Mitos acerca do debate genética x ambiente

Mitos acerca do debate genética x ambiente

Com frequência lemos nos jornais e/ou em revistas populares notícias ou comentários sobre novas descobertas acerca  de que um dado gene supostamente controla certos traços ou comportamentos, como  por exemplo: obesidade, alcoolismo, esquizofrenia,  epilepsia, e certos traços de  inteligência e  personalidade. Os psicólogos e os educadores certamente se preocupam com as implicações que estes resultados têm para seus trabalhos. A questão que surge é: devem os psicólogos ou educadores mudarem o que estão fazendo se de fato certas habilidades ou deficiências, ou mesmo certos traços de personalidade ou estados motivacionais são, de fato, hereditários? 

O fato de que as habilidades ou deficiências,  ou os atributos de personalidade e os estados motivacionais, são parcial ou totalmente hereditários não têm virtualmente qualquer relação com o que os educadores estão realizando em salas de aula. Em outras palavras, o que conhecemos sobre a herdabilidade não mantém qualquer relação com quão mutável são os atributos (por exemplo: habilidades de aprendizagem, habilidades de pensamento, motivação para aprender). As evidências sugerem que o ambiente pode ter uma grande influência sobre as habilidades acadêmicas e também sobre o desempenho, independente de quão hereditárias são estas habilidades. Do ponto de visto prático da psicologia e da educação, o debate acerca da herdabilidade versus ambiente é usualmente infértil  e se prende a detalhes desnecessários.

Neste manuscrito são discutidos sete mitos acerca do debate gene-ambiente que usualmente permeiam o pensamento e a ação de muitos educadores e psicólogos. Estes mitos podem conduzir a interpretações  errôneas sobre o papel dos genes no comportamento e conduzir a conclusões falsas a respeito de quão maleável é o comportamento. Vamos examinar cada um destes mitos, desmiudando-os, e afirmando o que consideramos ser as conclusões corretas derivadas dos diferentes dados, até então obtidos, dos estudos sobre genética do comportamento. Esperamos que o leitor, após entender estes mitos, perceba facilmente porque o debate herdabilidade-ambiente tem sido, e continua a ser, um  mero distrator de tópicos que verdadeiramente são os mais importantes em psicologia e educação.

 

 Mito 1:  O coeficiente de herdabilidade indica a proporção de um traço que é hereditário. Herdabilidade (também denominada de h2) é a razão da variação genética em relação à variação total de um atributo ou traço dentro da população. A variação no traço de uma população é denominada de variação fenotípica, enquanto a variação genética numa população é conhecida como variação genotípica. Assim, a herdabilidade é uma razão entre a variação genotípica e a variação fenotípica. A herdabilidade tem um conceito complementar que é a ambiência ou ambiente. A ambiência é a razão entre a variação ambiental e a variação fenotípica. Devemos notar, todavia, que tanto a herdabilidade quanto a ambiência aplicam-se a populações, não à indivíduos. Não há qualquer meio de estimar a herdabilidade para um indivíduo, nem é o conceito significativo para indivíduos.

Herdabilidade é tipicamente expressa numa escala de 0 a 1, na qual o valor de 0 indica efeito nulo da herdabilidade e um valor de 1 indica um efeito total da herdabilidade.  Portanto, herdabilidade e ambiente adicionados totalizam a unidade. A herdabilidade indica a proporção de variação nas diferenças individuais de um dado atributo ou traço que é hereditário dentro da população. Assim, se o Quociente Intelectual (QI) tem uma herdabilidade de 0,50 dentro de uma dada população, então 50% da variação dos escores daquele atributo dentro daquela população é devido ( em teoria) às influências genéticas. O leitor deve observar que esta afirmação é completamente diferente da afirmação de que 50% do atributo é hereditário.  Todavia, mesmo alguns especialistas em diferentes campos do saber cometem o engano de acreditar que herdabilidade refere-se à proporção de um traço,  mais do que à proporção da variação nas diferenças individuais num traço.

