
O Trânsito como ele é: Problemas e Pesquisa
Os números
Pelo fato de propiciar uma solução relativamente confortável e eficiente para os problemas de comunicação com os quais nos deparamos em nosso cotidiano, os telefones celulares têm tido uma ampla e inegável aceitação, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento.
Há indicadores revelando que a evolução na produção está crescendo em ritmo de progressão geométrica, isto é, multiplicando-se a cada ano. Em face deste esperado e vertiginoso crescimento no número de telefones móveis no mundo e, em especial, no Brasil, principalmente dos telefones acoplados aos veículos automotivos, chama a atenção o seu uso indiscriminado por parte dos motoristas enquanto dirigindo em vias de tráfego pesado, tal como ocorre com frequência nas principais rodovias paulistas, e na maioria das ruas e avenidas das cidades mais populosas do Estado de São Paulo.
O problema
Embora não haja dúvidas de que os telefones celulares sejam meios tecnológicos bastante úteis, eles podem distrair os motoristas que os utilizam. O comportamento de dirigir um veículo, qualquer que seja ele (leve ou pesado; de passeio ou de trabalho) é um comportamento que ocorre naturalmente em nosso ambiente cotidiano e é composto por múltiplas tarefas, além de ser intensamente praticado por centenas de horas no ano.
Muitos estudos, epidemiológicos e experimentais, têm analisado a habilidade do motorista para física e cognitivamente focalizar-se sobre a tarefa de dirigir, fazer uma ligação do celular e manter uma conversação no telefone. É importante notar que uma conversação num telefone celular é totalmente diferente de conversar com um passageiro. Os passageiros normalmente têm a oportunidade de perceber as situações nas rodovias ou vias e podem variar as demandas e o tempo de sua conversação em função das condições de tráfego, num contínuo “feedback”. De outro lado, enquanto conversando num telefone celular, a pessoa de fora do veículo não tem a oportunidade de perceber o que está acontecendo nas rodovias, principalmente naquelas muito movimentadas. Portanto, é provável que uma pessoa externa ao veículo, fazendo uma ligação, possa colocar o motorista em risco muito maior do que faz um passageiro, pelo fato de requerer sua atenção quando esta deveria estar centrada em atender às situações críticas inerentes ao fluxo do trânsito. Estudos experimentais envolvendo simulações de tráfego têm sugerido que o uso de celulares, enquanto dirigindo, afeta, substancialmente, tanto as habilidades perceptivas quanto as motoras.
Telefones celulares e trânsito
Devido à crença de que o uso de celulares, enquanto dirigindo, possa causar colisões ou acidentes de trânsito graves, vários países têm restringido seu uso em veículos automotivos principalmente os celulares do tipo manual. Por exemplo, Austrália, Espanha, Portugal, Itália, Chile, Suíça, Israel, Grã-Bretanha, Dinamarca, Polônia, Hong Kong e o Brasil, têm elaborado normas ou leis proibindo o uso de celulares no trânsito. Outros países simplesmente não têm adotado normas específicas para estes casos. Estes países entendem que as normas devem ser idênticas àquelas normas gerais encontradas na maioria dos códigos de trânsito que requerem a responsabilidade do motorista para dirigir com segurança, cuidados e atender exclusivamente às demandas das rodovias/estradas e ao fluxo dos usuários das mesmas, e estes devem ser hábeis em executar manobras com eficiência e segurança.
No Brasil, em particular, o uso do telefone celular manual está terminantemente proibido, enquanto que o uso de celulares do tipo a viva-voz e fone de ouvido (mas, em apenas um dos ouvidos) não está sujeito às infrações de trânsito (artigo 252. Inciso 6º, do Código de Trânsito Brasileiro, promulgado em 1998). Aqueles que elaboram este artigo de lei, e em seguida seu relaxamento e interpretação, entendem que ao usar o telefone celular manual, o motorista, enquanto conversando, perde a dirigibilidade, ou seja, a sua destreza manual ou capacidade motora é prejudicada. Por outro lado, ao usar o celular do tipo a viva-voz ou com fone de ouvido (um ouvido, certamente) o motorista fica com as mãos livres e, portanto, não perde sua dirigibilidade ou destreza manual. Isto não é verdadeiro, pois tal legislação (ou relaxamento da lei) não é baseada em dados experimentais, mas apenas no bom senso. “Leis, ora as leis, sou eu quem faço” O comportamento de dirigir não envolve apenas a habilidade motora, mas também uma habilidade cognitiva global. Trata-se de carga mental ou cognitiva e não de carga física ou carga manual. Do mesmo modo que não podemos carregar uma carga física bastante pesada devido às limitações do nosso aparelho locomotor e físico, também não podemos atender sem erros a um número muito grande de estímulos apresentados ao mesmo tempo. Há um limite na nossa carga mental.
Aparentemente, a dificuldade de entender o problema do compartilhamento de fontes de informações cognitivas envolvidas na tarefa de falar ao telefone celular enquanto dirigindo, reside na suposição de que estas duas tarefas são provenientes de modalidades sensoriais diferentes (verbal-auditiva versus visual-espacial) e, portanto, fazem uso de diferentes fontes cognitivas que teriam pouca ou nenhuma interferência uma na outra. Todavia, esta suposição não é corroborada pelos dados obtidos em experimentos ou simulações em situações de trânsito. Comparações entre tarefas envolvendo intra e intermodalidades sensoriais mostram níveis de interferência muito similares. Assim, é óbvio esperar alguma interferência da tarefa de falar ao telefone celular sobre a tarefa de dirigir um veículo, com esta interferência aumentando substancialmente em rodovias que demandam uma grande carga mental ou cognitiva (não carga física ou destreza manual). Dados epidemiológicos e dados experimentais sustentam estas afirmações.
Dados epidemiológicos
Diferentes análises epidemiológicas têm concluído que motoristas que regularmente utilizam um telefone celular dentro de seus veículos, mesmo com aparelhos do tipo a viva-voz ou com fone de ouvido, têm um risco aumentado de se envolver em colisões de trânsito, incluindo o envolvimento em colisões fatais, quando comparados com aqueles que não usam celulares. A relação entre a quantidade de tempo consumido mensalmente no celular e os diferentes fatores que distraem a atenção dos motoristas, foi cuidadosamente examinada através de análises de cruzamentos de casos e de técnicas de regressão logística. Nestas análises as hipóteses não implicam que os telefones celulares afetam diretamente estas colisões, mas foi suposto que o uso do telefone celular aumenta o risco dos motoristas se envolverem em colisões de trânsito e algumas fatais. Mais de 200.000 acidentes de trânsito foram analisados compreendendo o período de 1992 a 1995. Após os ajustamentos estatísticos feitos considerando outras variáveis que poderiam estar associadas às colisões, como idade, gênero, álcool, velocidade, distratores, e dirigindo à esquerda do centro da pista, as análises mostraram que o risco de se envolver em colisões fatais foi aproximadamente nove vezes maior com o uso do telefone celular do que com a ausência deste. Quando apenas a variável uso do telefone celular foi considerada, este risco ainda permaneceu alto, dobrou. Combinando-se os efeitos das variáveis, tempo de uso do telefone celular, dirigindo à esquerda do centro e distratores, aumentava-se o risco de uma colisão fatal numa taxa muito maior do que quando apenas a variável uso do celular foi estudada.
