
O papel da desigualdade econômica na felicidade
Um dos mais intrigantes achados das Ciências Sociais, nos últimos cinqüenta anos, é que o crescimento econômico dentro de um país nem sempre se traduz num aumento de felicidade. Esse fenômeno é conhecido como Paradoxo de Easterlin, homenagem ao renomado economista que primeiro o nomeou. De fato, foi um choque para os norte-americanos quando o mesmo registrou que estes não se tornaram mais felizes entre 1946 e 1976, período, este, de rápido crescimento econômico, propício para tal. Portanto, esse fenômeno refere-se à contradição de que os países mais ricos são mais felizes, em média, embora a felicidade em um país não pareça aumentar quando a sua riqueza aumenta. Entretanto, a despeito de um vasto número de estudos sobre crescimento econômico e felicidade, conduzido ao longo dos últimos quarenta anos, a literatura está, ainda, dividida entre a existência e magnitude do Paradoxo de Easterlin.
De um lado, críticos notam que o paradoxo não foi observado em muitas nações, tais como, em França, Itália e Reino Unido, bem como, na Dinamarca, Holanda e Luxemburgo, isto é, quando a economia cresceu nessas nações, a felicidade de seus cidadãos aumentou, também. Por outro lado, alguns pesquisadores demonstraram o Paradoxo, pelo menos, em algumas nações, ou seja, a felicidade dos cidadãos não aumentou com a economia e, em algumas delas, até diminuiu. Para entender tais resultados, estudiosos têm sugerido que o paradoxo é encontrado nas nações mais ricas, mas não nas nações mais pobres. A idéia subjacente sendo a de que o crescimento econômico poderia estar associado às nações mais pobres, uma vez que as necessidades básicas fossem alcançadas. A partir desta, o crescimento econômico não produziria maiores ganhos na felicidade dos cidadãos.
Embora esta explicação seja intuitiva e apelativa, outros estudiosos acharam evidências contrárias. Em várias nações ricas, a média da satisfação com a vida não aumentou quando a economia cresceu. Estudo recente, publicado em Psychological Science, 2015, Vol 26 (10), 1630-1638, sugeriu que esta polêmica do porquê algumas nações têm ganhos na felicidade quando a economia cresce, enquanto outros nada tiveram, poderia ser, parcialmente, resolvida considerando-se o papel da desigaldade de renda como um moderador crítico. A que isto se deve? À obviedade de o crescimento econômico não ser tipicamente compartilhado entre segmentos sociais, o que resulta frequentemente no aumento da desigualdade de renda.
A conexão entre desigualdade de renda e baixa felicidade tem sido explicada pela supervalorização da injustiça ao longo dos períodos de maior desigualdade de uma nação e entre nações. A desigualdade econômica, usualmente, é definida por um indicador conhecido como GINI, cujos valores variam de zero a um, sendo o mais próximo de um o mais desigual. Para sustentar tal hipótese, pesquisadores realizaram duas grandes análises. Na primeira, selecionando 16 nações européias com escores de satisfação com a vida ao longo do período entre 1959-2006, correlacionando os resultados com o de seus respectivos logaritmos da renda per capita.
Os resultados mostraram, então, que, quando a renda per capita das nações e o coeficiente GINI estavam em seus níveis médios, o escore médio de satisfação com a vida foi 3.04 numa escala de 1 a 4. Como predito, pessoas foram menos satisfeitas com sua vida com desigualdade de renda mais elevada, quando se controlou a renda per capita. Em outras palavras, quanto maior a desigualdade de renda dentro de uma nação, tanto menor a felicidade.
Na segunda análise, foi usado o Latinobarômetro, que é um levantamento representativo da opinião pública, conduzido em 18 países latino-americanos, incluindo o nosso Brasil. Esse levantamento usou a mesma escala de satisfação com a vida, cujos escores variam numa escala de quatro pontos, aplicada em 2001 e depois de 2003 a 2009. Também, a renda per capita e o coeficiente GINI foram considerados os indicadores econômicos. Os dados revelaram que, entre as 18 nações latino-americanas, o escore médio de satisfação com a vida foi de 2,96, quando a renda média per capita e o coeficiente GINI estavam nos níveis médio para cada nação. A associação entre o coeficiente GINI e a satisfação com a vida foi similar àquela encontrada para a análise efetuada com os países europeus.
Esse conjunto de dados longitudinais, envolvendo 34 nações, examinou, portanto, um dos mais intrigantes achados das Ciências Sociais dos últimos cinqüenta anos, a saber: o porquê de o crescimento econômico, dentro de uma nação, nem sempre se traduzir num aumento da felicidade. Uma vez que se considera a desigualdade de renda, o Paradoxo de Easterlin não é tão surpreendente quanto parece. Quando o crescimento econômico é distribuído mais uniformemente na população de uma dada nação, o paradoxo raramente emerge. Contudo, quando o crescimento econômico é concentrado entre um pequeno segmento da população, é mais provável que o paradoxo emerja e o crescimento econômico não é associado com um aumento na satisfação com a vida.