
Os desafios de estudar personalidade (6)
A idéia de traços de personalidade certamente é tão antiga quanto a de linguagem humana. Em Ética, Aristóteles via as disposições vaidade, modéstia e covardia como determinantes-chave do comportamento moral e imoral do ser humano. Ele também descreveu as diferenças individuais nessas disposições, frequentemente referindo-se ao excesso, defeito e níveis intermediários de cada uma delas. Seu discípulo Theophrastus escreveu um livro sobre o assunto, descrevendo trinta caracteres ou tipos de personalidade. A rigor, alguns estudiosos destacaram que o livro poderia ser melhor intitulado como Traços. Uma das grandes tarefas da Psicologia dos Traços é distinguir as propriedades internas da pessoa, a partir dos comportamentos escondidos e investigar as relações causais entre eles. Várias etapas são necessárias para desenvolver uma ciência dos traços. O primeiro passo é a mensuração e classificação dos mesmos. A técnica mais simples de mensuração da personalidade é exatamente perguntar a uma pessoa para estimar o quão bem traços de adjetivos se aplicam a ela ou a outra pessoa. Como segundo passo, nós também podemos questionar sobre comportamentos concebidos como estando relacionados à personalidade. Como terceiro, nós também podemos ter uma pessoa que conhece muito bem o respondente, como, por exemplo, a esposa ou um amigo íntimo, para estimar a sua personalidade.
Uma das primeiras concepções acerca dos traços foi aquela desenvolvida por Cattell, supondo a existência de dezesseis fatores de personalidade, enquanto constituintes da estrutura básica da personalidade. A ideia subjacente foi a aplicação de uma análise fatorial que originalmente capturou 171 traços, gerada de questionários administrados a um grande número de participantes, os quais tinham que estimar as pessoas que eles conheciam sobre cada um desses dispositivos. A partir das intercorrelações entre esses 171 traços, Cattell reduziu os mesmos para 16 fatores primários. Para muitos teóricos dos traços, esta quantidade de traços ainda é elevada, pois supõe que subjazem aos mesmos alguns fatores mais gerais. Neste caso, portanto, a estrutura da personalidade poderia ser composta por um número reduzido dos mesmos.
Por sua vez, no passado, a teoria de Eysenck sobre a personalidade foi fundamental para revelar os principais componentes desta. Nela, o pesquisador indica três fatores completamente independentes, e irredutíveis, um do outro, que poderiam ser extraídos para explicar a estrutura da personalidade. A estes denominou superfatores, os quais seguem, ainda hoje, rotulados como os três gigantes do tema. São eles: neuroticismo, extroversão e psicoticismo. Neuroticismo referindo-se ao nível individual de emocionalidade e a tendência de se preocupar, se sensibilizar, se emotivar e se tornar ansioso a algo. Pessoas com alto neuroticismo são geralmente ansiosas, estressadas, pessimistas e receosas, tendendo a ter baixa autoestima. Inversamente, pessoas que tem baixo escore de neuroticismo são emocionalmente estáveis, calmas e otimistas.
A extroversão avalia o grau em que os indivíduos tendem a ser falantes, terem iniciativa e energia. O contínuo extroversão/introversão representa o grau de sociabilidade, privacidade e dominância. Extrovertidos tendem a apreciar a companhia dos outros, expressando seus sentimentos e emoções. São energéticos, otimistas e confidentes. Ao contrário, os introvertidos (baixos escores de extroversão) são resistentes ao contato interpessoal, reservados e calados, tendendo a ser tímidos e sem confidência. No psicoticismo tem-se o nível individual de conformidade, agressividade e sentimentos em relação aos outros. Autopsicoticismo descreve pessoas emocionalmente cruéis, aventureiras, impulsivas e que buscam sensações imediatas. São sociopatas (demonstram pouco respeito às normas sociais) e psicologicamente desconectados de outros. Inversamente, baixo psicoticismo descreve indivíduos carinhosos, responsáveis, socialmente motivados, que, conformados, raramente desobedecem, ou negam, regras.
Finalmente, a teoria mais aceitável sobre a estrutura da personalidade é a teoria dos grandes cinco fatores (The Big Five). Nela, os cinco fatores são: neuroticismo, extroversão, abertura para a experiência, agradabilidade e conscienciosidade. Os dois primeiros são idênticos aos definidos por Eysenck. Já abertura para experiência representa a tendência para se engajar em atividades intelectuais e para experenciar novas sensações e idéias. Este fator é, também, referido como criatividade, intelecto e cultura, incorporando as facetas primárias da fantasia, estética, sentimentos, ações, idéias e valores, bem como, curiosidade intelectual, sensibilidade estética, imaginação, flexibilidade comportamental e atitudes não convencionais. Por agradabilidade entenda-se comportamento amigável, consideração e modéstia. É associado à tendência em direção ao companheirismo, confiança, altruísmo, carinhoso, tolerância, apresentando predisposição geral para comportamento pró-social. Por conscienciosidade entenda-se pró-atividade, responsabilidade e auto-disciplina. Ademais, incluindo competência, responsabilidade, eficiência, organização e produtividade. Esse traço de personalidade demonstra estar associado, também, a vários tipos de desempenho. Este último modelo de cinco fatores tem mostrado elevada validade e fidedignidade, conduzindo muitos pesquisadores a concordarem sobre a existência dessas dimensões de personalidade, bem como, das vantagens de usar escalas para avaliá-las em diferentes contextos, tais como, os clínicos e acadêmico-profissionais.