Outros dados desta natureza mostraram que, com um tempo de uso do celular de mais que 50 minutos por mês dentro de um veículo, foi associado um risco de envolvimento em acidentes de trânsito de aproximadamente 6 vezes maior. Outros comportamentos, tais como mudar de pista, ajustar-se na pista e alterar a velocidade foram usualmente associados com o uso do telefone celular no veículo. Outras análises epidemiológicas, que consideraram quase 27.000 ligações de telefones celulares efetuadas num período de 14 meses, mostraram que o risco de uma colisão, quando usando um celular, foi quatro vezes maior do que o risco quando um telefone celular não estava sendo utilizado. O risco relativo foi similar para motoristas que diferiam quanto a idade e tempo de experiência em dirigir. As chamadas feitas muito próximas do momento da colisão foram particularmente perigosas, risco relativo de 4,8 para chamadas feitas dentro dos 5 minutos da colisão quando comparadas com um risco de 1,3 para chamadas feitas mais que 15 minutos antes da colisão.
Em adição, os dados categoricamente mostraram que os aparelhos que permitem as mãos estarem livres durante as chamadas (a viva-voz ou com fone de ouvido) revelaram um risco de 5,9; valor que não foi significativamente diferente que aquele associado com aparelhos manuais, com um risco relativo de 3,9. Em outras palavras, os dados epidemiológicos não revelam qualquer vantagem em termos de segurança no trânsito com o uso de aparelho a viva-voz quando comparados com os aparelhos manuais. Este padrão de resultados foi independente da idade, do nível educacional, do nível sócio-econômico ou mesmo das características demográficas dos sujeitos usados na pesquisa. Eles também não podem ser explicados pela sugestão de que aqueles com as mãos livres dirigem mais tempo. A única explicação plausível é que com o uso de telefones celulares, as colisões de trânsito resultam das limitações do motorista em relação à sua carga mental, carga cognitiva de atenção, mais do que de sua destreza manual. Porém, 39% dos motoristas realizaram chamadas de emergências para pronto-socorros ou guinchos após a colisão, sugerindo que o telefone celular pode ser útil após uma colisão de trânsito, fatal ou não. Importante mencionar que este risco relativo é similar à probabilidade associada com dirigir após a ingestão de álcool dentro do limite legal.
Assim, estas análises epidemiológicas não sustentam, em hipótese alguma, a política seguida em alguns países de restringir o uso de telefones manuais, mas permitindo aqueles que deixam as mãos livres, como o a viva-voz ou o fone de ouvido. Portanto, o relaxamento da lei prevista no Código Brasileiro de Trânsito é uma atitude que não está, em hipótese alguma, sustentada pelos dados da literatura internacional que investigaram, sistematicamente, o efeito do uso de telefones celulares no trânsito. Urge que mudemos a lei ou a interpretemos corretamente, proibindo o uso de celulares de qualquer tipo enquanto dirigindo, antes que mais vidas sejam perdidas por tal negligência.
Dados experimentais
Do mesmo modo que os estudos baseados em análises epidemiológicas, alguns estudos experimentais têm sustentado que as tarefas de tomada de decisão e perceptuais são claramente prejudicadas quando o motorista tem de dividir sua atenção entre a rodovia e um telefone celular. Estudos em simuladores, envolvendo tarefas verbais com o uso do telefone celular viva-voz, têm mostrado que o tempo de reação do motorista para detectar imediatamente quando as luzes de freio (breque) de um carro à frente (carro madrinha) se acendem, foi substancialmente prejudicado durante a realização destas tarefas concomitantes, principalmente entre motoristas idosos. Também têm indicado que a detecção das luzes de freio de um carro à frente, mesmo durante o dia, é substancialmente prejudicada quando o motorista do carro imediatamente atrás está olhando na área do velocímetro e que as luzes de freio não contribuem para a detecção quando o motorista está olhando para um alvo no meio do console do carro. Todavia, tem sido mostrado que os telefones celulares a viva-voz causam menos interferência na habilidade de manipular o veículo (por exemplo, trocar de marchas, fazer torções) do que quando usam telefones celulares manuais, mas, mesmo assim, os telefones a viva-voz ainda prejudicam alguns aspectos do desempenho de dirigir.
Especificamente, quando os motoristas tentam manter uma distância constante em relação a um veículo à frente e estão atentos a uma conversação num telefone móvel, suas reações a estas mudanças foram, de algum modo, retardadas. Há também outros estudos sugerindo que a intensidade da conversação é importante, com conversações mais intensas afetando mais negativamente o desempenho de dirigir. Outro estudo experimental muito importante foi realizado para investigar a habilidade dos motoristas para detectar a desaceleração de um carro à frente enquanto fazendo ligações de telefones móveis.
Os resultados categoricamente mostraram que esta habilidade foi prejudicada em aproximadamente 0,5 s. em termos do tempo de reação para brecar e em quase 1 s. em termos do tempo percebido para a colisão, enquanto estavam fazendo uma tarefa não-visual durante o dirigir. Este prejuízo foi similar à condição em que os motoristas estavam dividindo sua atenção entre a rodovia à frente e digitando números num teclado. Importante mencionar que estes valores não incluem a latência de resposta motora de mover o pé do pedal do acelerador ao pedal dos breques de aproximadamente 0,2 s. e nem a latência de 0,2 s. antes dos breques responderem completamente.
Ao lado disso, os tempos de reação em condições não experimentais, tais como dirigir em rodovias altamente movimentadas, devem incluir necessariamente uma latência adicional por conta do estado de alerta. Estes estudos, em que os diferentes tipos de telefones celulares foram experimentalmente manipulados, mostraram que a opção de uso de celular com fone de ouvido ou com o a viva-voz não minimizam os problemas de segurança associados com o uso de telefones móveis dentro do carro.
Conclusões
Estes diferentes tipos de dados indicam certamente uma alta associação, mas não necessariamente uma relação causal entre o uso de telefones celulares enquanto dirigindo e uma subseqüente colisão envolvendo veículos automotivos. Um debate público torna-se necessário haja vista que os telefones celulares contribuem para o melhoramento na eficiência e produtividade, na qualidade de vida e na tranqüilidade de quase 20 milhões de pessoas no Brasil.
