
O vovô misterioso
Um dia desses, enquanto contemplava a bela fachada do Theatro Pedro II, vislumbrei uma senhora chorando continuamente na calçada. Preocupado, aproximei-me dela, indagando se eu poderia ajudar em alguma coisa. Ela, então, aceitando minha ajuda para caminhar até um banco, nele se sentou e relatou serem suas lágrimas de lembrança de algo que ali lhe ocorreu há muitos anos, quando ela contava com sei anos de idade. O relato que se seguiu tratou da ocasião em que, tendo perdido um pequeno cachorro naquele lugar, um Fox Paulistinha branquinho, a mesma desabara a chorar desconsoladamente. Ao que um outro senhor, setenta anos, bengala e chapéu na mão, tal como hoje, lhe oferecera ajuda. Ouvindo-lhe o relato, o senhor, então, procurara confortá-la dizendo que também os cachorros procuravam seus amigos para conversar, amigos sossegados, como os Labradores; tempestuosos como os Rotwailers, sem contar os gatos, pombos, baratas, ratos e formigas. Quem sabe, então, no dia seguinte, seu Fox Paulistinha não reapareceria ou, de onde estivesse, não lhe encaminharia uma carta, contando novidades para a consolar. A menina que ela era, então, parara de chorar para aguardar o nascer do novo dia que, abençoado fosse, trazer-lhe haveria notícias de seu amiguinho.
Terminado o dia, passada a noite, o novo dia raiou. E eis que a menina que ela fora ali voltara para ver se seu cachorrinho retornara ou lhe deixara uma carta no banco em que estavam, então, sentados agora. O Fox não aparecera. Mas o senhor do chapéu e bengala sim, com a tal carta na mão. As letras tremiam diante de suas novas lágrimas. Vendo isso, o senhor segurou-lhe a cartinha, colocou os óculos esverdeados como a esperança e leu seu conteúdo. Estava o Paulistinha numa terra colorida e distante, em que as pessoas eram alegres e caminhavam, tal como ela, com seus animais. Um local de brisa e sem violência, de flores e perfumes. Uma terra em que o respeito mútuo era a característica principal de todos. Concluía, então, que, assim que possível, a ela reescreveria até poder retornar ao seu lado para, guiado por sua inocente mão da infância, com ela poder voltar a por ali passear.
Os dias se passaram. A ansiedade da menina crescia. Deixaria, o Paulistinha, novas cartas naquele banco? E o bondoso vovô ali estaria para lê-las para ela? Para sua alegria, ali a aguardava o bondoso vovô e as cartas coloridas enviadas pelo Paulistinha. Até que um dia, uma carta em especial trouxera palavras narrando a saudade que sentia da dona. Apesar de, onde estar, as pessoas serem agradáveis para com ele, nenhuma delas o tratava como ela sempre fizera com ele. Nunca mais aqueles meninos braços girando-o, acalentando-o, afagando-o e alimentando-o com água e ração.
E assim foi. Por um ano ela encontrara-se com o vovô naquela praça, e naquele banco, para ouvir-lhe a leitura das cartas do Paulistinha. Ali retornando, tantas décadas depois, parecia-lhe ainda distingui-lo naquele lugar, naquelas roupas, na delicadeza dos gestos do abrir a carta até a despedida, prometendo-lhe que voltaria. Eis que chegada foi a última carta. E nela, o Paulistinha contava que próximo estava o dia em que retornaria. Desde então, nem cartas, nem o vovô ela tornara a encontrar.
Chegado o Natal, e sem notícias até então, qual não foi sua tristeza a não avistar nem um, nem outro naquele lugar. Aborrecida, a despeito da chuva que caía, circulara pela praça toda em busca de alguma pista do vovô, tão seu amigo, e do Paulistinha, passando, então, a chamá-los, quase em desespero. Até que, à distância, correndo em sua direção, um Fox Paulistinha branquinho se aproximava. Abraçando-o, sentara-se no banco, voltando a chorar. Chorava de alegria por aquele reencontro. Chorava, também, pelo amigo que, passados os anos, ela nunca mais viria a reencontrar.