
O dia dos meus anos
Sempre entendi a vida como sendo uma grande bateria de testes. Isto significa que, ao longo da minha jornada, dia após dia, meses após meses e anos após anos desempenhei tarefas que a mim configuravam diferentes formas ou tipos de testes de inteligência. Algumas tarefas eram verbais, outras, espaciais, inúmeras lógico-matemáticas e tantas outras requerendo habilidades emocionais e sociais. Não obstante, o tipo dessas tarefas demonstrava que todas eram testes de vida. Hoje, nos limiar dos meus sessenta, encontro-me no mais difícil teste da minha jornada. Sessenta fazem-me ter que decidir se continuo ou se pauso.
Sempre digo, àqueles que pacientemente me ouvem, que, aos sessenta, não me imagino tendo um longo futuro, mas, sim, reflito, orgulhosamente, que tenho tido um nobre e honrado passado. Deveres profissionais e familiares foram cumpridos intensamente, com profissionalismo e integridade. Refletindo sobre esse passado, e se me fosse facultado viver, novamente, a minha vida, “na próxima cometeria mais erros”, amaria mais, curtiria mais esposa e filhos no tempo em que isso me fosse dado. Teria sido menos racional do que sou. Teria mais emoções positivas do que tive. Plantaria mais flores do que plantei. Leria mais livros do que li. Escreveria muito mais do que já escrevi. Veria mais vezes o brilho do sol e a magia da lua do que vi. Sorriria a cada minuto que contemplasse o desabrochar da vida. E assim, amaria mais a minha gente, toda a gente.
Emotivo, nada melhor que fazer minhas as palavras de Fernando Pessoa, “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, e a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer... Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, de ser inteligente para entre a família, e de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos... O que eu sou hoje... é estar eu sobrevivente a mim-mesmo... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, por uma viagem metafísica e carnal, com uma dualidade de eu para mim... Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...”.
Se tivesse outra vez minha vida pela frente, talvez fizesse tudo novamente. Mas, mais rápido, para dar tempo à vida desta acontecer. O dia dos meus anos, entretanto, valeu e continua valendo.