O papel das normas de trânsito é controvertido, mas o papel da responsabilidade do cidadão é claro: os motoristas que usam telefones móveis (não importa de qual tipo ele seja) aumentam o risco de se envolverem em colisões de trânsito e algumas vezes fatais. Recomendações de que os motoristas devem se abster de álcool, evitar velocidade excessiva e sempre que puderem não fazer uso de celulares enquanto estiverem dirigindo, devem ser rapidamente implementadas e devem fazer parte continuamente da educação no trânsito. Os motoristas devem ser alertados de que o uso de qualquer forma de telefone celular aumenta o risco de acidentes fatais e que aparentemente o uso do telefone celular, como um simples comportamento, pode elevar o risco de acidentes num nível muito maior do que outras atividades dentro do carro enquanto dirigindo. Em outras palavras, o uso de telefones móveis nos carros representa um aumento inaceitável no risco de envolvimento em acidentes de trânsito. A propósito, reconhecendo este a gravidade deste problema uma companhia americana de telefonia móvel, a “Ameritech”, saiu na frente numa intensa campanha de publicidade em que faz uso do slogan : “Mantenha a Atenção na Direção” com o objetivo de educar os motoristas para os perigos de distratores enquanto dirigindo.
Sistema inteligente
Num futuro próximo provavelmente será criado um sistema inteligente de suporte ao motorista que permitirá o uso seguro de tecnologias dentro dos veículos. Um sistema inteligente poderá postergar, automaticamente, a conexão de chamadas telefônicas a um telefone celular quando este motorista estiver carregado cognitiva/mentalmente no tráfego. Além disso, os sistemas inteligentes fornecerão acessórios que permitirão aos que fazem ligações ao celular de uma pessoa, dentro de um carro, conhecerem que eles estão telefonando a um motorista e, portanto, saberão que devem chamar posteriormente num momento mais apropriado e, também, permitirão ao motorista mais tempo para responder a uma chamada sem ser distraído por chamadas contínuas e irregulares.
Com o avanço destas tecnologias talvez devêssemos conceber normas internacionais que regulamentassem os limites de desempenho dos motoristas causados por estes acessórios de comunicação e em concordância com as normas de segurança e de proteção à vida. Talvez, o futuro, as companhias de celulares devam trazer inscrita a advertência em seus aparelhos móveis: “Mantenha Atenção nas Rodovias”, tal como os fabricantes de cigarros têm colocado mensagens alertando que fumar pode ser prejudicial à saúde. Provavelmente, esta será uma grande jogada de marketing.
Celulares: Legislação e Educação
O número de assinantes de celulares no Brasil já excede 250 milhões. Segundo estimativas, 10% da população usa celular enquanto dirigindo e, entrevistas com estes usuários, indicam que, em média, eles despendem 4,5 min/chamada, feita ou recebida. Celulares constituem importante fator para distração de motoristas. Literatura científica revela que a distração do motorista causa, aproximadamente, 80% dos acidentes automotivos e 65% dos quase-acidentes. O uso de celulares, enquanto dirigindo demanda, nada menos, que três tarefas fundamentais aos motoristas: (1ª) localizar/olhar o telefone, desviando os olhos do trânsito; (2ª) alcançar o telefone para receber/fazer chamadas, prejudicando o controle do veículo e (3ª) conversar ao mesmo, distraindo a atenção da direção. O que torna o uso celular, no trânsito, ser atividade “perigosa”, forçando o condutor a desviar olhos e atenção da rodovia, aumentando o risco de acidentes.
Em face desse cenário, vários países têm aprovado leis visando restringir, ou banir, o uso do celular manual, buscando, com isso, melhorar a segurança no trânsito e reduzir o número de acidentes fatais. Não obstante, a introdução de tais leis tem sido questionada. De um lado, os favoráveis entendem que banir, ou restringir, celulares, ao dirigir, pode reduzir a distração do motorista, melhorando seu desempenho. Enquanto, de outro, os oponentes acreditam que é prematuro decretar tais restrições. Logo, uma importante questão que surge é: seriam as leis restritivas de uso celular no trânsito efetivas, e eficazes, para tornar as rodovias mais seguras? No Brasil, até onde conheço, não há qualquer estudo que tenha investigado, sistematicamente, tal questão. Já nos EUA, há alguns poucos, e, dentre estes, um estudo típico, voltado para responder esta questão, realizado no Estado de Nova York, envolvendo seus 62 municípios.
Neste estudo, duas variáveis foram analisadas: o número de acidentes automotivos fatais/100.000 motoristas/ano, e o número de acidentes com danos pessoais/1.000 motoristas/ por ano. Ambas as taxas de acidentes, antes e após tal lei, foram comparadas. Os principais resultados indicaram que, após banir o uso dos telefones celulares, enquanto dirigindo, 46 municípios experenciaram menores taxas de acidentes automotivos fatais, assim como, todos os 62 municípios experenciaram menores taxas de danos pessoais provocados por acidentes automobilísticos. Também foi observado que, em geral, a taxa de danos pessoais diminui em municípios com alta densidade de motoristas regularmente licenciados, assim como, a taxa de acidentes pessoais provou ser medida mais apropriada que a taxa de acidentes fatais para responder a tal questão.
A união legislação e educação é um duo fundamental para a segurança viária.
O tsunami dos celulares no trânsito
O fato de haver no Brasil, hoje, mais celulares que habitantes sugere que estes estão se tornando ubíquo em nossas vidas. Similar a outros países, atualmente, quase todos os jovens e a maioria dos adultos possuem telefones móveis. Não é surpreendente, então, que haja um aumento contínuo no número de indivíduos que conversam aos celulares enquanto dirigem. Além de fazer e receber chamadas, recentemente os celulares também têm sido, progressivamente, usados pelos motoristas para enviarem e receberem mensagens de textos. 8% dos motoristas, num dado momento do dia, usam telefones celulares no trânsito, 14% deles e 49% entre 18 e 24 anos, registram “torpedear” enquanto dirigem.
Embora façamos uso de nossas mãos e pés para dirigir, ações são controladas pela nossa mente. Usar nossa mente para manter uma conversação ou desempenhar qualquer outra atividade que demanda atenção, faz com que esta esteja menos acessível para o processamento de sinais e comportamentos necessários para minimizarem acidentes enquanto dirigindo.
Inúmeros estudos epidemiológicos, psicológicos, comportamentais e fisiológicos, invariavelmente, demonstram que o uso do celular no trânsito afeta uma ampla variedade de comportamentos atentivos necessários para dirigir seguramente. Um deles, muito ilustrativo, comparou desempenhos de motoristas dirigindo enquanto usando celulares, com os daqueles que estavam intoxicados por etanol (concentração de álcool no sangue em 0,08% peso/volume). Os resultados revelaram que quando os motoristas estavam conversando ao celular, manual ou em viva-voz, suas reações de frenagem foram retardadas e, além disso, se envolveram mais em acidentes de trânsito que quando não falando ao celular. Contrastando, motoristas intoxicados por etanol exibiram um estilo mais agressivo de dirigir, seguindo mais proximamente o veículo à frente e brecando com mais força.
