
A lenda do chopp milagroso
Certo sábado, como de hábito, degustávamos um chopp nesta terra de sol, café e cana-de açúcar, quando Mestre João, profundo conhecedor do menu daquela casa, acomodou-se em nossa mesa, interessado em saber se estávamos bem atendidos. Replicamos, então, que aquele chopp era tão saboroso que não nos admiraríamos se ele nos curasse da gripe, da alergia e, riam, até de calvice. Este comentário, alegre e espirituoso, de imediato despertou o bom humor de Mestre João que, após sondar com os olhos se não estava sendo requisitado em nenhuma mesa, disse que tinha, realmente, uma história similar a nos contar.
Quarenta anos antes, quando ali ingressara, observou que freqüentava a casa um dos barões do café da região, mineiro nobre e educado, acompanhado, invariavelmente, da esposa e um casal de filhos. Chamou-lhe a atenção que o velho fazendeiro tossia com freqüência, conseqüência do uso secular de um cachimbo, confeccionado pela própria família. Ao puxar prosa com o mesmo, ouviu do velho fazendeiro que este andava desconsolado da vida por conta daquele pigarrear que, tanto a esposa, quanto os filhos e os amigos, eram freqüentes em reclamar.
Mestre João, então, ouvidor de muitos “causos” contados naquelas mesas, muitos destes de amor, traição e casamentos, lembrou-se de uma receita, dita milagrosa, repassada a ele por um reconhecido pneumologista, professor da Faculdade de Medicina local, conhecido até no estrangeiro. Receita esta que rezava a seguinte posologia: durante sete dias seguidos, sendo o primeiro uma sexta-feira, o interessado deveria tomar sete chopps, temperados, imediatamente acima do colarinho, com sete gotas de limão e uma colherzinha de mel. Dados, estes, que me lembraram da teoria da informação, a qual preconizava o número mágico 7 +-2 estímulos acuradamente percebidos, sem erro, no processo perceptual, ou seja, que o ser humano só consegue discriminar, com acurácia, de cinco a nove estímulos numa dada apresentação. Na sequência, o fazendeiro deveria ficar sete semanas bebendo, como líquido, apenas água e rezar, com a mulher e os filhos, sete pai-nossos e sete ave-marias. Transcorridas sete semanas, repetir o feito, nas mesmas dosagens.
O fazendeiro, cético que era, e talvez um pouco descrente de religiões, decidiu acatar a sugestão, ainda que, sinceramente, não acreditasse que aquilo fosse surtir efeito e, tampouco, que lhe valeria o tempo gasto. Só aceitou, porém, porque aquele chopp era muito saboroso e, em particular, teria um certo prazer mórbido em apostar algo que, no final, pudesse ser contado nas rodadas de truco com os amigos nos serões da fazenda. Então propôs uma aposta: se a tosse parasse, ele mandaria rezar sete missas de ação de graça, todas elas dedicadas a Mestre João. Porém, caso perdesse, Mestre João deveria, cortesmente, custear-lhe, durante sete semanas, sete chopps, acompanhados daqueles deliciosos torresmos, mandioca frita e tutu a mineira.
Mestre João, de pronto, concordou, ciente de que a fama do pneumologista não era gratuita e, absorvido nos seus afazeres cotidianos, logo esqueceu do fazendeiro e da aposta. O tempo passou e todos ali viram o tal fazendeiro cumprir, à risca, o receitado, com o pigarro, gradativamente, diminuindo. Ao final do período combinado, eis que o fazendeiro e sua família ali compareceram para almoçar, porém, surpreendendo a todos ao requisitarem setenta e sete cadeiras, as quais viriam a acomodar toda a sua família, o que requisitou, então, que a casa fosse fechada para atendê-los. O que, entretanto, Mestre João não esperava é que a casa ficaria fechada por sete dias, sendo servida, por solicitação do fazendeiro, por sete garçons e sete garçonetes.
Mestre João, intrigado, aproximou-se do fazendeiro, perguntando, “O que, meu amigo, de fato ocorreu? Foi ao médico?”. Ao que o fazendeiro, então, muito feliz, e sem pigarrear, retrucou, “Nããão, mestre!!! Simplesmente, e obrigado por minha senhora, segui, ao pé da letra, sua receita milagrosa. “Não diga! Então, agora, pague a promessa... do contrário Deus se irrita e volta atrás”. Todos riram. E foi assim que Mestre João foi recomendado, nas missas locais, a ser abençoado pelos céus durante sete semanas.