Maioridade penal e inteligência geral

Maioridade penal e inteligência geral

            Ao longo das discussões e debates acerca da diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos, foram levantados inúmeros argumentos favoráveis e desfavoráveis à mudança. Muitos destes sustentando-se, exclusivamente, sobre a incidência elevada de diferentes comportamentos criminais, ofensivos pessoal e socialmente, praticados, atualmente, por jovens menores de 18 anos. Discutiram-se, também, medidas corretivas como aprisionamento e outras intervenções comportamentais que não têm se mostrado altamente eficazes para modificar tais atitudes anti-sociais. Em geral, tais argumentos, do ponto de vista científico, tanto para aqueles que sustentavam a mudança, quanto para os que iam contra a mesma, em nenhum momento, discutiam que padrões comportamentais cognitivos, afetivos e emocionais alteram-se ao longo do desenvolvimento, especialmente, na faixa de idade da pretendida mudança. Talvez, a Teoria da Inteligência Geral possa, de alguma forma, ser útil para tal discussão, trazendo para esta três argumentos que entendo serem fundamentais à mesma.

            O primeiro argumento refere-se à alta estabilidade da inteligência geral (também conhecida como “g”, QI ou habilidade cognitiva geral). Atualmente, a literatura científica revela que há uma grande e elevada estabilidade da inteligência entre as idades de 11 a 90 anos. Um exemplo? Estudos britânicos têm revelado que o QI permanece estável (r=0,67) entre as idades de 11 a 90 anos, lembrando que a correlação máxima é 1, ou seja, perfeita estabilidade). O que isso significa? Que a inteligência geral que temos aos 11 anos de idade é, essencialmente, o mesmo que temos aos 90 anos de idade. Além disso, outros estudos observaram que há uma grande estabilidade nos escores de QI quando se comparam pessoas de 11 anos de idade com outras de 70, 79 e 87, sendo as correlações, respectivamente, 0,67; 0,66 e 0,51, indicando, portanto, que, da infância até a maturidade, há uma moderada estabilidade da função cognitiva conhecida como inteligência. A partir desse argumento, podemos dizer que, do ponto de vista cognitivo, jovens de 16 anos têm, certamente, a mesma inteligência que terão aos 18 anos de idade, e, evidentemente, até o final de suas vidas. Em termos jurídicos, atrevo-me a afirmar que, ter 16 ou 18 anos implica que, em ambos os casos, estes jovens são cognitivamente responsáveis por seus atos.

            O segundo argumento é sobre o papel da influência genética, ou papel da herdabilidade, no QI. É muito interessante comparar, especificamente, o grau de herdabilidade obtido em centenas de estudos, ao redor do mundo, envolvendo gêmeos idênticos de 4 a 6 anos e desta idade até a fase adulta. Os dados destes estudos indicam que o grau da herdabilidade da inteligência de grupos envolvendo as faixas etárias de 12 a 16 anos e de 16 a 20 anos (as faixas nas quais têm sido debatida a redução da maioridade penal) situa-se em 0,60, indicando que entre essas faixas o QI está geneticamente pronto e estável, ainda que estes estudos revelem, também, que influências genéticas também aumentam com a idade, alcançando quase 0,85 na idade adulta. Neste caso, importa mencionar que as influências ambientais nessas faixas etárias se situam entre 0,30 a 0,25, indicando que o ambiente compartilhado têm pouco efeito na mudança do QI a longo das faixas etárias consideradas nos debates acerca da redução da maioridade penal. Em outras palavras, o ambiente em nada lhe mudará se você tem 16 ou 18 anos.

            O terceiro argumento trata dos genes generalistas, conceito este amplamente discutido em genética do comportamento, que significa ,para os estudiosos do mesmo, que o desempenho escolar em leitura e matemática é tão herdável, e talvez até mais elevado, do que a herdabilidade para a inteligência. Em outras palavras, poder-se-ia argüir que as pessoas, aos 18 anos, teriam, em princípio, mais educação que aquelas com 16 anos de idade. Certamente, espera-se que sim, quanto mais velho, mais anos de escolaridade. Todavia, isto não implica que mais anos de escolaridade, necessariamente, congregue mais conhecimento ou melhor tomada de decisão aos 18 anos do que aos 16. Também, há estudos mostrando que os mesmos genes que são responsáveis pela inteligência geral, letramento e numeramento também possam ser responsáveis pelos indicadores de inúmeros traços de personalidade, tais como, conscientização, neuroticismo, abertura para experiência, in/extroversão e afabilidade. Estes traços fazem parte das cinco dimensões usualmente aferidas baseando-se no modelo conhecido como Os Cinco Grandes Fatores (Big Five Factors). Assim considerando, cognitiva e afetivamente, nada impede a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos. Entretanto, fica a questão: “Haverá cadeia para tantos ingressantes na mesma, no Brasil?”.

 

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