
OS NOBELISTAS E A MEDIDA DA FELICIDADE
Daniel Kahneman, psicólogo e professor na Universidade de Princeton, foi premiado em 2012 com o Nobel em Economia tendo, como tema de pesquisa, as finanças pessoais. Neste contexto, enfatizando fatos comumente desprezados por economistas, tais como, a influência psicológica sobre processos decisórios financeiros, tem demonstrado que o ser humano apresenta prejudicial tendência em sua capacidade de escolha econômica, especialmente quando prioriza, ao mesmo tempo, lucro, prejuízo e prosperidade. Na realidade, o que ele fez foi lançar luz sobre as premissas que devem nortear os investidores em resoluções monetárias.
Angus Deaton, economista e professor na mesma Universidade que Kahneman, premiado com o Nobel de Economia 2015, teve reconhecido seus estudos sobre consumo, pobreza e bem-estar social. Especificamente, seus trabalhos enfatizam que, o aprendizado das circunstâncias econômicas específicas e as escolhas individuais, e não as medições agregadas em grandes grupos, é que podem produzir uma perspectiva melhor do funcionamento da economia como um todo. Em outras palavras, para ele, as políticas econômicas que visam promover o bem-estar e reduzir a pobreza precisam se embasar nas escolhas individuais de consumo.
Ambos os nobelistas, do meu ponto de vista, fazem, com rara felicidade, a união entre psicologia e economia. Alguns denominam esta feliz união de economia comportamental; mas, por opção, opto por chamá-la de economia cognitiva, pois, em ambos os estudos desses nobelistas, pode-se depreender a defesa do uso de modelos que utilizam mecanismos cognitivos para analisar o comportamento dos indivíduos.
Como isso se relaciona com felicidade? Explico. Em 2010, Kahneman e Deaton publicaram, em parceria, um artigo na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), 107 (38): 16489-16493, intitulado “Renda alta melhora a avaliação da vida, mas não o bem-estar emocional”, neste distinguindo dois aspectos do bem-estar subjetivo, aqui entendido, amplamente, como felicidade. O primeiro aspecto referindo-se ao bem-estar emocional, indicando a qualidade da experiência que o indivíduo vivencia no seu cotidiano, ou seja, a freqüência e a intensidade das experiências de alegria, estresse, tristeza, raiva e afeição que tornam o viver agradável ou desagradável. O segundo aspecto sendo a avaliação da vida, aqui entendida, amplamente, como os pensamentos e reflexões que as pessoas têm sobre sua própria vida quando sobre esta refletem, ou seja, o primeiro componente sendo o emocional e o segundo, o cognitivo do constructo definido como bem-estar subjetivo.
Pensando como economistas, então, o que Kahneman e Deaton se questionaram foi se dinheiro compra, para cada um desses componentes, em separado, a felicidade. Para saber isso, eles analisaram as respostas de mais de 450 mil cidadãos norte-americanos, ao longo do período 2008-9, acerca de questões sobre o bem-estar subjetivo, mensuradas a partir do Índice de bem-estar suportado pela Organização Gallup. Surpreendentemente, entretanto, já sugeriam, de antemão, que os dados revelavam uma resposta complexa à questão por eles proposta. O bem-estar emocional foi avaliado através de questões sobre a presença de várias emoções na vivência cotidiana. Já a satisfação com a vida foi avaliada através de uma escala numérica, em que o cidadão estimava sua vida corrente, com zero indicando a pior vida possível e dez, a melhor vida possível. O que tem de relevante nisso? O fato de eles terem encontrado que bem-estar emocional e avaliação de vida têm diferentes correlatos no cotidiano das pessoas. Em particular, observaram intrigantes diferenças nas relações desses aspectos do bem-estar subjetivo à renda. Detalhes? Vamos a eles.
Renda e educação são mais estreitamente relacionadas à avaliação da vida; porém, ao contrário disso, saúde, cuidados pessoais, solidão e fumar são relativamente preditores mais robustos das emoções diárias. Quando projetado em função do logaritmo da renda, tanto os escores de avaliação da vida elevam-se nitidamente, quanto os escores do bem-estar emocional. Porém, para este último, não há progresso para além de uma renda anual de aproximadamente 75 mil dólares (cerca de 300 mil reais anuais, o que equivale a 25 mil reais / mês). A baixa renda, portanto, exacerba a dor emocional associada à contrariedades do tipo divórcio, doenças e solidão.
Voltando à questão proposta pelos nobelistas, os dados acima permitiram-lhes concluir que renda alta compra satisfação com a vida, mas não felicidade; por sua vez, baixa renda é associada tanto com baixa avaliação da vida quanto com baixo bem-estar emocional.