O demônio é sempre o mesmo

O demônio é sempre o mesmo

   Modelos teóricos acerca do crescimento econômico enfatizam diferentes mecanismos através dos quais a educação pode afetar o desenvolvimento econômico. Teorias neoclássicas afirmam o papel da educação como um fator de produção que pode ser acumulado, aumentando o capital humano da força de trabalho e assim a produtividade laboral. Por sua vez, teorias endógenas atestam o papel da educação em aumentar a capacidade inovadora da economia. Finalmente, teorias de difusão tecnológica supõem que a educação pode facilitar a transmissão do conhecimento necessário para implementar novas tecnologias. O elemento comum nestas teorias é que todas elas predizem que educação tem um efeito positivo sobre o crescimento e que o impacto da educação demanda uma longa trajetória de crescimento.

     Estudos recentes, envolvendo comparações entre nações e considerando o impacto da educação, baseiam-se em dados internacionalmente comparáveis sobre a média dos anos de escolaridade, entendo-a como um espelho para o capital humano de uma economia.  Quase sem exceção, os estudos revelam uma associação significativa entre medidas quantitativas de escolaridade e crescimento econômico. Todavia, nas duas últimas décadas, trabalhos acumulados têm tentado revelar quais mecanismos alternativos subjazem esta associação e examinado problemas referentes à sua mensuração.

     Simplesmente, basear-se nos anos de escolaridade implicitamente assume-se que um ano de escolaridade reflete o mesmo aumento de conhecimento e de habilidades independente do sistema educacional. Por exemplo, um ano de escolaridade no Peru é assumido criar o mesmo aumento no capital humano produtivo, tal como um ano de escolaridade em Cingapura. Igualmente importante é que esta medida assume que escolaridade formal é a fonte primária de educação e que variações na qualidade dos fatores não-escolares têm efeitos negligenciáveis nos resultados educacionais.

    Para ilustrar tal cenário, vejamos o exemplo típico da América Latina. Em meados dos anos 60, acreditava-se que a América Latina estivesse à beira de um crescimento econômico significativo.  Isto porque, nos princípios daquela década, seu nível médio de aquisição escolar (4,7 anos de escolaridade) e nível econômico (GDP per capita = 4.152) estavam bem adiante das regiões da Ásia Oriental (GDP = 1.891 e escolaridade= 4 anos), e do Oriente Médio e Norte da África (GDP = 2.599 e escolaridade = 2,7). Mas, na década de 2000, o crescimento da Ásia Oriental (GDP = 12.571) moveu aquela região bem adiante da América Latina (GDP = 8.063) e, além disso, embora não tão rapidamente, as regiões do Oriente Médio e do Norte da África (GDP = 8.415) ultrapassaram-na, deixando a América Latina e a África Subsaariana (GDP = 3.792) na base, com baixíssimos níveis de crescimento econômico e, proporcionalmente, baixas rendas per capita.

     Estes resultados deixaram estudiosos intrigados.  Por que a América Latina tem nível de crescimento tão pobre quando comparada a Ásia Oriental e ao Oriente Médio e Norte da África, dado sua taxa de escolaridade elevada nos anos 60? Equivocadamente, os educadores latino-americanos tomaram o caminho errado enfatizando exageradamente o papel dos fatores institucionais e financeiros, e deliberadamente, ou não, omitiram o papel das habilidades cognitivas como um componente crucial a longo-prazo.

     Colocado de maneira mais simples, enquanto a América Latina tem tido, em média, uma razoável aquisição escolar, porém, o que os estudantes de fato conhecem é comparativamente muito mais pobre. Sua pontuação média nos testes de matemática e ciência foi 388,3, enquanto foram 479,8 para Ásia, 412,4 para as regiões do Oriente Médio e Norte da África, e, a África Subsaariana alcançou 360.  Comparativamente, a Europa obteve média de 491,5 e os países da OECD o escore médio de 500,3. Interessante é que o Brasil e Chile, ao longo das últimas avaliações internacionais e regionais, com as melhores pontuações nos escores de matemática e ciência tiveram também as maiores taxas crescimento entre os países latino-americanos. Não obstante, quando comparados com nações de outras regiões do planeta ambos situam-se no patamar inferior dos escores, superando apenas a África do Sul, Marrocos e Gana, e com escores próximos das Filipinas e da Tunísia. 

     Em outras palavras, considerando ou somente as nações latino-americanas ou as nações desenvolvidas e em desenvolvimento, há uma íntima correlação entre os escores médios em matemática e ciência, e suas respectivas taxas de crescimento econômico. A força motriz do desenvolvimento econômico parece ser as habilidades cognitivas das habilitantes de cada nação. Assim, o enigmático crescimento econômico das nações latino-americanas é reconciliado considerando o nível médio das habilidades cognitivas de cada uma delas.

    Neste caso, o demônio não deve ser exorcizado.

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