
Os limites da inteligência humana
Em palestra ministrada, na Escola do Amanhã, brilhantemente dirigida pela Dra. Eliana Pallocci, para pais e professores, acerca da Inteligência Humana, uma questão fundamental, manifestada pelos presentes foi saber “qual é o limite da inteligência?”, ou seja, “é possível melhorá-la?”. Para justificar tal questão, muitos destes, que assim questionaram, exemplificaram já ter identificado grandes diferenças, entre alunos, filhos, colegas e outros, quanto à capacidade destes lidarem com problemas complexos. Enquanto alguns resolvem prontamente problemas complexos, outros enfrentam grandes dificuldades para fazê-los, bem como, para lidar com coisas bem mais simples.
Em situações semelhantes, inicialmente esclareço que, até onde conheço, uma das leis universais, mais bem estabelecidas acerca do comportamento humano, é a lei das diferenças individuais. Com isso procuro mostrar que a preocupação de encontrar meios para descrever, ordenar, classificar e mensurar nossas percepções e experiências, incluindo similaridades e diferenças, observadas intra e entre indivíduos e grupos, acompanha o Homem desde os seus primórdios. Contextualizado a isso, as ciências do comportamento, e, especificamente, a psicologia, busca, na mensuração das habilidades mentais, entender tais diferenças. Esta mensuração, ainda que raramente apreciada fora da academia, busca capturar natureza e amplitude destas habilidades. Seu objetivo? Compreender como os testes de inteligência, conhecidos, popularmente, como testes de QI, uma vez padronizados, capturam a ampla variação humana. E isto num dos traços psicológicos mais importantes, a saber, a proficiência humana para aprender, racionar e pensar abstratamente.
Hoje, amplamente utilizados, tanto para propósitos práticos, quanto teóricos, variando desde a identificação de crianças com alta probabilidade de apresentar dificuldades em prosperar nos currículos escolares, quanto a diagnósticos clínicos, seleção de pessoal e aplicações em diferentes campos da pesquisa básica, que vão da genética à sociologia, tais testes são úteis para estudar a variação humana nas habilidades cognitivas e as diversas implicações desta variação para as sociedades e seus membros individuais.
Em adição a isto, esclareço que, ao se tornarem cada vez mais tecnológicas, as sociedades demandam inteligência superior que excede a oferta, enquanto que, a demanda para trabalhos, exclusivamente, físicos, declina. Irmanados ao ócio criativo, à aposentadoria precoce e à longevidade crescente, tal demanda premia a inteligência, visando o bem-estar moral e social do grupo. Desnutrição e doenças infantis infecciosas, erradicadas, bem como, facilidade de acesso à educação de qualidade e às tecnologias fundamentais, ao se generalizarem para todos, requerem melhoramento da inteligência humana. Se isto for possível, urge que entendamos os mecanismos e processos responsáveis pela inteligência humana.
Atualmente, nós nos encontramos, sim, emergindo de um período no qual as sociedades se encontravam “contaminadas” por um otimismo excessivo, o qual considerava a “suposta” maleabilidade da inteligência, bem como, a esperança de elevação do QI, dos que se encontravam abaixo da média, algo facilmente possível através de métodos “estritamente” psicológicos e educacionais. Tal esperança, provavelmente, é tão velha quanto a Humanidade e, certamente, ampliou-se a partir das idéias behavioristas que concebiam a inteligência igualada à aprendizagem. As habilidades mentais humanas foram concebidas inteiramente como um produto da aprendizagem e, com isso, a ampla variação das diferenças individuais foi atribuída às diferenças de oportunidades de aprender ou às diferenças do conteúdo a ser assimilado.
Acreditava-se que essas diferenças tornavam-se, socialmente, salientes, devido, meramente, ao fato de que algumas formas de conhecimento e habilidades eram mais valorizadas que outras, numa dada sociedade. Assim, os testes de QI foram considerados, apenas, como uma coleção especializada de conhecimentos e habilidades adquiridos, valorizados dentro de um contexto cultural específico. Dado que inteligência era concebida, essencialmente, como um produto de aprendizagem, esperava-se, também, que inteligência pudesse ser ensinada da mesma forma que se ensinava leitura e aritmética. Desta forma, dando oportunidades iguais para todos, todos poderiam, supostamente, alcançar o seu potencial máximo. Era, portanto, a forma mais prática de se “democratizar” a inteligência. É por este motivo que, até hoje, muitos professores ainda acreditam, piamente, que, às crianças de baixo desempenho cultural faltam, apenas, as mesmas oportunidades tidas pelas crianças de alto desempenho, salvo exceções.
Baseados nesta “aura”, centenas de experimentos, dentre estes muitos em grande escala, foram realizados procurando provar que inteligência podia ser, substancialmente, elevada. E, em poucos destes estudos, aos sujeitos foram dados treinamentos intensivos, ao longo de vários anos, não se tendo conhecimento de outro campo de estudo, na pesquisa educacional e psicológica, que tenha recebido esforço e reforço de tal magnitude, como este. Mas o único resultado marcante, de tudo isso, não foram os poucos pontos ganhos no QI, nem no desempenho escolar, eventualmente registrados, mas, sim, o fato de que, “ganhos” foram “raramente” registrados, e, “quando o foram”, foram “extremamente” pequenos. Logo, a implicação teórica deste resultado é que a visão behaviorista da inteligência, como sinônimo, ou, produto da aprendizagem, estava errada. Categoricamente errada.
Quando ocorreram “ganhos”, resultantes das intervenções educacionais, estes possuíam uma, ou mais, das seguintes características: (1) foram pequenos, raramente elevando mais que 5 ou 10 pontos no QI; (2) foram de curta duração, diluindo-se dentro de um ano, ou após o treinamento ter sido completado e (3) têm sido restritos às tarefas ou testes que se assemelhavam, estritamente, aos próprios procedimentos do treinamento, fracassando em generalizar para uma amplitude maior de testes mentais.
Ao longo dos últimos dez anos, vasculhando a literatura acerca da inteligência humana, não encontrei, até o momento, uma clara e contundente demonstração empírica de qualquer técnica, educacional e/ou psicológica, que tenha conseguido elevar, significativamente, a inteligência das crianças. As pontuações, seja em um teste, ou em outro, podem até ter sido elevadas, mas, usualmente, apenas temporariamente. Infelizmente, estes ganhos não são refletidos numa ampla variedade de testes, como o seriam caso, de fato, a inteligência tivesse sido melhorada. Não obstante, esta procura não tem sido inócua, em sua totalidade, revelando-me algo extremamente significativo e alvissareiro: é possível, sim, melhorar a inteligência das crianças, apenas, nos quatro primeiros anos de vida, desde que se dêem a elas estimulações adequadas, tanto intelectuais, quanto emocionais. Para tanto, os melhores agentes de mudança são os próprios pais, e demais cuidadores das mesmas, neste período. Aguardar, portanto, seu ingresso na educação básica formal, é perder a oportunidade real de elevar a inteligência das mesmas e continuar, infelizmente, acreditando e praticando uma crença já fadada ao fracasso.