Esta distinção é importante. Vamos considerar, por exemplo, o atributo do QI. O QI é usualmente expresso numa escala de intervalo, significando que diferenças aritméticas fazem sentido: por teoria, a diferença entre um QI de 80 e um QI de 90 é igual à diferença entre um QI de 110 e um QI de 120. Mas, diferenças multiplicativas entre QIs não fazem sentido: um QI de 120 não indica duas vezes mais inteligência que um QI de 60. Diferenças multiplicativas não têm sentido, porque não é conhecido um ponto zero para a inteligência que faça sentido ou seja significativo. Nós não sabemos o que significa uma inteligência zero. Um QI igual a zero não significa nenhuma inteligência. Em outras palavras, um ser extraterrestre ou uma criança, por exemplo, poderiam escorar zero num dado teste de inteligência, mas tal escore não indicaria uma falta total de inteligência. Similarmente, os testes padronizados ou mesmo as provas feitas pelos professores são baseadas em escalas de intervalos (não em escalas de razão, tal como a temperatura mensurada na escala Kelvin que tem o zero absoluto), de maneira que um escore igual a zero nestes testes ou provas não significa que o indivíduo não tenha qualquer habilidade ou que o indivíduo não conheça nada sobre o assunto que foi ensinado.

Uma importante implicação destes fatos é que a herdabilidade não é equivalente a influência genética. Um atributo pode ser altamente influenciado pela genética e ter pouca ou nenhuma herdabilidade. A razão é que a herdabilidade depende da existência de diferenças individuais. Se não houver diferenças individuais, não existe herdabilidade (porque há um zero no denominador da razão entre a variação genética e  a variação total de um traço numa dada população). Por exemplo, nascer com os dois olhos é  um fato 100% sob controle genético. Independente do ambiente em que um indivíduo nasce, ele terá sempre dois olhos. Porém, não faz sentido falar da herdabilidade em ter dois olhos porque não existem diferenças individuais. Herdabilidade não é igual a 1: ela é sem significado (há um zero no denominador da razão) e não pode ser sensivelmente calculada.

Vamos agora considerar um segundo exemplo complementar: o status ocupacional. Ele pode ser hereditário, mas certamente não está sob o controle genético direto. Claramente, não há um gene ou conjunto de genes para o status ocupacional. Se assim for, como ele pode ser hereditário? A herdabilidade pode afetar certos fatores que por sua vez levam as pessoas a terem ocupações com status maior ou menor. Assim, se traços ou atributos da inteligência, da personalidade e da atração interpessoal estão de alguma forma sob controle genético, então eles por sua vez podem conduzir a diferenças no status ocupacional. Os efeitos dos genes, neste caso, são, na melhor das hipóteses, indiretos. Outros atributos, tais como o divórcio, podem mostrar herdabilidade, mas, novamente, eles não estão sob o controle genético direto.

 

 Mito 2:  Herdabilidade é um conceito único usado em genética do comportamento e em estudos genéticos.  Ao discutir  a importância inequívoca dos estudos de herdabilidade, os cientistas afirmam que estas pesquisas fornecem evidências da presença ou ausência de influências genéticas sobre a variabilidade de um dado traço. Esta afirmação é absolutamente correta.  Todavia, o coeficiente de herdabilidade não é o único que pode ser usado para obter tais evidências. Por exemplo, vamos assumir que um indivíduo “A” tenha uma genuína condição comportamental denominada déficit de atenção. Ele tem dificuldades em prestar atenção em sala de aula, tem problemas em permanecer em sua carteira e tem dificuldades em focalizar suas tarefas. Mesmo quando está prestando atenção sua amplitude de atenção é muito momentânea e rápida. Conhecendo a prevalência (isto é, a freqüência total) desta condição na população estudada,  podemos calcular a probabilidade de que um parente “B”, por exemplo, um irmão do indivíduo “A”,  possa ter  esta mesma característica. Baseados nestes cálculos  podemos definir a razão de risco para todos os irmãos de todos os indivíduos afetados pelo déficit de atenção quando comparada com a prevalência da população. Quanto maior a razão de risco dos irmãos tanto maior a evidência da agregação familiar de um dado traço.  Ao analisar  as razões de riscos para diferentes tipos  de parentesco podemos acumular evidências para a presença ou a ausência de influências genéticas.