No que tange à segurança viária, os dados sugeriram que incapacidades associadas aos motoristas falando ao celular podem ser tão profundas como aquelas comumente observadas em motoristas bêbados. Não obstante, déficits relacionados à atenção são relativamente transitórios, ocorrendo enquanto o motorista está fazendo uso do celular e dissipando-se rapidamente quando o foco de atenção retorna ao comportamento de dirigir. Ao contrário, efeitos do álcool persistem por tempo prolongado, são sistêmicos e conduzem a uma incapacitação crônica. Estes dados podem orientar políticas públicas visando regular a distração causada pela conversação mantida no celular.
Para um exemplo dramático do uso de telefones celulares no trânsito, acesse este site: https://www.youtube.com/watch?v=R0LCmStIw9E. O cenário que você verá é horrível: dirigir – conversando ou torpedeando – aumenta a probabilidade de acidentes e lesões. E alguns destes acidentes matam pessoas.
Perigos reais dos celulares
Imagine-se dirigindo na Anchieta-Imigrantes. Agora imagine que você, ainda nelas, esteja dirigindo sob uma destas quatro condições: (1ª) sozinho e sem conversação, (2ª) conversando com o passageiro ao seu lado, (3ª) sozinho, conversando com alguém no celular manual e (4ª) sozinho, conversando, no celular manual, com alguém que têm a mesma visão de trânsito que você. O que você espera que ocorra? Os principais resultados claramente indicaram que dirigir, enquanto conversando no celular, é, apreciavelmente, diferente de dirigir, enquanto conversando, com um passageiro no carro, bem como, dirigir sem qualquer conversação. Motoristas, ao celular, frequentemente fracassam em reduzir a velocidade quando se aproximam de diferentes situações perigosas, simuladas nas rodovias, resultando, com isso, em maiores taxas de colisão.
Por adição, muitos destes motoristas também fracassaram em ultrapassar outros veículos, não conseguindo aumentar a velocidade para tal a tempo e a contento. Já os que estavam sozinhos, e em silêncio, foram os que melhor, e mais seguramente, desempenharam. Aumentando e diminuindo a velocidade com segurança, desaceleravam rapidamente em situação periculosa, mantendo velocidade apropriada durante ultrapassagem, raramente envolvendo-se em colisões, e, o mais importante, relembravam, facilmente, dos perigos encontrados após assumirem a direção. De modo similar, motoristas, conversando com passageiros dentro do carro, foram mais capazes de antecipar perigos e reduzir velocidades, desempenhando tão bem quanto aqueles que dirigiam sozinhos. Por sua vez, motoristas conversando no celular com alguém remoto, que tinha a mesma visão de trânsito, desempenharam similarmente àqueles que faziam uso do telefone celular para conversar com pessoas que não viam cenários do trânsito. E, se reagiam aos perigos, usualmente eram mais lentos, pouco os percebendo em comparação aos motoristas dirigindo sozinhos, ou com passageiro no carro.
Outro dado interessante refere-se às diferenças obtidas nas medidas da natureza das conversações. Interrupções nesta, medidas pelas pausas ocorridas entre motorista e interlocutor, ocorreram em maior grau na situação com passageiro quando comparada com as situações “no telefone celular sem ver o trânsito” e “conversando com o remoto, que via o trânsito”. Interessante notar que o desempenho de dirigir, em motoristas que se encontravam nesta última situação, não foi melhor do que na condição em que motoristas faziam uso do celular para conversar com interlocutores que não viam o mesmo cenário de trânsito.
Dirigir, falando ao celular, é muito diferente de dirigir enquanto conversando com um passageiro: nesta, a hora é amena, porém, naquela, pode ser derradeira. Conversar ao celular, enquanto dirigindo, é extremamente fatal para a vida.
Escolares e seus celulares
A influência dos celulares no caminhar seguro de pedestres escolares tornou-se preocupante devido ao fato de tais aparelhos, antes apenas privilégio de alguns, ter se tornado um bem de consumo de fácil aquisição por aqueles, num ano em que, aproximadamente, 55% de jovens, entre 8 e 12 anos, encontrarem-se vulneráveis a todos os “problemas” que eles causam, bem como, podem vir a causar. A principal razão para se preocupar com o uso de celulares por escolares é a exposição a acidentes que eles, a estes, submetem, quando utilizados ao atravessar ruas, atividade cognitiva já altamente complexa, concorrendo com a atenção perceptual e motora do escolar, e dificultando-a. Estudiosos do assunto defendem a ideia de que estes escolares não têm ainda desenvolvidas as habilidades perceptuais e cognitivas necessárias para, simultaneamente, perceber e processar distância, velocidade e padrões de aceleração de, pelo menos, dois veículos, assim como, a largura de um lado ao outro da rua e a velocidade de que necessitariam para cobrir tal largura.
Partindo destas suposições, pesquisadores hipotetizaram que os pré-escolares comportar-se-iam de maneira mais arriscada quando cruzando ruas, envolvidos em conversação telefônica, do que quando atentivos, sem uso celular. Para investigar, experimentalmente, tal hipótese, quatro indicadores de cruzar uma rua em segurança foram analisados: (1º) tempo inicial do cruzar a largura da rua, (2º) tempo requerido para cruzar toda a largura da rua em total segurança, (3º) esbarramento e advertência sonora e (4°) atenção ao tráfego, com olhadelas à direita e à esquerda antes de cruzar a largura da rua.
Os resultados sugerem que celulares distraem escolares enquanto cruzando ruas, pois, em todos os quatro indicadores, estes tenderam se comportar de maneira mais arriscada enquanto falando ao telefone, do que quando não falando. Há, também, indicação de que escolares mais jovens tenham, de algum modo, taxas mais altas de distração do que as crianças mais velhas. Ademais, é importante reconhecer que o comportamento de um pedestre é multifacetado, ou seja, um caminhar seguro envolve um conjunto de tarefas motoras, perceptuais e cognitivas, as quais foram, substancialmente, alteradas pela distração provocada pelo celular, com a aprendizagem e experiência no uso do celular não diminuindo tais riscos. Tal padrão de resultados sugere que, assim como ocorre com os motoristas em geral, que devem limitar o uso do celular, enquanto dirigindo, os pedestres, especialmente os escolares, devem limitar o uso do telefone celular enquanto cruzando ruas.
Focalizando excessivamente adolescentes como potenciais consumidores de suas tecnologias, as companhias de marketing deveriam ser orientadas a incluir, em seus manuais, modos do “uso seguro” do celular.
Perigo no trânsito: celular ou música?
Estudos variados revelam que é a distração de condutores um dos elementos que mais contribui para a ocorrência de acidentes no trânsito, estimada responsável por quase metade das colisões ocorridas, usualmente, quando um evento causa variação de atenção na tarefa primária de dirigir. Engajando-se em variadas atividades secundárias enquanto estão dirigindo, que variam desde comer à interação com passageiros, muitas das quais são potencialmente distrativas, o dramático aumento no uso dos telefones celulares, e outras tecnologias acopladas aos veículos, como, por exemplo, sistemas de entretenimento e de navegação, têm elevado, nos últimos anos, a preocupação com a distração dos motoristas, bem como, de seus efeitos sobre reconhecimento do perigo e controle do veículo.
