Os santeiros da inteligência

Os santeiros da inteligência

      Cotidianamente, vejo, na mídia escrita e falada, santeiros divulgando que é possível aumentar a inteligência. As receitas, muitas à moda da casa, sustentam que todas as pessoas podem aumentar o seu potencial máximo bastando para isso se esforçarem e seguirem as recomendações promulgadas. Muitos até enfatizam que diferente da altura das pessoas, todos podem alcançar o seu máximo, pois o cérebro é usado em apenas 10% de sua capacidade. Na verdade, os santos são inúmeros, as receitas são incontáveis, mas os milagres, até onde conheço, são raros. Até desafio, qualquer um sem arrogância, a me indicar quem aumentou sua inteligência seguindo tais intervenções milagrosas. As comprarei às centenas.

     A literatura científica revela que o primeiro pilar da inteligência é que a mesma, tal como mensurada pelos testes de QI (Quociente Intelectual) e de desempenho acadêmico, é um importante atributo humano. Cronologicamente, a inteligência de uma criança é manifestada pelas habilidades cognitivas básicas que se desenvolvem antes desta começar a escolarização formal: o conhecimento do alfabeto, do vocabulário e das habilidades para lidar com as palavras, as quais a preparam para a leitura, bem como para a familiaridade de lidar com números e contas. Logo, quão bem as crianças dominem as habilidades básicas, fortemente isso afetará sua proficiência em assuntos mais complexos, que envolvam leitura, linguagem, matemática e ciência. Por outro lado, o insucesso acadêmico nesta etapa do desenvolvimento vital, certamente influenciará, no futuro, o estudante a abandonar a escola.   

    O segundo pilar se refere à maleabilidade da inteligência, ou seja, à possibilidade de a inteligência de uma criança poder ser modificada. A maioria dos pesquisadores em inteligência acredita que a inteligência é influenciada tanto pelos genes herdados (natureza) quanto pelo ambiente da criança (criação). Mas, há muita discordância sobre o quanto o QI de uma criança se origina dos genes, o quanto é fomentado pelo ambiente e se intervenções ambientais podem modificar este quadro de alguma forma. Pesquisas indicam que o componente genético de uma criança – qualquer que seja o seu tamanho- não pode ser modificado, uma vez que ele é herdado dos pais biológicos. Por sua vez, o ambiente (criação) da criança engloba um conjunto de fatores sociais e comportamentais, tanto domésticos quanto na comunidade da criança, que podem afetar o QI. Uma vez que as influências genéticas determinam de 40 a 80 % do QI de uma pessoa, acredita-se que muito mais que a metade desta porcentagem é determinada pelo ambiente da criança.

   
O terceiro pilar da inteligência é a especial e intrínseca relação existente entre a natureza e a maleabilidade da inteligência. Aqueles que supõem que o QI é determinado principalmente pelos genes herdados, argumentam que este não pode ser mudado para as crianças individualmente. Em contraste, aqueles que entendem que o QI é um produto do ambiente deixam aberta a possibilidade de mudanças por meio de manipulação dos fatores ambientais.  Assim, a questão da mudança e maleabilidade é intrinsecamente conectada às origens e causas do QI.

      O quarto pilar da inteligência se alicerça sobre as condições ou comportamentos que mais influenciam o QI de uma criança, ou seja, os fatores de risco. Do ponto de vista da Inteligência, fatores de risco são características genéticas ou ambientais que se associam ao QI de uma criança, podendo, com isso, aumentar ou diminuir a inteligência da mesma. Assim, o QI de uma criança pode ser afetado pelos seguintes fatores: o QI dos pais; o nível educacional dos pais; a renda familiar e o nível de pobreza; a estrutura familiar, ou seja, casamento e pais dentro de casa; a idade da mãe ao nascer a criança; o número de irmãos; a nutrição da criança; o peso da criança ao nascer; a estimulação cognitiva e o suporte emocional. Com exceção do QI dos pais e do peso da criança ao nascer, os demais fatores listados são ambientais, significando que os mesmos podem, de algum modo, ser modificados pelos pais ou pelos futuros pais. 

     O quinto pilar da inteligência a ser considerado é que os mais prováveis e os mais promissores agentes que podem maximizar o QI de uma criança são os seus próprios pais e familiares, os quais estão em melhor posição para otimizarem os fatores de riscos ambientais. Obviamente, pelo simples fato de uma criança passar mais tempo com a família, seus pais estão sempre em posição mais vantajosa para otimizarem aqueles comportamentos parentais, capazes de influenciar, diretamente, o ambiente e o desenvolvimento de uma criança. Como são eles que nutrem contatos freqüentes, e mais intensos, durante os anos iniciais de uma criança, do que qualquer outra pessoa, eles estão mais aptos para otimizarem os fatores de riscos e, portanto, para maximizarem a inteligência de suas crianças.

      Logo, o melhor desafio de qualquer política pública educacional é informar aos pais de sua posição, única e privilegiada, de agentes maximizadores do QI filial e motivá-los a melhorar os fatores de riscos da melhor maneira possível. Este desafio, portanto, repousa no seguinte alicerce teórico: é preciso atuar para maximizar. Ser família para ser melhor. Eis a lição.

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