O objetivo principal das pesquisas em genética do comportamento é apontar genes específicos cujas funções resultam em manifestações comportamentais específicas. Alterações em suas funções através de agentes químicos podem ultimamente resultar na  preservação da vida ou em intervenções para o melhoramento da vida, tal como se fosse possível, intervir quimicamente quando um ou mais genes associados com as deficiências de leitura fossem definitivamente identificados. Assim, estabelecendo uma ligação direta entre genes e traços estudados, estes conceitos fariam a ponte entre as estatísticas estimadas e as realidades biológicas ou psicológicas que são de algum modo separadas em h2. Por último, uma compreensão das funções dos genes poderá ser útil em educação se  pudemos modificar o comportamento através de intervenções químicas.

 

 Mito 3:  Herdabilidade é um valor fixo para um dado atributo ou traço.  Embora se diga com freqüência que o QI é hereditário, não há, todavia, um valor fixo e único que represente um valor verdadeiro e constante indicativo para a herdabilidade do QI ou mesmo para qualquer outro traço ou habilidade cognitiva.  A herdabilidade depende de muitos fatores, mas o mais importante deles é a amplitude de ambientes a que um indivíduo está sujeito. Devido ao fato de que herdabilidade representa uma proporção de variação seu valor obviamente dependerá da quantidade de variação. Se não houver  variação nos ambientes a herdabilidade será perfeita porque não haverá qualquer outra fonte de variação. Ao contrário, se houver uma grande variação nos ambientes a herdabilidade provavelmente terá seus efeitos diminuídos. Por exemplo, vamos assumir, numa escala arbitrária, que a variância genética de um traço hipotético numa dada população é 5 e que a variância total do traço nesta população é 10.  Conseqüentemente, a herdabilidade deste traço é 50% (5/10). Agora, vamos assumir que esta população tenha experienciado uma rápida mudança ambiental (como ocorreu, por exemplo, no leste europeu). E, por conseqüência, a variação no traço aumentou (suponha que ela tornou-se 15), a variação ambiental também aumentou (suponha que ela agora seja 10), mas a variação genética  permaneceu a mesma (ainda é 5). Assim, podemos facilmente estimar que a herdabilidade nas novas condições ambientais para este mesmo traço mudou, ela é agora de 33% (5/15).

Quando se fala de herdabilidade há a necessidade de relembrar que genes sempre operam dentro de certos contextos ambientais. Todos os efeitos genéticos ocorrem dentro de uma amplitude de reações,  de modo que, inevitavelmente, o ambiente será hábil em afetar diferencialmente uma mesma estrutura genética.  A amplitude de reações é a amplitude de fenótipos (efeitos observáveis dos genes) que um dado genótipo (estrutura latente de genes) de qualquer atributo possa produzir, dada a interação do ambiente com aquele genótipo.  Os genes se expressam através da covariação e da interação com o ambiente.  A extensão da amplitude de reações pode diferir para diferentes atributos ou traços, um fenômeno denominado de canalização. A canalização indica a extensão em que um atributo se desenvolve sem considerar o ambiente. Um atributo é altamente canalizado se ele se desenvolve praticamente independente das circunstâncias ambientais.  Ele é fracamente canalizado se seu desenvolvimento depender altamente dos fatores ambientais. Por exemplo, habilidades mnemônicas básicas, tais como as requeridas em relembrar uma lista de palavras não relacionadas, parecem ser altamente canalizadas, enquanto habilidades interpessoais, tais como a habilidade de persuadir outros ou para negociar de forma eficaz, são provavelmente menos canalizadas. Em geral, atributos altamente complexos, tais como as habilidades intelectuais, tendem a ser menos altamente canalizados do que são os atributos envolvidos nas habilidades cognitivas mais simples ou mesmo habilidades motoras, tais como sentar ou permanecer de pé.

