O melhor amigo de um Brasil chamado Salomão

O melhor amigo de um Brasil chamado Salomão

Ouvir que o Brasil é um país de dimensões continentais não é surpresa para nenhum de nós. Entretanto, conhecer um Brasil, da dimensão cultural de um Salomão, e compartilhá-lo com Ribeirão, é uma honra para poucos. Ao citar oito livros para oito fases da vida, Brasil Salomão traçou uma linha temporal para a maturidade intelectual de muitos leitores. Imaginação, percepção, consciência social, efemeridade da vida, transgressão, cultura brasileira, conhecimento mítico e testemunho ocular da história, enquanto bases temáticas sobre as quais se assenta a redação dos títulos por ele indicados, revelam degraus que a leitura nos vai permitindo subir, à medida que desenvolve, de maneira recíproca, nossa compreensão sobre si.

À “Reinações de Narizinho”, obra inauguradora do verdadeiro espaço da literatura infantil no Brasil, coube a fortuna de iniciar Salomão, então emergente do mundo de imagens comuns a todo pré-leitor, na racionalização da realidade. Pelas mãos de Lobato e da miniaturização que este fez do Brasil, ao criar o seu “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, Brasil Salomão descobria que recursos ficcionais, na mão de um exímio escritor, muito podiam ensinar de matemática, geografia, história e ciências. No degrau seguinte, Brasil encontrou Machado. E com seus “Contos” Machado lhe ensinou, tal qual Virgílio a Dante, os muitos espelhos, cantigas, braços, cegueira e medalhões de que são feitas as repúblicas. Reflexões apropriadas para Salomão compreender de que homem, terra e luta Euclides da Cunha lhe falaria em “Os Sertões”.

Mas o Brasil quis contar a Salomão “O tempo e o vento” que foram necessários para a formação de um Rio Grande logo ao Sul. E da compreensão da crise social, falta de solidariedade e cotidiano caótico, retratados por Veríssimo, seu olhar estava preparado para o Direito, enquanto profissão a ser exercida, sendo seu o primeiro réu que Kafka trouxe para ser defendido: o senhor Joseph K, que, em seu último ano de vida, é visitado em seu quarto de pensão por dois indivíduos que lhe comunicam que o mesmo está preso. E foi se ocupando em identificar de que transgressão era acusado seu cliente, em “O processo”, que Brasil descobriu de que angústia existencial, injustiça, culpa, condenação e instituições participa a Humanidade.

Naqueles tempos, Salomão já era um leitor crítico, dos mais perspicazes. E suas interpretações sobre o processo que formou a sociedade brasileira encontrou eco em ninguém menos que o historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda. “As raízes do Brasil” revelou-lhe Buarque de Holanda, nada mais são que um rearranjo e adaptação da cultura que se transferiu de Portugal para o Brasil. E, para animar Salomão, na empreitada de casos semelhantes nos quais este trabalharia em vida, Buarque de Holanda apresentou-lhe a Homero, que, da Grécia Antiga clamou “Canta, ó deusa, a cólera de Brasil, filho de Salomão, contra os injustiçados, e a sabedoria deste àquele empresta!”. E o fez para que Salomão, através do conhecimento mítico, melhor compreendesse a origem e a fatalidade das coisas.

Hoje, é através destes sete filtros de leitura que Salomão saúda Saulo e o seu “Código da Vida”. Porque sabe que Saulo exerceu depoimento importante para a História, registrando, no seu código, a história de uma advocacia afetiva que vai desaparecendo à medida que o Homem não se compromete mais com valores pessoais. Do rei bíblico Salomão cita-se como exemplar a sentença dada no caso de duas mulheres que reclamavam a posse de uma criança como filho. Ao ordenar que se dividisse ao meio a criança, com base na reação de cada uma das mulheres à ordem, Salomão concluiu qual era a verdadeira mãe. Similarmente, nós, acadêmicos que somos, sentimos termos nascido jovens, devido ao prazer que nos causa a leitura crítica. E deste prazer aprendemos que, reza a literatura, dois são os melhores amigos do homem, a saber, o cão e o livro. Certamente Salomão tem a ambos, mas reconhece que, na maturidade intelectual em que se encontra, é este último, o livro, o seu colega e amigo inseparável.

Desejamos, portanto, a este Brasil, que é Salomão, que seus discípulos encontrem nestas suas indicações lições de progresso social, psicológico, antropológico e biológico para melhor compreenderem a condição humana que virá. E que a dimensão cultural de suas leituras motivadas por seu mestre, ultrapasse as dimensões continentais destes dois Brasis que temos: o homem e a nação.

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