
O que todo educador deve saber (3)
Todo educador deve também considerar cuidadosamente aquele que, talvez, seja um dos mais perigosos falsos pilares, edificados pelo romantismo educacional, nas últimas três décadas, que é a Teoria das Inteligências Múltiplas, advogada por Howard Gardner. Gardner teve duas agendas. Uma foi rebaixar a palavra inteligência no pedestal desta, e estabelecer que outras habilidades, além da intelectual, podem ser, igualmente, classificadas como “inteligências”. A outra foi chamar a atenção para a realidade de muitas outras diferentes habilidades. As inteligências, como foram originalmente propostas, se agrupavam em sete: corporal-sinestésica, musical, espacial, interpessoal, intrapessoal, lógico-matemática e lingüística. A mensagem daquela agenda é tanto verdadeira quanto educacionalmente útil: boas escolas e bons professores devem manter todas estas habilidades em mente quando lidando com qualquer criança individualmente. Ela é também verdadeira por considerar que alta habilidade intrapessoal, que inclui qualidades como persistência e alta disciplina, pode ter grande impacto no desempenho acadêmico, e que baixa habilidade interpessoal, como uma timidez severa, pode impedir o bom desempenho escolar.
Porém, a existência de diferentes habilidades, e sua relevância para o desempenho numa ampla variedade de atividades escolares, não significa que elas desempenham papéis iguais em permitir que as crianças aprendam Português, Química, Física, História e Álgebra Avançada, por exemplo. Todas as habilidades, propostas por Gardner, sob certas circunstâncias, podem aumentar, ou impedir, a aprendizagem em cursos acadêmicos. Entretanto, duas delas, a saber, a lingüística e a lógico-matemática, são indispensáveis. Ambas são altamente correlacionadas entre si, e, em tal intensidade, que é raro ocorrer que crianças em estando abaixo da média em uma, estejam, também, acima da média na outra. Ao contrário, uma grande maioria de crianças, que está abaixo da média numa habilidade, também está abaixo da média na outra. Não obstante, a ampla aceitação da noção de que as crianças podem aprender qualquer conteúdo, de qualquer disciplina, desde que apropriadamente ensinada por meio de uma dada inteligência, obscureceu a visão dos educadores de enxergar a importância e significância da correlação entre essas duas habilidades. Na verdade, a existência genuína de diferentes tipos de habilidades tem sido traduzida em assertivas, e até promessas, de que diferentes crianças aprendem de diferentes maneiras, todas igualmente válidas, e que elas apenas aprenderão qualquer conteúdo desde que sejam ensinadas considerando as habilidades especiais que residem em cada uma. Certamente a culpa não é de Howard Gardner, mas a Teoria das Inteligências Múltiplas tornou-se uma justificativa para o romantismo educacional. Tal crença de que as pessoas possuem muitas diferentes habilidades tem sido convertida na suposição de que cada um é bom em alguma coisa e que os educadores podem usar tal coisa para suprir outros déficits. Empiricamente as habilidades acadêmicas variam juntas. Portanto, as escolas e os educadores que ignoram tais realidades estão fazendo um desserviço para todos os seus estudantes.
Esta mística visão, embasada na teoria das inteligências múltiplas, supõe, romanticamente, que o desempenho acadêmico de nossos estudantes possa ser melhorado desde que o mesmo seja ensinado fazendo jus a uma inteligência que lhe seja convenientemente apropriada. A premissa fundamental é que todos têm potenciais, e que as implicações das limitações intelectuais devem ser ignoradas. Os educadores que endossam estas inteligências múltiplas esquecem, entretanto, que, mesmo dentro de cada uma destas habilidades, há grandes variações. Por exemplo, a corporal-cinestésica varia desde alguém que mal consegue se sustentar sobre seus próprios pés a um Diego Hypólito, que realiza triplos saltos mortais. De modo similar, têm-se, também, a musical, que varia desde um tom surdo a uma sinfonia de Mozart. A espacial, que vai desde alguém que perde um molho de chaves, em sua própria casa, a Oscar Niemayer, que cria Brasília. A lingüística, variando desde pessoas incapazes de formar sentenças, a Saramago, que usa palavras poéticas para enaltecer a sua bela esposa. A lógico-matemática, que varia desde a incapacidade para entender causa e efeito, até Steve Hawking, que elaborou uma teoria complexa acerca da origem do universo. A interpessoal, que vai desde o autismo até Silvio Santos, capaz de nos vender centenas de carnês baús da felicidade, e ainda obter troco. E, finalmente, a intrapessoal, que vai desde um narcisismo indisciplinado, a D. Evaristo Arns, capaz de capturar a tristeza e a alegria de uma nação.
Os advogados do romantismo educacional têm dificuldade em entender que é impossível, para muitas pessoas, desempenhar otimamente bem, em qualquer uma das disciplinas acima mencionadas, não importa o quanto elas pratiquem. Eles devem entender a diferença entre graus, dentro de um tipo de inteligência, e as diferentes formas ou tipos de inteligência. Em resumo, as diferentes inteligências múltiplas não promovem os “resultados mágicos” aventados, e tampouco são igualmente valiosas ao longo da vida adulta.