 

 Mito 4:  Herdabilidade é equivalente a imutabilidade.  Devido ao fato de que a estatística da herdabilidade é relevante apenas para as circunstâncias existentes, ela não é e não pode induzir a mutabilidade de um traço. Um traço pode ter zero, moderada ou mesmo uma total herdabilidade e, em qualquer dessas condições, pode não ser modificável ou ser parcialmente ou completamente modificável. A estatística da herdabilidade lida com correlações, enquanto a mutabilidade lida com os efeitos medianos. Correlações, todavia, são independentes dos níveis dos escores. Por exemplo, adicionando uma constante a um conjunto de escores não afeta a correlação daquele conjunto com um outro conjunto de escores. A importância da diferença entre herdabilidade e mutabilidade é difícil de exagerar, especialmente porque alguns pesquisadores têm sugerido que a herdabilidade moderada da inteligência implica em tentativas para modificar a inteligência que podem ser em vão. A herdabilidade da inteligência é geralmente estimada estar entre 0.4 e 0.8. Ela aumenta com a idade, presumivelmente devido ao fato de que os importantes efeitos diferenciais do ambiente inicial tornam-se menos importantes com o aumento da idade. Mas, quais as implicações que tal herdabilidade ou qualquer valor da herdabilidade tem para a mutabilidade?

Vamos primeiramente considerar a altura como um exemplo da limitação da estatística da herdabilidade para induzir a mutabilidade.  A altura é altamente hereditária com  o seu coeficiente sendo aproximadamente 0,90. Contudo, a altura é também altamente modificável pelo fato de que as alturas médias têm se elevado dramaticamente através de várias gerações passadas.  Vamos agora tomar um outro exemplo mais extremo. Vamos considerar, portanto, a fenilcetonúria. A fenilcetonúria é geneticamente determinada, uma condição recessiva que surge devido à mutação em um simples gene no cromossomo 12 (com uma herdabilidade de 1),  mas, entretanto, seus efeitos são altamente modificáveis. Alimentando um recém-nascido que tenha fenilcetonúria com uma dieta livre de fenilalanina previne o retardo mental que de qualquer outro maneira se manifestaria.  Note-se também que é um tipo de retardo mental que no passado foi incorretamente concebido como sendo puramente genético e não é. Mais do que isso, o retardo mental associado com a fenilcetonúria é o resultado da interação com um ambiente em que o recém-nascido ingere fenilalanina. Mantendo distante a fenilalanina se pode manter também distante o retardo mental.  Novamente devemos notar que a dotação genética não muda: o recém-nascido ainda tem o gene mutante que causa a fenilcetonúria. O que muda é a manifestação de seus sintomas associados no ambiente. Similarmente, com a inteligência ou com qualquer outro traço ou habilidade cognitiva, nós não podemos mudar (pelo menos baseados em nosso conhecimento atual) a estrutura genética subjacente às manifestações da inteligência, mas  podemos mudar aquelas manifestações ou as expressões dos genes no ambiente. O ambiente tem um poderoso efeito sobre muitos atributos, incluindo as habilidades cognitivas. Estes efeitos podem interagir com as estruturas genéticas, mas eles, não obstante, podem resultar em modificações salientes nas habilidades cognitivas ou em outros desempenhos.

Talvez a mais simples e a mais robusta demonstração deste fato é o fenômeno conhecido como “Efeito de Flynn”. O “Efeito de Flynn” é caracterizado por um aumento no QI através de sucessivas gerações ao redor do mundo durante os últimos 30 anos. O efeito é poderoso, mostrando um aumento no QI de aproximadamente 18 pontos ou mais por geração nos resultados de testes de inteligência fluída. Além disso, o efeito tem sido observado para todas as 14 nações para as quais dados completos foram obtidos e para outras nações nas quais dados parciais estavam disponíveis. Este efeito tem sido inexplicavelmente maior para testes de habilidades fluídas do que para testes de inteligência cristalizada, ou habilidades baseadas em conhecimento, as quais mostram um aumento menor do que a metade daquele observado com os primeiros testes. Talvez as mudanças culturais estejam afetando muito mais as habilidades fluídas do que as habilidades cristalizadas. Mas, se linearmente extrapolada a diferença poderia sugerir que um indivíduo no 90º percentil em 1892 teria um escore situado no 5º percentil em 1992, se tivesse vivido durante este período. O efeito é mais provável ser ambiental porque mudanças genéticas sucessivas desta magnitude não poderiam ter ocorrido e  exerceriam pouca influência num período tão curto.