Quatro tipos de distração concorrem para isso: visual, auditiva, biomecânica e cognitiva. Distração auditiva ocorre quando um condutor, momentânea ou continuamente, focaliza sua atenção em sons, ou sinais auditivos, em lugar do ambiente nas rodovias. Quanto mais demandante uma tarefa auditiva, maior o efeito no desempenho do motorista. Nesta mesma esteira conceptiva, ouvir música, assim como, manter uma conversação celular, têm sido também fontes potenciais de distração do motorista, aumentando a demanda para a atenção condutora. Evidências, indicando que o uso do celular torna os padrões de direção inseguros, também associam a elevação no risco de acidentes e lesões às perigosas distrações da atenção. Como fatores que provocam a desatenção nunca ocorrem isoladamente, tarefas secundárias ao dirigir, como as já citadas, ao coincidirem com o ato de dirigir, geram perigo extremo no trânsito.
Recente estudo explorou os efeitos da distração provocados tanto por uma conversação mantida no celular, quanto por ouvir música enquanto dirigindo, sobre o tempo de resposta e o tempo de reação numa tarefa de frenagem simulada. O motorista, numa sala de simulação, deveria tirar o pé do acelerador ou apertar o pedal do freio, o mais rapidamente possível, após a ativação de uma luz de freio. A tarefa de frenagem foi realizada em seis condições experimentais diferentes envolvendo combinações entre conversar no celular e/ou ouvir música com volume variado. Dados indicaram que a conversação tornou mais lento o tempo de resposta, enquanto a música não teve qualquer efeito. Do mesmo modo, o tempo de reação foi reduzido pela conversação no telefone.
Embora o tempo de resposta tenha sido, significativamente, diferente para homens e mulheres, não houve interações entre sexo e condições envolvendo música e celular. Logo, conversar num celular, enquanto dirigindo, coloca uma demanda significativa sobre condutores, distraindo a concentração na operação segura do veículo e em eventuais perigos que possam surgir no ambiente de trânsito.
Torpedos no trânsito
Distração tem sérios efeitos negativos sobre inúmeras dimensões relacionadas ao desempenho, incluindo atenção visual no trânsito, controle motor e processamento cognitivo complexo. Por isso, equipamentos designados, ou adaptados, para uso enquanto dirigindo, tais como, e-mail, tocadores e sistemas de navegação, podem afetar a segurança no trânsito, tanto quanto falar ao celular enquanto dirigindo. De particular interesse tem sido a elevada frequência do comportamento de enviar / receber mensagens de textos, os conhecidos “torpedos”, por parte dos motoristas iniciantes enquanto dirigindo. Estima-se que quase 60% dos jovens fazem tal uso, sendo a proporção dos motoristas mais jovens (30%) maior que aquela dos motoristas mais experientes.
O uso dos torpedos enquanto dirigindo envolve competição entre fontes visuais, motoras e cognitivas, sendo esta muito maior do que quando dirigindo conversando ao celular. Isto ocorre por causa das contínuas demandas visuais, e motoras, envolvidas no comportamento de enviar / receber textos que parecem estar em maior conflito com a tarefa de dirigir. Por isso, torpedos, enquanto dirigindo, podem desviar mais a atenção do que conversar ao celular no volante. Inúmeros experimentos investigaram os efeitos do uso do celular para receber / enviar torpedos, no desempenho de motoristas iniciantes, enquanto dirigindo. Os resultados revelaram que a quantidade de tempo que estes gastam em não olhar, diretamente, na rodovia, nestas circunstâncias, foi 400% maior que aquela registrada por um grupo-controle que não fez uso dos torpedos.
A variabilidade dos motoristas em manterem-se na pista de direção aumentou em até 50% e as invasões na outra pista aumentaram em 140%. Também houve um aumento de até 150% na variabilidade dos jovens motoristas em manter distância dos veículos à frente. Em geral, os dados indicam que o risco de colisões, enquanto discando um aparelho manual, tal como, enviando/recebendo torpedos e dirigir, concomitantemente, é mais do que o dobro do que conversando num telefone celular no volante. Em outras palavras, o uso dos torpedos no volante afeta o processamento visual dos motoristas, bem como, suas habilidades para manter a distância de frenagem, controlar o veículo na pista principal e atender, com rapidez, aos sinais verticais e horizontais de trânsito.
Portanto, medidas mais eficientes de segurança, no trânsito, são necessárias para prevenir, e mitigar, os efeitos adversos sobre o desempenho do motorista ao usar telefones celulares para receber/enviar mensagens de texto. Em particular, considerando a alta frequência de torpedos entre motoristas iniciantes, recomenda-se que medidas apropriadas sejam desenvolvidas, e implementadas, especialmente, para educar esta categoria de motoristas.
Funções visuais no trânsito
Dirigir é, essencialmente, uma tarefa visual. Porém, a principal questão que emerge é: quais são os requisitos visuais para obter ou manter uma carteira de habilitação? Neste contexto, há duas variáveis que podem ser analisadas: segurança e desempenho do motorista. Segurança é definida pelos eventos adversos ao dirigir, tipicamente o envolvimento em colisões. O desempenho refere-se ao comportamento do motorista dirigindo, podendo ser mensurado através das medidas físicas das ações de dirigir, tais como, velocidade, frenagem, latência, posição na pista, monitoramento visual e, também, por avaliações, em escalas padronizadas, dadas por avaliadores treinados viajando ao lado do motorista.
Uma revisão, publicada na Vision Research (2010), analisou o papel de diferentes funções visuais na segurança e desempenho do motorista. Conclusões principais foram: (1) acuidade visual é, fracamente, associada à segurança e, portanto, é um pobre teste de triagem para identificar motoristas que podem se envolver em colisões futuras. Não obstante, acuidade visual é relacionada a vários aspectos do desempenho de dirigir, principalmente, o reconhecimento de sinais trânsito. (2) escores elevados no comportamento de dirigir foram correlacionados com melhor sensibilidade ao contraste. Sensibilidade ao contraste melhor prediz o reconhecimento de sinais, obstáculos e pedestres, enquanto dirigindo à noite, do que a acuidade visual. (3) rapidez de processamento visual e atenção dividida foram associadas a problemas no desempenho de dirigir. Motoristas idosos, com déficits na atenção dividida, foram menos prováveis de detectar, reconhecer sinais e pedestres, e necessitaram de mais tempo para completarem um circuito interno experimental. (4) muitos dos estudos que examinaram a relação entre deficiências no campo visual e envolvimento em colisões automotivas, revelaram resultados nulos. (5) em motoristas com perdas intensas no campo visual binocular, os movimentos oculares podem servir como estratégia compensatória para que mais áreas no mundo visual possam ser vistas. (6) motoristas monoculares possuem certas limitações em algumas funções visuais comparados com os binoculares, mas, as diferenças no desempenho, na maioria das funções cotidianas de dirigir, não foram aparentes, tais como, busca visual, alinhamento na pista, detecção de perigos, julgamentos de distância/altura e reconhecimento de informação. (7) percepção de cores, de movimento, estereoacuidade e ofuscamento, são funções visuais importantes para reconhecimento de sinais coloridos, atender painel interno e na detecção de perigos.
