
Inteligência ou inteligências?
Inteligências múltiplas é uma teoria psicológica sobre a mente humana. Essencialmente é uma crítica à noção de que há uma simples inteligência (fator g) que é hereditária, que não pode ser alterada e que os psicólogos podem mensurar. A concepção de inteligências múltiplas é baseada em pesquisas oriundas da psicologia, neuropsicologia, antropologia, biologia e estatística. Esta teoria supõe que a inteligência pode ser decomposta em muitos fatores ou habilidades hipotéticas que formariam a base das diferenças individuais. Porém, os diferentes proponentes das teorias das inteligências múltiplas parecem não concordar em quantas diferentes inteligências existem ou poderiam existir. Estas teorias supõem que todas as formas de inteligência são necessárias para a pessoa funcionar produtivamente na sociedade. Estas teorias são: a Teoria das Capacidades Mentais Primárias, de Thurstone; a Teoria Hierárquica das Habilidades Cognitivas, de Carroll, Horn e Cattell; a Teoria da Estrutura do Intelecto, de Guilford; a Teoria das Inteligências Múltiplas, de Gardner e a Teoria Triárquica da Inteligência, de Sternberg. Por terem tido um grande impacto na reforma do ensino primário e secundário americano, iremos comentar, neste manuscrito, apenas os dois últimos modelos teóricos.
Gardner define a inteligência como a habilidade ou a capacidade para solucionar problemas ou para confeccionar produtos que são valorizados dentro de um ou mais arranjos culturais. A Teoria das Inteligências Múltiplas sugere que nossa cultura e os nossos sistemas educacionais que refletem a nossa cultura, ensinam, testam, reforçam e recompensam primariamente dois tipos de inteligência: a verbal/lingüística e a lógico/matemática. A teoria supõe que há oito diferentes tipos de inteligência: verbal/lingüística (Jorge Amado, José Saramago), musical (Carlos Gomes, Mozart), lógica-matemática (César Lattes, Stephen Hawking), espacial (Portinari, Picasso), corporal-cinestésica (Pelé, Michael Jordan), naturalística (Burle Marx, Charles Darwin), interpessoal (Betinho, Madre Teresa), intrapessoal (Dom Evaristo Arns, Sócrates). A propósito, estas duas últimas formas de inteligência são algumas vezes entendidas como inteligência social ou mesmo inteligência emocional, tal como popularizada por Goleman. A inteligência emocional envolveria habilidades que poderiam ser agrupadas em cinco domínios: auto-consciência, manipulação de emoções e sentimentos, auto-motivação ou auto-controle emocional, empatia e manipulação de relações interpessoais ou habilidades sociais.
A Teoria de Gardner desafia a concepção de inteligência geral, a Teoria do QI, cuja inteligência poderia ser sumariada em um número, o quociente intelectual. Ela supõe que cada inteligência tem um índice separado que é independente uma das outras. Por exemplo, alguém poderia possuir um alto nível de inteligência musical, mas que não teria qualquer afinidade com sua inteligência lingüística. Teoricamente, cada inteligência poderia ser mensurada, mas a mensuração precisa requereria um teste extremamente longo. Também, cada indivíduo tem um conjunto separado de índices de inteligência que é diferente daquele de outros indivíduos. Importante notar que a aceitação da Teoria das Inteligências Múltiplas tem várias implicações para os professores, especialmente no que tange a seus planos de atividades, uma vez que estes deveriam considerar todas as inteligências como igualmente importantes.
De outro lado, a Teoria Triárquica da Inteligência desenvolvida por Sternberg é muito mais ampla porque considera os fatores sociais e contextuais, em adição às habilidades humanas. Segundo Sternberg, a inteligência pode ser definida como a capacidade mental para automatizar o processamento de informação e para emitir comportamentos contextualmente apropriados em resposta às novidades; a inteligência também inclui metacomponentes, componentes de desempenho e componentes de aquisição de conhecimento.
Segundo Sternberg, a inteligência compreende três aspectos, os quais tratam da relação da inteligência com o mundo interno da pessoa, com a experiência e com o mundo externo. Para ele, existem três tipos de inteligência. A primeira categoria consiste da inteligência analítica, onde estão incluídas as atividades acadêmicas de resolução de problemas. Há as habilidades avaliadas por testes de inteligência que apresentam problemas bem definidos com uma única resposta certa. A segunda categoria consiste da inteligência prática, que é muitas vezes necessária para as tarefas cotidianas, que são, com freqüência, mal definidas e com múltiplas soluções. A terceira categoria é a inteligência criativa que é demonstrada na reação às situações novas.
De acordo com Sternberg, as pessoas podem aplicar sua inteligência a muitos tipos diferentes de problemas. Por exemplo, algumas delas podem ser mais inteligentes diante de problemas acadêmicos abstratos, enquanto outras podem ser mais inteligentes diante de problemas práticos concretos. A teoria não define uma pessoa inteligente como alguém que necessariamente se destaque em todos os aspectos da inteligência, e o mais importante é dar o máximo de suas forças e encontrar meios de melhorar ou viver confortavelmente com suas fraquezas.
Do ponto de vista de Sternberg a inteligência é altamente maleável, pode ser moldada e mesmo aumentada por intermédio de vários tipos de intervenção. Como exemplo, podemos citar os programas “head start”, “instrumental enrichment” e “intelligence applied” que foram utilizados com sucesso para ensinar habilidades intelectuais a estudantes americanos e venezuelanos do ensino básico e médio. De fato, acompanhamentos a longo prazo indicaram que as crianças que haviam participado destes programas estavam mais de uma séria à frente de grupos emparelhados que não receberam o mesmo programa de melhoramento ou enriquecimento da inteligência.
Em resumo, destacamos neste capítulo que existem duas grandes correntes de pensamento em relação à natureza da inteligência. De um lado, os proponentes da teoria da inteligência geral supõem razões biológicas para o comportamento inteligente. Visto que, consideram a velocidade de processamento neural como a raiz da inteligência a teoria tem uma efetiva explicação causal. De outro lado, os proponentes da teoria das inteligências múltiplas supõem a existência de diferentes tipos ou formas de inteligências, mas discordam quantas inteligências existem ou supostamente existem. A Teoria de Gardner tem também uma explicação causal bastante clara para a inteligência, mas infelizmente torna-se muito difícil confirmar experimentalmente suas hipóteses, devido à delicadeza envolvida com o cérebro humano. A Teoria de Sternberg não possui uma base biológica. A teoria não focaliza o cérebro como as outras e nem as funções biológicas, mas centraliza-se em diferentes situações sociais. Portanto, a teoria aplica-se para diferentes situações ou contextos sociais e ambientais, como nenhuma das outras faz. Entretanto, como nenhuma teoria é amplamente aceita por todos, há, portanto, uma grande avenida a ser explorada para o aprimoramento de qualquer uma delas.