Testes psicométricos de inteligência indicam que o ambiente pode estar exercendo um poderoso efeito sobre a inteligência e talvez em interação com os genes; inteligência pode ser, e está sendo, modificada. A mensagem mais importante que podemos extrair destes estudos é que o ambiente pode ter e tem tido um efeito robusto sobre as habilidades intelectuais, independente do que possa ser a herdabilidade da inteligência. Infelizmente, ainda não entendemos muito bem esses efeitos.

Há ainda outros intrigantes efeitos. Por exemplo, conhecemos que muito da variação do ambiente que afeta a inteligência (e personalidade) está mais dentro do que entre famílias. Em outras palavras, a extensão em que o ambiente afeta parece ser altamente devido às diferenças no modo com que as crianças são tratadas e reagem aos seus tratamentos dentro das famílias, mais do que às diferenças entre famílias. Mas, porquê efeitos dentro da família assim tão poderosos são também tão desconhecidos? Ao mesmo tempo,  conhecemos que um simples professor pode ter efeito muito diferentes em diferentes estudantes dentro de uma sala de aula devido à “adaptação” entre o estudante e o professor.  Assim, não nos surpreende que uma dada família pode afetar diferentes irmãos diferencialmente.

 O “Efeito de Flynn” é um efeito entre - gerações e assim aplica-se entre indivíduos. Mas também dentro dos indivíduos os efeitos do ambiente têm sido substanciais. Evidências em suporte aos efeitos ambientais originam-se de duas fontes de estudos: os experimentos naturais e os estudos de intervenção. Os estudos de adoção podem fornecer experimentos naturais. Dois destes estudos foram conduzidos em orfanatos. Um estudo foi conduzido no Irã e os resultados mostraram que crianças colocadas em orfanatos Iranianos tinham baixo QIs. Isto provavelmente porque elas foram criadas em instituições de diferentes qualidades; as meninas tinham um QI médio de 50 enquanto os meninos tinham um QI médio de 80. As crianças adotadas fora de um orfanato Iraniano na idade de 2 anos, tinham QI médio de 100 durante a  posterior infância; elas foram hábeis em sobrepujar os efeitos da privação inicial ou precoce. De outro lado, as crianças adotadas após a idade de 2 anos mostraram um funcionamento normal a partir deste ponto, mas nunca sobrepujaram os efeitos da privação precoce; elas permaneceram mentalmente retardadas.

Estes resultados sugerem que intervenções para encorajar o desenvolvimento cognitivo devem ser iniciadas o mais cedo possível.  Outro estudo foi conduzido na Romênia. Os dados mostraram um aumento no QI médio de 60 para 109 para crianças órfãs que emigraram para o Reino Unido antes dos 6 meses de idade. Estas crianças mostraram uma recuperação completa desde um estágio de retardo mental inicial. Aquelas que emigraram ao Reino Unido após os 6 meses mostraram, na média, déficits continuados. Estes resultados novamente favorecem as intervenções precoces. A segunda fonte de evidência em suporte aos efeitos ambientais originam-se dos estudos envolvendo intervenções. Inúmeros programas de intervenções mostram que tais intervenções podem ter pelo menos algum efeito sobre as habilidades cognitivas. Assim,  a principal mensagem que fica é que as intervenções ambientais podem ter um efeito bastante robusto nas diferentes habilidades cognitivas, a despeito do que possa ser a herdabilidade de tais habilidades cognitivas.