Os dados recomendam a necessidade de delinear e desenvolver testes de triagem que possam ser mais prontamente transladados para as políticas de habilitação de motorista.
A música na direção
Imagine-se dirigindo numa rodovia tranquila e silenciosa, ouvindo e cantarolando uma de suas músicas favoritas. Repentinamente, você percebe que está se aproximando de uma intersecção e que o tráfego fica pesado. Há semáforos, pedestres e outros veículos que necessitam ser monitorados ao mesmo tempo para evitar acidentes. Você para de cantarolar, mas a música continua tocando. Inúmeras vezes você se depara com condições similares enquanto dirigindo, mas o que você pode fazer? Você precisa se esforçar mais e ser mais atentivo devido à música? Você desliga o som?
Dirigir é executado, usualmente, com várias outras tarefas secundárias, às vezes, na presença de estímulos estressantes e desviantes da atenção, tais como, conversar com passageiros, sintonizar o rádio, atender estímulos não-relevantes como propagandas, ou conversar ao telefone celular. Todos estes estímulos, ou ações, podem afetar as demandas da tarefa e o desempenho de dirigir.
Um interessante estudo examinou a influência da música no comportamento de dirigir, e se o esforço mental mediava este efeito. Participantes dirigiram num simulador, ouvindo ou não música. O comportamento de dirigir foi manipulado em ambientes simulando diferentes condições de tráfego, de maneira que o contexto de dirigir ocorria em situações complexas e monótonas. As simulações incluíam incidentes críticos que normalmente ocorrem ao dirigir em áreas residenciais, como, por exemplo, vários carros cruzando, semáforos abrindo e fechando, motoristas violando regras de trânsito, não dando a preferência, virando à direita, ou à esquerda, sem darem sinais de seta. Ao mesmo tempo, os experimentadores monitoraram a carga mental dos motoristas fazendo com que os mesmos registrassem, verbalmente, seu esforço mental em certos momentos enquanto dirigiam.
Os resultados indicaram que ouvir música aumentou o esforço mental enquanto dirigindo, independente da situação de dirigir ser complexa ou monótona, suportando a suposição geral de que a música pode ser um estímulo auditivo distraindo os condutores. Contudo, os motoristas pareceram ser hábeis em manter um nível de desempenho satisfatório com a presença da música, pois, motoristas que ouviram música desempenharam tão bem quanto aqueles que não ouviram, indicando que a música não prejudica o desempenho de dirigir. O aumento no esforço mental enquanto ouvindo música revela que os motoristas tentam regular seu esforço mental como uma estratégia cognitiva compensatória para lidar com as diferentes demandas da tarefa. Ademais, constatou-se que o esforço mental pode mediar o efeito da música no desempenho de dirigir em situações que requerem atenção sustentada. Os pesquisadores, também, aventaram a hipótese de que algumas características da música como ouvir música em alto volume, podem deteriorar o desempenho dos motoristas.
Dirigindo enquanto conversando
Ampla variedade de estudos tem revelado que o uso dos telefones celulares tem consequências adversas sobre a probabilidade de um motorista envolver-se numa colisão de trânsito. Pesquisas epidemiológicas revelam que o uso de 1h por mês do mesmo, enquanto se dirige, aumenta o fator de risco de uma colisão de 400 a 900%. Estudos de casos-cruzados encontraram que tal risco é comparável ao nível de 0,08 de concentração de álcool no sangue, limite, este, máximo permitido em muitos países.
Outros dados muito consistentes, obtidos em estudos de campo e em laboratórios, revelam que o uso dos telefones celulares pelos motoristas aumenta o tempo de reação para frenagem, assim como, as respostas aos sinais de trânsito e às luzes traseiras para paradas. Análises, de fato, comparativas, envolvendo resultados de centenas de pesquisas que manipularam o tempo de reação registraram um aumento médio de 0,25s no tempo de reação dos motoristas, tempo, este, fatal, no comportamento que envolve reações extremamente rápidas. Outras mudanças adversas no comportamento do motorista também têm sido registradas, tais como, julgamentos errôneos de distância, violações nos sinais de tráfego, fracasso em manter-se na pista correta e manter distância apropriada de outros veículos, aumento na velocidade para fazer curvas, prejuízo na detecção de sinais de trânsito e checagem do movimento do trânsito através dos retrovisores, dificuldade de controlar o veículo e manipular corretamente a velocidade deste.
Este conjunto de resultados tem sido verificado para o uso do telefone celular, seja em viva-voz, manual e, até mesmo, auricular. Em adição, não há diferença entre faixas etárias, experiência no uso do veículo ou, mesmo, de sexo, faixa etária e tempo de dirigir. O que se tem concluído é que estes efeitos negativos, associados com a conversação pelo celular, enquanto dirigindo, não é fruto do prejuízo das ações motoras em controlar o veículo. Os dados sugerem que os telefones celulares interferem nas demandas cognitivas da conversação. Mais, portanto, que qualquer distração provocada pela manipulação.
Tais demandas cognitivas têm sido interpretadas de três diferentes modos, a saber: 1º)o processamento verbal da conversação resulta na retirada da atenção aos sinais visuais; 2º a conversação diverge a atenção do motorista dos componentes da tarefa de dirigir, que requer processamento atentivo explícitos, resultando em tempos de reação mais elevados e 3º) a conversação tem o efeito de degradar a consciência da situação por parte do motorista e, por consequência, sua habilidade para identificar e responder rapidamente aos perigos é prejudicada.
Em função de tão robustas evidências, urge convencer os motoristas que dirigir, usando telefone, e sob efeito de alta dosagem alcoólica, tem o mesmo efeito fatal. Os legisladores responsáveis por tal situação devem ser hábeis em punir infratores. A vida não tem replay e sempre pede passagem. É impossível assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.
Pedestres, veículos e telefones celulares
Inúmeras pesquisas, incluindo as que examinaram efeitos da atenção dividida no atendimento da “memória”, “busca visual” e “tempo de reação”, sugerem que dividir a atenção entre múltiplos estímulos, ou tarefas concorrentes, geralmente compromete o desempenho como um todo, limitando nossa capacidade atentiva. Atualmente, isto é relevante devido a grande complexidade do nosso ambiente, onde as pessoas lidam não apenas com qualidades detratoras dos estímulos, mas também com demandas atentivas impostas por novas tecnologias.
