Os Desafios de Estudar a Percepção de Tempo (6) : Esquizofrenia

Os Desafios de Estudar a Percepção de Tempo (6) : Esquizofrenia

            Pacientes esquizofrênicos têm, de modo geral, desordens clínicas de todo tipo, incluindo aquelas motoras ou cognitivas, sendo estas últimas caracterizadas por alterações de atenção ou de pensamento. Ademais, como afirma Simon Grondin, no livro “The perception of time: your questions answered” (2020), não se pode excluir que, também para eles, a relação ao tempo está no cerne da esquizofrenia, embora, algumas vezes, seja difícil separa desordens de tempo psicológico de desordens relacionadas à cognição quando estudando processamento de informação temporal em pacientes com esquizofrenia. Não obstante, há numerosos estudos que investigaram, experimentalmente, certos déficits relacionados ao tempo psicológico nesses pacientes.

            Primeiro, as dificuldades dos pacientes esquizofrênicos em determinara ordem temporal dos eventos em curso manifestam-se de diferentes formas. Por exemplo, esses pacientes podem perder-se nas épocas, nas datas e, algumas vezes, mesmo nas horas. Eles também perdem o senso de continuidade, o que significa que, ao contrário de integrar eventos um com outro, dentro de uma certa continuidade, como nós usualmente fazemos, para eles o tempo parece uma série de elementos isolados, isto é, o tempo é fragmentado. De acordo com Grondin, essa fragmentação pode estar na raiz do sentimento de dissociação que caracteriza a esquizofrenia.

            Pacientes esquizofrênicos têm muito mais dificuldade do que os indivíduos de um grupo-controle, que não apresentam sintomas esquizofrênicos, em determinar se dois estímulos estão apresentados simultaneamente ou em sucessão. Ademais, esta perda do senso de continuidade pode perder da fusão dos eventos ao longo do tempo, a inabilidade para separá-los, ou da dificuldade de segregar eventos, dificuldade, esta, que poderia ser causada pela inabilidade de codificar uma estrutura conectando tempo e evento. Alguns dados indicam que o limiar diferencial é 20% maior nos pacientes do que num grupo-controle de participantes. O que indica sua inabilidade para antecipar o que acontecerá num futuro muito próximo. Em adição, a dificuldade dos pacientes esquizofrênicos é aparente, não apenas quando decidindo se os estímulos têm sido disponibilizados simultaneamente ou em sucessão, mas, também, quando decidindo a ordem de chegada dos estímulos. De fato, mesmo quando 96 milissegundos separam a chegada de um quadrado numa tela de outro quadrado, pessoas com esquizofrenia permanecem inábeis para determinar sua ordem de chegada.

      Segundo, as distorções da percepção temporal nos julgamentos explícitos sobre duração, podem ser um dos sintomas marcantes da esquizofrenia. Recente análise sistemática da literatura científica tem registrado resultados sobre esta questão. Assim, pacientes esquizofrênicos tendem a superestimar a duração numa tarefa de estimação verbal, mas eles subproduzem duração numa tarefa de produção temporal. Também, numa tarefa de produção de intervalo contínuo de 500 milisegundos, o ritmo de pressionar das pessoas esquizofrênicas foi muito mais rápido do que aqueles participantes de um grupo-controle.

            Estudos acerca da variabilidade dos julgamentos também tornam possível distinguir muito mais claramente a percepção de tempo entre pacientes esquizofrênicos e não esquizofrênicos. Por exemplo, num estudo que comparou pacientes esquizofrênicos e participantes de um grupo-controle em tarefas de bissecção, onde as durações variaram de 0,3 a 0,6 segundos e de 3 a 6 segundos. Os dados mostraram que em ambos os casos, a variabilidade dos julgamentos foi maior em pacientes com esquizofrenia do que nos pacientes do grupo-controle. Também, nesse mesmo estudo, os pesquisadores testaram os mesmos grupos numa tarefa de produção de um intervalo contínuo de 500 milissegundos. Novamente, pessoas com esquizofrenia mostraram mais variabilidade, não apenas quando o tempo do pressionar foi sincronizado com o som, mas, também, quando o pressionar foi contínuo, sem som. Em geral, esses dados indicam que há dificuldade nos indivíduos esquizofrênicos para estimarem corretamente o tempo, seja nas tarefas de produção, seja nas tarefas perceptuais, envolvendo diferentes amplitudes de duração.

            Terceiro, resultados da neurociência suportam a ideia de que há um problema básico de estimação temporal na esquizofrenia. Dados originados de respostas eletroencefalográficas (EEG), ocorrendo quando um estímulo não esperado aparece após muitos estímulos idênticos terem sido apresentados, especialmente quando estes estímulos têm durações idêntica, mostraram que tais respostas de EEG são reduzidas em pessoas com esquizofrenia quando comparadas com aqueles participantes de um grupo-controle, especialmente em tarefas envolvendo a chegada de um estímulo não esperado. Tal déficit, segundo Simon Grondin, é explicado por um problema específico do processamento de informação temporal e não por déficits relacionadas aos processos atencionais e mnemônicos. Ainda, dados baseados em ressonância magnética funcional (fMRI), também sugerem um processamento de informação temporal mais pobre em pacientes com esquizofrenia o que poderia ser consequência de uma disfunção na conexão de grandes redes cerebrais. Também, há menos ativação nas pessoas com esquizofrenia nas regiões do hemisfério cerebral direito envolvidas nas atividades cerebrais.

            Tomados em conjunto, os problemas temporais encontrados nas pessoas com esquizofrenia têm várias formas. Elas se manifestam na habilidade para determinar a simultaneidade ou a sucessão de eventos e nas tarefas clássicas de estimações temporais. Pessoas com esquizofrenia mostram muito mais variabilidade no processamento das informações temporais. Dados da neurociência sugerem que estes problemas no processamento de informação temporal não são exatamente uma conseqüência das desordens atencionais ou mnemônicas.

 

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