 

 Mito 5: Os efeitos dos genes podem ser completamente desembaraçados dos efeitos do ambiente.  Aqueles que procuram opor a herdabilidade ao ambiente e de algum modo tentam achar as porcentagens exatas da variância atribuível a cada um nos vários traços ou atributos estudados, estão perseguindo uma fantasia. Genes e ambiente usualmente funcionam um atrás do outro, não em oposição. Quando os coeficientes de herdabilidade são estimados neles estão incluídos efeitos devidos tanto a covariância quanto à interação dos genes com o ambiente. Vamos considerar primeiramente a covariância gene-ambiente. Frequentemente os efeitos dos genes e dos ambientes covariam (ou correlacionam), de modo que eles trabalham juntos para produzir os resultados. Há três maneiras em que as forças dos genes e dos ambientes se compartilham: (1) covariância gene-ambiente passiva: neste caso, as crianças recebem genótipos que são correlacionados com o seu ambiente familiar; (2) covariância gene-ambiente reativa (ou evocativa): neste caso, as pessoas reagem às crianças baseadas em suas predisposições genéticas e (3) covariância gene-ambiente ativa: neste caso, as crianças procuram ou criam ambientes condutores ao desenvolvimento de suas predisposições genéticas.  Nestes três casos é bastante difícil separar os efeitos dos genes dos efeitos do ambiente. Em todos os casos o ambiente é absolutamente crucial para o desenvolvimento das habilidades cognitivas das crianças.   O segundo mecanismo pelo qual genes e ambiente trabalham em parceria é através da interação gene-ambiente. Neste caso, o ambiente afeta a expressão dos genes, mas este efeito é diferente em diferentes pontos ao longo de contínuo de efeito genético.

Três tipos de estudos têm sido usados nas tentativas de separar os efeitos da herdabilidade daqueles do ambiente. O primeiro deles são os estudos de família ou estudos de parentesco.  Nestes estudos o alvo da investigação é o grau em que diferentes membros de uma família assemelham-se um com o outro em função do seu grau de relação. Nestes estudos tenta-se determinar a proporção de genes que diferentes membros da família compartilham e, em seguida, então determinar a parecença sobre uma variedade de atributos ou traços. Por exemplo, pai e filho compartilham metade de seus genes, irmãos também compartilham metade de seus genes, mas primos compartilham alguns poucos. Se os genes funcionam, então quanto mais o compartilhamento de genes tanto maior deverá ser a semelhança de atributos ou traços. O segundo deles são os estudos de adoção. Neste caso  se investiga a extensão em que as crianças adotadas possuem atributos ou traços que são similares tanto àqueles dos membros da família adotiva quanto àqueles da família biológica. Por exemplo, em tais estudos uma criança adotada pode crescer com uma mãe adotiva com a qual não compartilha nenhum gene; mas ela tem uma mãe biológica com a qual ela compartilha metade de seus genes, mas com a qual não convive e, portanto, sem influências ambientais. Uma maior parecença com a família biológica sugere uma maior influência da herdabilidade, enquanto uma maior similaridade com a família adotiva sugere uma maior influência do ambiente. Dados destes estudos têm mostrado que os efeitos dos genes sobre a inteligência mensurada geralmente aumenta com a idade, enquanto os efeitos do ambiente sobre a inteligência mensurada geralmente diminuem com a idade. Em outras palavras, contrário às expectativas de muitas pessoas, os efeitos ambientais tornam-se menos importantes com o aumento da idade, pelo menos com respeito às habilidades intelectuais como as mensuradas por testes convencionais. O terceiro tipo de estudos envolve a análise de gêmeos idênticos. Estes estudos são poderosos em analisar os efeitos da herdabilidade e do ambiente porque podemos especialmente investigar o desenvolvimento de diferentes habilidades cognitivas em gêmeos idênticos criados separadamente. De fato, ocasionalmente, por uma razão ou outra, gêmeos idênticos são separados no ou próximo ao nascimento e, por conseqüência, são criados em diferentes ambientes. Eles são colocados numa situação onde, por teoria, eles não compartilham ambientes, mas não obstante compartilham todos os seus genes. Dados destes estudos têm mostrado que os efeitos do ambiente diminuem enquanto os efeitos dos genes aumentam com o tempo. A principal mensagem que emerge destes estudos é que os resultados obtidos convergem com outras evidências mostrando que os genes têm mais de um efeito sobre os vários tipos de desenvolvimento.