Atualmente, quando caminhamos numa área urbana, tornou-se comum observar pedestres conversando ao celular, e ouvindo aparelhos musicais portáteis, enquanto cruzam ruas congestionadas de pessoas e veículos. Também, em vias e rodovias pessoas, mesmo no volante, conversam ao celular, inconscientes de que atenção dividida pode provocar acidentes fatais. Preocupados com o elevado número de acidentes provocados por isto, governos, instituições e corporações têm restringido o uso do celular-manual enquanto dirigindo. Ademais, vários legislativos estão impondo restrições ao uso dos celulares nestas situações. Todavia, há base empírica para a legislação limitar telefones celulares enquanto dirigindo? Sim, vejamos as razões.
Uma meta-análise dos efeitos dos celulares no trânsito considerou o tempo de reação (TR), controle lateral do veículo, distância, velocidade e tipo de telefone, bem como, o ambiente de trânsito (laboratório, simulador ou na rodovia), alvo da conversação (passageiro ou alguém no telefone), tipo de conversação (tarefa cognitiva ou naturalística) e idade dos motoristas (jovens ou idosos). O TR para eventos e estímulos, enquanto conversando, produziu as maiores quedas no desempenho de dirigir, sendo similares para o uso manual do celular ou viva-voz. No geral, um aumento médio de 0,25s foi encontrado para todos os tipos de tarefa, indicando tempo de reação mais lento para atender aos eventos e aos estímulos enquanto falando ao telefone celular e dirigindo, concomitantemente.
Jovens foram menos afetados pelo uso dos celulares que os mais idosos. O manual e o viva-voz aumentaram o TR. O uso de uma tarefa cognitiva equivalente a uma conversação no celular teve um TR mais elevado que uma conversação naturalística. Tarefas de fazer uma ligação ou teclar tiveram TR mais elevados. Com exceção de frear para evitar colisão, outras condições produziram o mesmo aumento no TR. Os motoristas não compensam a lentidão em responder mantendo distância ou reduzindo a velocidade e, além disso, o tipo de ambiente não afetou diferencialmente a TR e a velocidade. Estes resultados têm importantes implicações, tanto para as restrições legislativas quanto para as montadoras de sistemas viva-voz nos veículos. Por quê? Porque a vida não tem replay.
Percepção de perigos no trânsito
Percepção de perigo é o processo de detectar, avaliar e responder a eventos perigosos ocorrendo nas rodovias e que são mais prováveis de induzirem colisões. Os tempos de respostas para perceber vários tipos de perigos são maiores para motoristas mais predispostos a colisões e os que demoram mais para responder se envolvem mais em acidentes fatais, principalmente, no primeiro ano de habilitação. A robustez destas evidências levou o Governo do Reino Unido a introduzir, desde 2002, o Teste de Percepção de Perigos para obtenção da carteira nacional de habilitação.
Este teste apresenta uma série configurações envolvendo três dimensões cardinais que caracterizam um cenário perigoso: antecipação, surpresa e complexidade. A antecipação refere-se à habilidade para “ler” a rodovia antecipando eventos perigosos vindouros. Este cenário pode ser exemplificado por um carro esperando ao lado, na rodovia, o qual repentinamente entra na frente do carro do motorista. A surpresa ocorre quando o motorista fracassa em conectar dois eventos independentes ocorrendo juntos no cenário de direção. Por exemplo, uma Kombi estacionada pode impedir a visão de pedestres que podem atravessar uma via situada atrás dela. A complexidade envolve a habilidade com que um motorista é capaz de monitorar múltiplas fontes de ameaças potenciais num ambiente dinâmico e complexo, como o ambiente de dirigir.
Nestas condições experimentais, motoristas com diferentes níveis de experiência (noviços com oito meses de experiência em dirigir, motoristas com 16 anos de experiência, e instrutores de autoescolas com 30 anos de experiência e 13 anos como instrutores) puderam ser comparados em cenários configurando diferentes tipos de estruturas de perigos. Dados de um destes estudos revelaram que motoristas noviços tomam mais tempo para localizaram perigos e, além disso, mais prováveis de omitirem perigos que estavam obscurecidos pelo ambiente (por ex., um pedestre emergindo por trás de um caminhão estacionado). Motoristas com moderada experiência foram tão rápidos quanto instrutores de autoescolas em verem os perigos e gastaram maior quantidade de tempo vendo-os. Apenas a habilidade dos instrutores de autoescolas para detectarem perigos foi traduzida em diferenças na velocidade de dirigir para certos tipos de perigos. Juntos os resultados demonstram que motoristas com diferentes níveis de experiências respondem diferentemente aos cenários simulando diferentes perigos.
A elevada validade deste teste na discriminação de motoristas com baixo e alto desempenho na detecção de perigos, ou entre motoristas seguros e inseguros, por si só sustenta a introdução do mesmo, no Brasil, como uma intervenção para reduzir o elevadíssimo número de acidentes de trânsito nas nossas estradas.
O uso do capacete reduz mortes dos motociclistas?
Traumatismo craniano é uma das principais causas de morte provocadas por colisões de motociclistas, explicando 70% das mortes destes. O uso do capacete é o fator mais importante na prevenção destas ocorrências, uma vez que os capacetes absorvem energia, prevenindo o traumatismo craniano. Não obstante, alguns condutores ainda hesitam em utilizá-lo, acreditando que os mesmos não são confortáveis, bem como, que seu uso, adversamente, afeta a segurança. Um exemplo? Estudo chinês revelou que, aproximadamente, 70% dos motociclistas acham que capacetes não são confortáveis; quase 40% acham que o uso do capacete impede a boa visualização que o motociclista tem do ambiente e 75% usam-nos, exatamente, para evitar as multas de trânsito.
Outros estudos examinaram mais detalhadamente os efeitos do uso do capacete sobre a visão e a audição no trânsito, concluindo que, os condutores acomodam o efeito do capacete girando suas cabeças para aumentar o campo visual, de modo que, o campo seja similar ao dos condutores sem capacetes. O limiar auditivo não foi significativamente afetado pelo uso do capacete.
Estudo recente analisou dados de motociclistas obtidos em 70 países. As variáveis analisadas foram taxas de mortes dos motociclistas por 100 mil habitantes, porcentagem de motociclistas que não usam capacete, renda per capita, a eficácia de leis de trânsito, a eficácia de leis de trânsito e diretrizes para uso de capacete ou não. Resultados mostraram que a taxa de morte correlacionada aos motociclistas foi altamente correlacionada à razão entre motociclista por pessoa e uma correlação marginal com a porcentagem de motociclista sem capacete. Além disso, esta última foi significativamente correlacionada com a eficácia da lei e com a renda per capita.
Projeções, a partir dos dados obtidos, indicam que, para cada dez por cento de aumento no uso do capacete, uma vida por 1 milhão de habitantes pode ser salva. Elevando o uso do capacete de 0 a 100%, salvar-se iria 10 vidas por 100 mil habitantes por ano. Ademais, usar capacetes que satisfaçam padrões de segurança pode reduzir a morbidade (hospitalização) e mortalidade (morte) em colisões envolvendo motociclista. Globalmente, o não uso de capacete foi o fator mais significativo afetando a taxa de morte entre motociclistas. Usar capacete reduz o risco de morte em colisões envolvendo motociclistas e, além disso, legislações apropriadas para motociclistas podem ser efetivamente apoiadas pelos programas de segurança dos motociclistas.
