Políticas Públicas Educacionais

Políticas Públicas Educacionais

             Em minha cruzada em prol da erradicação do “achismo” na educação, analisei inúmeras variáveis que aparentemente afetam o desempenho acadêmico de nossos escolares. Dentre estas variáveis constatei que a maioria das políticas públicas educacionais tem enfocado, essencialmente, dois componentes do processo educacional, a saber: a escola e os professores. A boa qualidade e as facilidades estruturais e funcionais das escolas, bem como, a formação dos professores, têm sido objeto de preocupação destas políticas públicas. Certamente, é importante que todas as escolas tenham tais condições e que os professores tenham formação básica para que possam desempenhar, a contento, seu papel fundamental, que é ensinar. Todavia, um elemento essencial no processo de ensino-aprendizagem tem sido negligenciado: o aluno. E, sobre este, é muito importante que sejam consideradas as habilidades fundamentais que o mesmo traz ao adentrar a escola. Os professores precisam claramente entender que, à semelhança das variações de altura, as habilidades dos alunos também variam. E, independente de qual seja a habilidade considerada, alguns alunos as têm mais, outros, menos, tal qual alguns são mais altos e outros mais baixos.

            Apoiados em literatura científica recente, mostrei que inúmeras variáveis, agregadas à escola e ao professor, ainda que importantes, explicam muito pouco do desempenho acadêmico dos escolares. Por outro lado, a competência cognitiva dos estudantes tem se revelado como a variável que mais explica, estatisticamente, os resultados acadêmicos, seja em leitura, escrita, ciência ou matemática. Assim, nos parece que, as políticas públicas nacionais, ao focalizarem apenas escola e professor, enquanto duas pernas do tripé educacional procuraram atender, apenas, o imediatismo ansioso por receber dividendos políticos. Quando o correto seria fomentar políticas públicas voltadas ao aluno, que a estes atendessem a curto, médio e longo-prazo, desvinculadas de qualquer vôo incorreto que os políticos queiram alçar.

            Assim, não me causou surpresa tomar conhecimento da proposta de Barack Obama, presidente norte-americano, dita ambiciosa pelos jornais de todo o mundo, que promete investimentos vultuosos na educação, em conjunto com a implementação e renovação de políticas do cenário educacional norte-americano. O que mais me chamou a atenção na proposta de Obama foi a similaridade das mesmas com as propostas que, há tempos, venho advogando nos textos publicados nesta coluna. A rigor, a proposta de Obama envolve três pilares, que são: (I) investimento na educação de crianças de 0 a 5 anos, a qual ele entende fundamental para a capacidade de aprendizado futuro, (II) reforma e fortalecimento das escolas públicas, por meio de ajuda aos estados, para estes aplicarem testes de avaliação de desempenho, padronizados e normalizados, para toda a população escolar norte-americana, melhoramento da aplicação dos métodos de ensino, utilizando, apenas, os cientificamente comprovados e valorização e recompensação de bons professores e (III) expandir oportunidades de ingresso às universidades, por meio de empréstimos estudantis e cortes de impostos para baixar as mensalidades.

            A amplitude desta proposta de Obama há tempos se fazia necessária, considerando o contínuo decréscimo dos indicadores internos e externos de qualidade educacional americanos. Vejamos alguns destes indicadores. No nível interno, em 2008, mais de 50 milhões de estudantes americanos estavam matriculados em cerca de 97 mil escolas públicas espalhadas em seu território. No mesmo período, a taxa de abandono do 2° grau, por grupo, variou de 5,8%, entre brancos, a 10,7%, entre negros, e 22,1% entre hispânicos, perfazendo um total geral de 9,3% de escolares que se evadiram da escola. Em adição, 14%, ou seja, 30 milhões de norte-americanos apresentavam limitações no uso da linguagem básica para leitura de textos; 12%, ou seja, 26 milhões tinham dificuldade de preencher documentos elementares, e 22%, ou seja, 47 milhões tinham dificuldades em manipular dados quantitativos, como, por exemplo, calcular a conta de um restaurante. Também, como cada estado estabelecia o seu próprio método de aferir o aprendizado, e muitos deles eram frouxos ou negligentes, tornava-se difícil comparar a qualidade de ensino no país. Por conseqüência, os Estados relaxavam os testes de aferição por medo de fracassarem e serem penalizados ao pleitearem fundos do governo. Já no nível externo, ou seja, comparativamente a outras nações, dados do PISA-2006 (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) indicaram que a média dos norte-americanos em matemática foi de 474, enquanto que a média geral dos países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) foi 498. No geral, os estudantes dos EUA foram superados pelos alunos de 31 países. No caso de ciências, a média dos estudantes norte-americanos foi 489, enquanto que aquela geral dos países da OCDE foi 500. Os estudantes dos EUA foram superados pelos estudantes de 22 países.

