercado livre de transplante de órgãos? Ou se as próprias pessoas pudessem clonar a si próprias, ou, então, enriquecer os traços genéticos de suas crianças? Teriam, ou não, os pais influência sobre o caráter de seus filhos? O “perigoso” de tais idéias encontra-se, certamente, na possibilidade delas considerarem afirmações de fatos, ou políticas, que são defendidos com inúmeras evidências e argumentos, por cientistas e pensadores sérios, os quais desafiam, com tal defesa, a decência coletiva de toda uma época. Mas, aqueles que têm levantado tais idéias continuam sendo, incontestavelmente, vilipendiados, censurados, humilhados, ameaçados de morte e, em alguns casos, até fisicamente agredidos.
A história da ciência, repleta que é de descobertas, consideradas, social, moral e emocionalmente, perigosas em seu tempo, assim como, as revoluções copérnicas e darwinianas, são exemplos óbvios da periculosidade de certas idéias. Idéias perigosas, embora falsas, se forem populares, são acreditadas como sendo verdadeiras. Por outro lado, se forem verdadeiras, mas impopulares, são creditadas como falsas. Em cada caso nós não conhecemos se elas são falsas ou verdadeiras, a priori. Entretanto, é exatamente por isso que o debate sobre elas é importante.
A ciência, em particular, tem sido considerada, ao longo dos séculos, uma forte e constante fonte de “heresias”. E hoje, os avanços galopantes de áreas sensíveis, tais como, Genética, Inteligência, Evolução, e Ciências Ambientais, abrem possibilidades cada vez mais “heréticas” e nunca dantes esperadas. Em determinados círculos, entretanto, continuam a existir pessoas que têm grande dificuldade de lidar com este tipo de periculosidade das idéias. E, mesmo na Academia, local em que tais idéias deveriam fluir e ser intensamente debatidas, isto também ocorre. E isto se repete com o governo e a imprensa, os quais deveriam ser os maiores baluartes da verdade. Neste caso, uma segunda característica, que se origina da aceitação de uma idéia perigosa é que, em se aceitando a veracidade da mesma, as pessoas teriam que repensar os seus sistemas de valores, ética e moralidade. Tendo grande resistência em questionar valores sagrados, principalmente se estes implicam nas relações pessoais que estão, continuamente, em mudança, fica mais fácil acreditar no que não causa dúvida, do que abrir possibilidades de descobrir, de fato, como o mundo funciona, e como é, concretamente, a natureza humana.
Ainda hoje, verifica-se que a ordem moral prevalecente nunca pode ser contestada. Sequer pela Ciência. E Galileu e Darwin, ainda que mortos, são exemplos vívidos disto. Porém, a ordem moral pode sobreviver, sim, e muito bem, apesar de sabermos, sem escamoteações, como o mundo real, ou a natureza humana, realmente funcionam. Assim, advogar que importantes idéias, mesmo que sejam perigosas, devam ser, franca e intensamente, debatidas é permitir que o homem abra as portas de sua mente para o desenvolvimento pessoal, social e tecnológico futuros. Pois, ainda que as idéias perigosas possam trazer, em seu bojo, verdades que desmistificam noções, até então, propagadas como verdades quase que absolutas, discuti-las, ou não, não deve ser pautado por delas se gostar ou não gostar. Trata-se, sim, de verificá-las e comprová-las enquanto idéias que são. Ainda que, tal verificação e comprovação, impliquem no questionamento de tabus e dogmas propagados por décadas. E mesmo que isso faça estremecerem todos os ossos humanos.
Logo, uma idéia somente pode ser considerada falsa caso possamos examiná-la, amplamente, à luz do raciocínio lógico-experimental, o qual a determine como falsa. Como disse, certa vez, Louis Brandeis, acerca da liberdade de expressão e pensamento: “A luz do sol é o melhor desinfetante”. Urge, portanto, que a contemporaneidade seja, intensamente, desinfetada com este.