 

 Mito 6: Efeitos dentro da população podem ser generalizados entre populações. Na nossa opinião um dos maiores erros que têm sido cometidos pelos investigadores da herdabilidade e ambiente (ou, mais freqüentemente, pelos intérpretes dos resultados destes estudos) é o fato de generalizarem os efeitos dos estudos dentro da população para entre populações. Por exemplo, alguns pesquisadores têm feito atribuições sobre efeitos de diferenças étnico-raciais baseados em delineamentos dentro da população. Os estudos não dizem nada sobre as fontes das diferenças entre populações. Diferentes populações-raciais, étnicas e religiosas podem encontrar, em média, ambientes bastante diferentes. Assim, qualquer que seja a herdabilidade da inteligência ou de qualquer outro atributo dentro de um dado ambiente, nenhuma conclusão pode ser avançada sobre a herdabilidade como uma fonte de diferenças entre ambientes.

O fato de que o QI tenha aumentado substancialmente no decorrer das gerações sugere que os ambientes diferiram amplamente no decorrer deste tempo. Eles provavelmente diferiram substancialmente para membros de diferentes grupos em um dado tempo. Todavia, há alguns estudos indicando que as estimativas da herdabilidade variam entre populações. Por exemplo, estimativas da herdabilidade do QI na Rússia em estudos envolvendo gêmeos conduzidos na era Soviética tenderam a ser maiores do que estimativas comparáveis nos Estados Unidos. Esta observação faz sentido haja vista que a variação ambiental no regime Soviético foi constrangida: conseqüentemente, as estimativas da herdabilidade foram mais altas. Na verdade, sem conhecer com profundidade as estimativas da herdabilidade do QI em diferentes populações não podemos especular, até o presente momento, sobre diferenças entre estas populações.

 

 Mito 7: Os efeitos dos genes são independentes do ambiente ou eles podem ser modificados ambientalmente ou apenas farmacologicamente. Uma das mais excitantes realizações da última década é a enorme plasticidade do desenvolvimento ontogenético humano. Temos aprendido que uma dada predisposição genética fornece ao indivíduo certas probabilidades de manifestar um comportamento ou um traço, mas esta probabilidade varia em função de uma complexa amplitude de fatores.  Alguns traços ou atributos, como a fenilcetonúria, são influenciados por apenas um gene. Outros, como alguns traços psicológicos, são influenciados por muitos genes. Aqui três comentários necessitam ser feitos. Primeiro, é a regra mais do que a exceção que os traços humanos são extremamente heterogêneos em sua etiologia e que a natureza tem desenvolvido um número de mecanismos que podem levar ou a prevenir a manifestação de um dado traço. Segundo, não há conexões diretas entre genes e comportamento. Quanto mais nós aprendemos sobre as ligações entre genes e comportamento mais apreciamos o papel do cérebro como um moderador destas ligações. O desenvolvimento do cérebro e sua organização são um produto de interações contínua entre programas geneticamente codificados para a formação e conexidade da estrutura do cérebro e modificadores ambientais destes códigos. Terceiro, mesmo se os genes são clonados e os mecanismos de sua produção de proteínas são determinados, há ainda muita variabilidade no sistema dado o modo  em que os próprios genes se expressam num organismo vivo.  Somente agora estamos começando a  entender como a expressão dos genes é regulada. Atualmente os cientistas aceitam que os genes determinam a probabilidade de ocorrência dos comportamentos, mas não os comportamentos per se. 

A principal implicação da análise destes mitos em psicologia e educação concernente ao debate gene-ambiente é que a herdabilidade de um atributo não tem qualquer implicação para o que fazemos em salas de aula. A herdabilidade não tem nada a fazer com a mutabilidade. Um dos maiores erros que nós professores podemos cometer, principalmente em salas de aula, é acreditar que nós não podemos fazer a diferença e acreditando nisso nós a tornamos uma profecia e nos acomodamos. Ora, nós fazemos a diferença e nossas intervenções educacionais podem melhorar a inteligência e o desempenho de nossos alunos, ainda tão carentes, especialmente nas escolas brasileiras.

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