
Os saltimbancos da inteligência
Para pais e professores, uma questão fundamental é definir o limite da inteligência, ou seja, é possível melhorá-la? Muitos que assim questionam, exemplificam terem observado grande diferença entre alunos, filhos, colegas e outros quanto à capacidade desses lidarem com problemas complexos. Exemplificam indicando que alguns resolvem prontamente problemas complexos, enquanto outros enfrentam grandes dificuldades para fazê-lo, assim como, para lidar com coisas bem mais simples. Alguns parecem ter uma Mercedes e outros um Fusquinha na cabeça. É certo que todos chegam, mas, mais certo ainda é que uns bem mais rápido que outros.
Desde que o primeiro teste de inteligência foi criado no longínquo 1905, por Alfred Binet, em França, centenas de experimentos, em grande escala, foram realizados procurando provar que inteligência podia ser substancialmente elevada. E, em poucos destes estudos, foram dados aos participantes treinamentos intensivos ao longo de vários anos, não se tendo conhecimento se outro campo de estudo na pesquisa educacional-psicológica tenha recebido esforço e reforço de tal magnitude como esses. Porém, o único resultado marcante de tudo isso não foram os poucos pontos ganhos no QI, nem no desempenho escolar, eventualmente registrados, mas, sim, o fato de que ganhos foram raramente registrados e, quando o foram, revelavam-se extremamente pequenos. Logo, a implicação prática deste padrão de resultados é que conceber inteligência como sinônimo, ou produto, da aprendizagem, ou meramente algo sujeito a efeitos ambientais, estava errada, categoricamente errada.
Para que ocorram ganhos resultantes das intervenções educacionais, ou ambientais, na inteligência, estes devem espelhar, ao menos, três características cardinais, a saber, (1ª) deve haver uma diferença positivamente significativa entre os escores de QI pós-teste e os escores de QI pré-teste. A literatura científica mostra que raramente os escores de QI elevam-se mais que 3 ou 5 pontos depois de anos de intervenção, e os mesmos devem-se, quase que exclusivamente, à prática de fazer os testes; (2ª) os ganhos deveriam ser duradouros ou permanentes, mas a literatura tem indicado que estes são de curta duração, diluindo-se dentro de um ano ou após o treinamento ter sido completado ou retirado e (3ª) devem ser generalizáveis de uma tarefa para outra.
Entretanto, os resultados obtidos até então demonstram que os ganhos, eventuais, têm sido restritos às tarefas ou testes que se assemelhavam estritamente aos próprios procedimentos de treinamento, fracassando em generalizar para uma amplitude maior de testes ou tarefas mentais. Dito de outra forma, se você treinar muito uma habilidade verbal, eventuais ganhos ficariam limitados às tarefas idênticas, não se generalizando às tarefas espaciais ou, até mesmo, ao raciocínio abstrato.
Ao longo dos últimos vinte anos, vasculhando, sem falsa modéstia, quase a totalidade da literatura acerca da inteligência humana, não encontrei, até o momento, uma clara e contundente demonstração empírica de qualquer técnica educacional, ou comportamental, que tenha conseguido elevar, significativamente, a inteligência das crianças. A propósito, encontrei, sim, um excelente artigo, publicado na Science, que o QI dos então jovens aos 11 anos foram altamente correlacionados com os QIs dos agora idosos aos 77 anos de idade. Portanto, estável 66 anos depois.
Logo, aos saltimbancos louva-se a inteligência de tentarem evangelizar àqueles que muito crêem que podemos estabelecer, nós mesmos, os limites da própria inteligência. Não obstante, o que a ciência prova é bem diferente.