Tais dados claramente mostram que, a eficácia de uma lei é fator importante para a prevenção de acidentes por parte dos motociclistas.
Campanhas sobre acidentes de trânsito
Anualmente, quase 40 mil pessoas morrem vítimas de acidentes de trânsito. Estudiosos buscam reduzir este número investindo, continuamente, em campanhas de segurança nas estradas, ainda que pouco seja conhecido sobre a eficiência das mesmas. Para superar este obstáculo, pesquisadores têm realizado meta-análises das pesquisas sobre tais campanhas, buscando analisar a eficácia das variadas intervenções na segurança viária por elas promovidas, incluindo diferentes tipos de campanhas educativas nas estradas. Isto permite, sistematicamente, sumariar resultados de estudos distintos, que trabalharam com hipóteses e efeitos comuns.
Assim considerando, uma meta-análise de 119 efeitos, obtidos de 67 estudos realizados em 12 países, que avaliaram o efeito das campanhas de segurança nas estradas, foi recentemente publicada (Accident Analysis and Prevention, 2011; no prelo). Alguns dos fatores testados incluíam a duração da campanha (0-29; 30-200, mais que 200 dias), a década de início da campanha (1980, 1990 e 2000), o tema (geral-mistos, velocidade, beber-dirigir), o conteúdo da mensagem (emocional-humor, racional, emocional + racional incentivo), o risco (ferimento para si ou outrem, detenção-punição pela polícia), meios de veiculação da mensagem (comunicação pessoal e massiva), medidas de fiscalização (concomitante e por alteração na lei), medidas utilizadas (todos os acidentes, acidentes com ferimentos e ferimentos sérios, acidentes fatais e acidentes envolvendo bebidas), países (Europa, Estados Unidos, Austrália e Àsia), amplitude (local, regional e nacional).
Os resultados indicaram que, globalmente, campanhas de segurança nas estradas reduzem o número de acidentes em 9% em média; variando entre -12% a -6% nos estudos analisados, sugerindo que campanhas utilizando comunicação pessoal, estratégias de veiculação das mensagens nas estradas e/ou fiscalização concomitante são associadas a maiores reduções nos acidentes. Campanhas temáticas envolvendo comportamentos de beber- dirigir foram associadas a maiores reduções nos acidentes, bem como, à fiscalizações concomitantes sistemáticas e campanhas de curta duração (menos de um mês), consideradas mais benéficas. Globalmente, os resultados são consistentes com a ideia de que campanhas educativas visando à segurança no trânsito podem ser mais efetivas a curto prazo se a mensagem é veiculada por comunicação pessoal, mais próxima em espaço e tempo ao comportamento que se objetiva alcançar.
Em termos práticos, os dados revelam que a comunicação pessoal, e a veiculação de mensagens nos acostamentos das estradas, são altamente associadas a maior redução de acidentes de trânsito.
Problemas de trânsito insolúveis
Em países motorizados a segurança viária tem sido substancialmente melhorada, embora a redução das fatalidades varie de 50% a 80%, alguns problemas de segurança persistem difíceis de solucionar: (1) alta taxa de envolvimento de jovens do sexo masculino em acidentes de trânsito. A taxa de lesões nos jovens, entre 18-19 anos, é de 5 a 10 vezes maior que a taxa do grupo mais seguro. Ao longo da última década, esta diferença não se tornou menor, indicando crescimento contínuo. Similarmente, motoristas de 20-24 anos têm taxa mais alta de lesões que o grupo mais seguro, as diferenças não parecem diminuir e os homens têm mais acidentes que as mulheres; (2) as taxas de lesões para usuários não-protegidos, como pedestres, ciclistas e usuários de mobiletes e motos, as quais continuam sendo mais elevadas que as dos ocupantes de carros. Pedestres sofrem 4 a 5 vezes mais lesões por km/viajado que os ocupantes de carros. A taxa para ciclistas é maior que a de pedestres, os usuários de mobiletes têm quase a mesma taxa que aquela de ciclistas e os motociclistas têm a maior é a maior dos grupos; (3) são os diferentes tipos de rodovias e ambientes de tráfego diferindo nas demandas das tarefas de dirigir. Uma rodovia livre impõe demandas leves, a via urbana congestionada impõe pesadas demandas sobre a atenção e uma estrada rural, multiuso, requer demandas moderadas dos usuários. Neste caso, motos envolvem-se em mais acidentes que os demais tipos de veículos e em diferentes tipos de vias. Vias urbanas apresentam os maiores riscos e as rodovias livres são as mais seguras; (4) a incompatibilidade entre pequenos e grandes veículos denotada pelas diferentes quantidades de energia cinética que produzem quando se movem. Quanto mais pesado o veículo, tanto maior a quantidade de energia cinética produzida. Quanto mais pesado tanto maior o número de feridos externos causado. Para cada caminhão envolvido em acidente, 3,5 pessoas externas são feridas. Estas razões são estáveis ao longo dos anos, ainda que as vias e os ambientes de trânsito tenham melhorado; (5) é o excesso de velocidade, inquestionavelmente um dos maiores problemas em todas as nações motorizadas, e um dos mais resistentes à mudança. Menos que 20% de km rodados, nestes países, foram feitos acima dos limites de velocidade, chegando a quase 50% nos últimos anos. O excesso de velocidade é resultante da adaptação comportamental à melhoria das rodovias e dos carros. É estimado que as fatalidades reduzir-se-iam em 25%, os seriamente lesionados em 18% e os feridos leves em 10%, se o excesso de velocidade fosse eliminado.
Razões alegadas são: elevada tolerância ao problema; necessidade de medidas impopulares; fatores biológicos e/ou psicológicos difíceis de influenciar; e dificuldade de entender a física da energia cinética envolvida nos acidentes.
Referências
Alm, H., & Nilsson, L. (1994). Changes in driver behaviour as a function of handsfree mobile phones – A simulator study. Accident Analysis and Prevention, 26, 441-451.
Bookhuis, K. A., De Vries, G., & De Waard, D. (1991). The effects of mobile telephoning on driving performance. Accident Analysis and Prevention, 23, 309-316.
Da Silva, J. A. (2006). Psicologia & Comportamentos. São Paulo: Editora Cannavacci
Da Silva, J.A. (2010). Estilos de Dirigir. Relatório Científico (CNPq). 156 p.
Rakauskas, M.E., Gugerty, L.J., & Ward, N.J. (2004). Effects of naturalistic cell phone conversations on driving performance. Journal of Safety Research, 35, 453-464.
Maciej, J., Nitsch, M., & Vollrath, M. (2011). Conversing while driving: The Importance of visual information for conversation modulation. Transportation Research – Part F. (in press).
Elvik, R. (2010). Why some roads safety problems are more difficult to solve than others. Accident Analysis and Prevention, 42, 1089-1096.