            De posse destes indicadores, a equipe de Obama deve ter se questionado: “Qual será a competitividade desta nação em anos vindouros, em face da perda de qualidade, em comparação a outros países desenvolvidos?” Se isto ocorreu, a equipe de Obama concluiu que, em pouco tempo, os EUA estariam, futuramente, importando cérebros. Em relação aos pilares propostos por Obama, entendo ser interessante comentar, mais aprofundadamente, a primeira, haja vista a grande similaridade da mesma com o que eu tenho sinalizado estar ocorrendo no contexto educacional municipal e estadual brasileiro, bem como, com as propostas por mim sugeridas. Obama, remodelando o “quase velho” programa “Nenhuma criança ficará para trás”, mostra estar refletindo sobre a adequação do nome à proposta do mesmo, uma vez que, em seu bojo, tal programa traz a idéia de que, dando oportunidades iguais às crianças, todas, sem exceção, poderão alcançar o seu potencial máximo, o quê, na verdade, a equipe de Obama verificou que não ocorre. Passadas duas décadas da introdução deste programa, os resultados finais têm sido negativos por uma simples razão: as habilidades das crianças variam, o que faz com que cada um só alcance o desempenho acadêmico que lhe confere sua capacidade intelectual, o que fez com que os resultados apenas indicassem o rápido crescimento da desigualdade, iniciado nos anos 80. Isto nos faz lembrar situações semelhantes, como a das campanhas de vacinação no Brasil, nas quais metas são previamente estabelecidas, uma vez que, somente as características etárias das crianças são consideradas. Portanto, tal programa, a ser modificado agora, promete considerar o potencial cognitivo de cada um dos seus escolares. Este potencial devendo ser aferido por baterias de teste cientificamente comprovadas. As quais permitam comparações apropriadas entre as diferentes escolas públicas espalhadas pelos EUA.

            No cenário brasileiro, como já apregoamos anteriormente, há a necessidade, imediata, de estabelecimento de uma atitude deste porte, haja vista, especialmente, a remodelagem educacional oferecida aos alunos nos primeiros cinco anos de vida. Em relação a isso, entendemos que, as habilidades, específicas e geral, de cada escolar deveriam ser aferidas por meio de instrumentos, reconhecidamente, válidos, e fidedignos, tanto por parte dos pais, quanto dos professores, ao longo destes primeiros anos. Posteriormente, conteúdos acadêmicos sendo ministrados de acordo com suas capacidades de assimilação, ou intelectual, para lidar com a complexidade dos mesmos. Em outras palavras, cada criança deveria ter um prontuário em que o seu potencial cognitivo fosse, continuamente, aferido. Tal planejamento, ou programa de ação, se justifica, também, à semelhança do que ocorreu nos EUA, com os estudantes americanos, por três razões principais: (1ª) a taxa de evasão escolar, em nossas escolas públicas, são enormes, e não têm se reduzido ao longo das últimas décadas, a despeito de investimentos maciços nas escolas e nos professores; (2ª) os dados da Prova Brasil revelaram resultados vexatórios e desastrosos. Em matemática e leitura, poucas foram as escolas que alcançaram as metas pré-determinadas pelos nossos brilhantes e sábios educadores, os quais acham que o processo de ensinagem é igual campanha de vacinação, isto é, basta estabelecer metas e (3ª) os resultados do PISA- 2006 mostraram que o Brasil, comparativamente, com 56 outras nações, teve escores de ciência (390), matemática (370) e leitura (393) que posicionaram o país entre os dez últimos, ainda que os nossos escores tenham sido de 100 a 120 pontos menores que aqueles obtidos pelos EUA.

            Logo, se os educadores americanos, com este valores, bem acima dos nossos, estão preocupados com o futuro da nação, imaginem nós...Obviamente, se estas diferenças persistirem, não seremos capazes de inovar genuinamente e, portanto, não fomentaremos a riqueza da nação porque a nossa força de trabalho vindoura não será capaz de lidar com a complexidade e o conhecimento simbólico que se aproximam vertiginosamente. Sem geração de conhecimento não há riqueza. E sem riqueza não há qualidade de vida. Urge que a federação, o estado e os municípios, que têm, por força da lei, cuidar da educação, sendo, em especial, estes últimos, da educação básica, entendam que esta é a semente “mendeliana” a partir da qual germinará todo o conhecimento e toda a inovação futuros.

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