
O que todo educador deve saber (2)
Uma segunda falsa verdade que permeia a educação brasileira constitui-se na descoberta, e uso periódico, de “mágicas” educacionais importadas, creditadas como capazes de elevar o nível do desempenho escolar brasileiro. Três delas foram muito veiculadas nos últimos anos. A mais antiga, conhecida como efeito pigmaleão, originalmente datada de 1968, era conhecida como pigmaleão na escola, na qual os autores registraram grandes ganhos de QI para as crianças cujos professores tinham dito que elas eram intelectualmente capazes e que poderiam, ainda que tardiamente, alcançar seu potencial máximo. Baseado nesta concepção, os ganhos em QI eram, puramente, uma função das expectativas dos professores. A implicação delineada desta concepção, tanto na mídia impressa quanto falada, ou a implicação fundamental, extraída pela mídia, foi que as diferenças intelectuais entre as crianças eram, na maioria, uma ilusão. E uma ilusão que podia ser desfeita se os professores tivessem altas expectativas para todos os seus estudantes.
Embora esta concepção tenha sido uma história com forte apelo emocional, ela não perdurou a um profundo exame. Pesquisadores que tentaram verificar este efeito pigmaleão constataram que o mesmo era inexistente ou muito pequeno. Mas, para mim, a julgar pelas justificativas de educadores sobre o baixo desempenho de nossos estudantes, este efeito parece ainda estar presente no cenário educacional nacional. Após o efeito pigmaleão ter sido desmistificado, cerca de um ano depois, os educadores introduziram uma outra mágica para justificar o baixo desempenho educacional. Esta nova mágica veio na esteira da psicologia da auto-estima que permeou o cenário educacional ao longo da década de 70. Na verdade, tal psicologia, como definida pelos pesquisadores, consistia num senso internalizado de auto-responsabilidade e auto-suficiência que, usualmente, mostrou-se positivo ao longo da vida das pessoas. Mas os românticos educacionais, ao contrário, entenderam auto-estima apenas como uma opinião favorável a si próprio, independente da justificativa objetiva para a mesma.
Os educadores, em sua maioria, entendiam que, os principais problemas que acometiam a sociedade tinham raízes na baixa estima de muitas das pessoas que viviam na mesma. E como a baixa estima era o problema, alta auto-estima era a solução. Logo, os educadores deveriam fomentar a auto-estima. E críticas e competições que baixassem a auto-estima deveriam ser evitadas o máximo possível, pois, elas prejudicariam a auto-estima dos perdedores. A propósito, tal cenário, generalizando-se para o contexto político atual, tem levado políticos a afirmarem, de alto e bom som, que as causas de muitos males da nação, são provocados pela baixa auto-estima dos brasileiros. Todavia, uma ampla revisão de mais de 15 mil estudos, envolvendo a relação entre a auto-estima e o desenvolvimento da criança concluiu que não há qualquer evidência empírica de que, melhorando a auto-estima, eleva-se o desempenho escolar, os escores nos testes ou, o que importa, não tem qualquer efeito positivo.
Como se não bastasse, os educadores adotaram outra mágica que justificasse o mau desempenho dos estudantes. Tal mágica veio a ser conhecida como ameaça do estereótipo, baseando-se no fato de que alguns pesquisadores, experimentalmente, demonstraram que o desempenho num teste, por crianças academicamente talentosas, foi pior quando o teste era chamado de teste de QI, do que quando ele era, inocuamente, descrito como um instrumento de pesquisa. Desde então, estas ameaças de estereótipos tem sido estendidas para as habilidades de matemática e leitura.
Tais dados, interpretados pela mídia como indicadores de diferenças ilusórias entre os grupos de crianças, deram a impressão de que poderiam apresentar resultados diferentes, desde que os analisados ignorassem que o que estava sendo medido era conhecimento adquirido e não habilidade nata. Ora, até onde eu conheço, as provas, exames ou testes dados nas escolas dos ensinos básico, fundamental e médio, assim como, nos vestibulares, são expressamente descritas como medidas do quê os estudantes têm aprendido, e não o quão brilhantes eles são. Ademais, mesmo um genuíno teste de inteligência, ainda que meça uma habilidade nata, nunca é apresentado desta maneira. Logo, tal mágica também foi descontextualizada do cenário educacional. Entretanto, apesar disto, esta ainda continua sendo a mágica utilizada pelos educadores para justificarem o baixo desempenho de nossos estudantes.