O que todo educador deve saber (1)

O que todo educador deve saber (1)

 

          Atualmente, não há literatura científica que questione o valor preditivo dos testes de habilidade intelectual, conhecidos como QI, quando aplicados para grandes amostras. Se a um grupo de crianças do ciclo básico for aplicado um teste de QI que não requeira conhecimentos culturais e, tampouco, matemáticos, a correlação destes escores com aqueles obtidos em matemática e leitura, pelas mesmas crianças, já na idade de 17 anos, é bastante alta. Tal correlação seria igualmente alta mesmo se a classe fosse constituída por crianças ricas e/ou pobres, homens ou mulheres, do bairro A ou B, entre outros. E ela ainda seria alta, independente do quão árduo os professores tenham se esforçado e trabalhado. A verdade é única: os escores dos testes de leitura e matemática acompanham os escores de habilidade intelectual, não importa qual seja esta.

          Esta associação robusta entre habilidade intelectual, leitura e matemática, permite-nos destruir um dos pilares da educação brasileira, que afirma que: as escolas públicas são tão ruins que grandes ganhos no desempenho do estudante são possíveis mesmo considerando os limites da habilidade intelectual. A literatura científica sobre isto é clara e contundente, revelando que esta afirmação é falsa. Na verdade, diferenças entre as escolas não têm efeitos substanciais nos escores dos testes de matemática e leitura. Talvez seja interessante relatar aqui o grande trabalho, realizado pelo sociólogo norte-americano James Coleman, que envolveu 645.000 estudantes, objetivando avaliar os efeitos da desigualdade das oportunidades educacionais sobre o desempenho escolar, considerado um dos mais ambiciosos estudos na área de Ciências Sociais. Os dados por ele coletados levaram em conta não só a história escolar pessoal dos estudantes, como, também, os níveis socioeconômicos dos seus pais e vizinhos, sem se esquecer dos seus currículos, facilidades escolares e qualificações dos docentes que atuavam em suas escolas.

          Antes de tal estudo, a expectativa era a de que haveria uma grande correlação entre a qualidade das escolas e o desempenho acadêmico de seus estudantes. Mas os resultados chocaram a todos: o relatório publicado por Coleman, ao contrário, revelou que a qualidade das escolas quase nada explicava sobre o desempenho acadêmico. O ambiente familiar foi, de longe, o fator mais importante em determinar o desempenho estudantil. Embora criticado de norte a sul, leste a oeste, pelos educadores americanos, os dados de Coleman, reanalisados, em conjunto com novos dados coletados, desde então, parecem suportar, indiscutivelmente, que a qualidade das escolas públicas não fazem qualquer diferença no desempenho dos estudantes.  

          De acordo com avaliações recentes, uma análise considerando o desempenho de estudantes na Prova Brasil, que monitora o desempenho dos alunos em Português e Matemática, revela que praticamente não há diferença nas notas em sistemas de ciclos (em que a reprovação não ocorre todo ano) e seriados, ou seja, reprovar, ou não, não é a questão, mas, sim, verificar o real desempenho cognitivo inerente de cada aluno. Eventuais diferenças observadas deveram-se muito mais ao nível sócio-econômico elevado da família de alguns alunos e pelos mesmos estarem em escolas bem equipadas. Para mim, tais dados e revelações não me surpreendem, pois, entendo que as diferenças estão enraizadas nas habilidades cognitivas dos estudantes e não nas mágicas educacionais, muito freqüentemente popularizadas pelos nossos educadores.

          Importante esclarecer que não estamos falando de escolas terrivelmente ruins, quiçá miseráveis, desprovidas de todo tipo de recursos, mas, sim, nos referindo, como ruins, àquelas que mantêm um ambiente de aprendizagem razoavelmente ordenado, oferecendo diferentes disciplinas, ensinadas tomando por base textos padrões. E, a partir disso, afirmando, sim, que excelentes escolas com excelentes professores, certamente, aumentarão a aprendizagem dos estudantes e, também, oferecem melhores e as mais variadas experiências para as crianças. A despeito disso, é certo que, os efeitos de uma excelente escola sobre a média dos testes do corpo discente, como um todo, não serão dramáticos, ou seja, não serão elevados.

          A literatura científica suporta que: (1º) o desempenho em matemática e leitura tem fortes conexões com a habilidade intelectual refletida nos testes de QI; (2º) nós desconhecemos como mudar a habilidade intelectual após a criança alcançar a escola e (3º) a qualidade da escolarização, dentro de uma amplitude normal de escolas, não tem muito efeito sobre o desempenho acadêmico. Logo, a noção de tornar “todas” as crianças proficientes em matemática e leitura é insensata. Tal crença nem mesmo é possível dentro de uma escola experimental com recursos ilimitados, e menos ainda para as escolas públicas que operam no mundo real.

          As escolas nunca serão hábeis em ensinar todos, sem exceção, em como ler, escrever e fazer aritmética. Este mito de que ela é capaz de fazer isto se origina do fato de, nossas escolas, cem anos atrás, não terem tido que educar os menos hábeis. Já, com a universalização da educação, os problemas com estes últimos apareceram. Além disso, a correlação entre evasão escolar e habilidade intelectual, embora não perfeita, é muita alta. Mágicas semelhantes, utilizadas por nossos dirigentes e educadores, para resolver tais problemas da educação brasileira, devem ser imediatamente descartadas e/ou repudiadas.

 

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