
Preditores e mecanismos da dor crônica
Em tempos anteriores a Cristo, a dor já era considerada por Aristóteles um “afeto” separado dos sentidos primários, dicotomia, esta, que persiste na discussão dos mecanismos da dor até hoje. No século XVII, Descartes concebia que todo comportamento humano observável poderia ser dividido em duas categorias, a simples e a complexo. Na primeira, uma dada sensação sempre produziria a mesma resposta comportamental. Na segunda, a conexão entre sensação e ação seria imprevisível, sujeita à transmissão de dados sensoriais do sistema nervoso à parte imaterial humana (alma?), que, acreditava-se, decidiria o que o corpo iria empreender. Nestes tempos, descrevendo o que hoje é conhecido como a via da dor, o filósofo também ilustrou que um estímulo, como o fogo, em contato com o pé, era traduzido no cérebro, que compararia tal sensação de dor com o soar de um sino. Logo, dor tem sido a principal razão pela qual se buscam cuidados médicos. Diariamente, 50 milhões de norte-americanos são, parcial ou totalmente, incapacitados pela dor, a qual, sem tratamento, pode culminar em depressão, insônia, mudanças nos padrões alimentícios, prejuízo nas funções cognitivas e outros efeitos deletérios duradouros.
Recentemente, levantamentos mostram que dor crônica afeta, pelo menos, 116 milhões de norte-americanos adultos, mais do que o total afetado por doenças cardíacas, cânceres e diabetes combinados. Particularmente, a dor lombar crônica representa 28% dos casos de dor por todas as causas e que a maior parte desses 28% - ou seja, 23% - traz sofrimento de longo prazo (dor com duração >3-6 meses), o que representa, aos cofres dos Estados Unidos, cerca de 635 bilhões de dólares ao ano em tratamento médico e perda de produtividade, fato, este, que prioriza sua prevenção. Entretanto, pouco se sabe sobre a informação científica sobre os mecanismos de transição da dor aguda para a dor crônica, conhecimento, este, que forneceria novas oportunidades na batalha contra a dor crônica. Essa lacuna vem sendo preenchida por uma série de estudos longitudinais baseados nas técnicas de imageamento cerebral, nas quais, propriedades anatômicas e funcionais têm sido estudadas em pessoas que transitam da dor aguda para a dor crônica, o que tornaria plausível a identificação daqueles que pudessem estar em maior risco, predispostos à cronificação da dor. Este é um novo campo científico do estudo da dor: “a ciência da prevenção da dor crônica”.
Estudo analisando cérebros de 46 pessoas, sofredoras de dor lombar durante três meses antes de irem ao hospital, e que não tinham apresentado nenhuma dor pelo menos 1 ano antes, registrou a dor das mesmas durante exames clínicos e questionários aplicados quatro vezes ao longo de período de 1 ano. Anteriormente a tal estudo, pesquisadores registraram que o volume da substância cinzenta (área do cérebro em que os corpos centrais e as terminações das células nervosas residem.) nos cérebros dos participantes que tinham dor persistente, diminuira ao longo do mesmo ano. Os dados mostraram achados relevantes, indicando diferença de substância branca entre indivíduos que se recuperaram e indivíduos que vivenciaram dor ao longo de todo o ano. Ou seja, resultados sugestivos de que a estrutura do cérebro de uma pessoa pode predispô-la à dor crônica. Em concordância a essa ideia, os pesquisadores também encontraram que a substância branca das pessoas que tinham dor persistente parecia similar à de um terceiro grupo de pessoas que sofreram de dor crônica. Em contraste, a substância branca das pessoas que se recuperaram pareceu similar à dos indivíduos saudáveis que constituíram o grupo de controle. Questionando se as diferenças de substância branca observadas durante os imageamentos cerebrais iniciais seriam hábeis em prever se os indivíduos se recuperariam ou continuariam a vivenciar dor, descobriu-se que os imageamentos cerebrais da substância branca previram pelo menos 80% dos resultados. Em adição, discutiu-se que o nucleus accumbens e o córtex pré-frontal medial seriam também duas regiões que hipoteticamente estariam envolvidas na dor. Todavia, análises subsequentes dos imageamentos cerebrais sugeriram que a estrutura da substância branca, responsável pela conexão dessas regiões cerebrais, é diferente entre os indivíduos que se recuperaram e aqueles que tiveram dor persistente.
Globalmente, os resultados suportam a noção de que certas redes cerebrais estão envolvidas na dor crônica, sendo o entendimento dessas redes de conexões capaz de ajudar os estudiosos e os clínicos a diagnosticar muito melhor a dor crônica, bem como, a desenvolverem tratamentos mais eficazes, seguros e toleráveis aos pacientes.