
Pelas pequenas coisas, de dentro, pelas essências
A citação que abre as páginas iniciais de “Fragmentos de uma vida”, de Carlos Roberto Ferriani, ao referi-lo tão pequeno, não faz jus ao autor. Ao mesmo tempo, é a mais exata lição de humildade que se poderia esperar da nobreza deste homem. Explico: ao dizer que sua obra são “lados...de uma alma... talvez de um qualquer, talvez uns quaisquer, talvez nenhum”, Ferriani não está sendo justo consigo e, tampouco, com a prosa poética que criou. Está, sim, revelando a humanidade do médico que é, o qual, embora se saiba grandioso, traz consigo a balança sincera e digna da ciência da vida, nesta relembrando-nos a condição humana que todos nós compartilhamos.
O começo de sua obra traz uma praia calma, de vento suave e fresco, pouca gente, como o ambiente das manhãs de domingo nos quais, tantas vezes, o vejo a caminhar. Nessa caminhada, observador que é, o prosador poético que existe em si vai observando, de alguns, as alegrias, de outros, os sofrimentos, sem se esquecer que cada dia, na imensa caminhada que todos percorremos, num momento nos traz encontros, noutros, desencontros.
A crítica, especializada que é na leitura de entrelinhas, nesta obra pontua existir “um homem de alma poética, (a) revive(r) sua história”. Na óptica do estudo do comportamento humano, o qual melhor conheço, Ferriani fala, sim, de valores. E, ao relembrar fatos passados, expõe o íntimo poético que, em sua prosa, mescla sonho, realidade e fantasia. Um excerto de sua obra à perfeição exemplifica isso: “Tenho o hábito de jogar na loteria. Só um pouquinho, vez por outra. Gosto da Loteria Federal. É quase impossível ser o privilegiado...Mesmo assim, tenho fé...Talvez porque meu pai, professor, tenha me transferido esse hábito...Na terça-feira acordei com um palpite no avestruz. Não sei o porquê...Procurei e, finalmente, encontrei uma trinca, que, premiada, daria um bom dinheiro. O resultado sairia no sábado...ao conferir o bilhete, descobri que havia ganho o segundo prêmio, inteiro...Foi uma festa para o meu ego...Guardei para mim aquela ilusão de felicidade...mas com dificuldade para me concentrar...Digo que é uma felicidade rara o prazer de ganhar. Não sei se para vingar meu pai que gastou tanto nessa busca...Discutem-se várias formas de ganhar dinheiro. A questão é que ele não pode ser o mais importante...Muitas pessoas não o possuem de forma vultosa, e, apesar disso, encontram-se com a felicidade. Pelas pequenas coisas, de dentro, pelas essências”.
Entendendo ser esta a melhor definição operacional que já encontrei de felicidade, “Fragmentos de uma vida” é um espelho da inteligência, sabedoria e vivências do autor. Em suma, em Ferriani, e para Ferriani, “alegria é o tempo que dura a felicidade”. Por adição, para nós, alegria também é o tempo que dura a leitura desta obra.