
Promessa de amor eterno
Ouvi
essa estória lá pras terras do sertão. Tempo em que eu era bem mais moço, sem
mágoa no coração. E pra que se possa entendê-la melhor, é bom que eu a conte
com as mesmas palavras com que ela me foi contada. Naquelas bandas viviam, em
harmonia, duas afluentes famílias. Uma chefiada por grande pecuarista, de quem
se dizia ter tantas cabeças de gado que estas se perdiam no oceano de pastagem.
Família conservadora, das que valorizavam os bons costumes e a religião, trazia
no seio três filhas, cuja “do meio” se chamava Camila. A outra família era encabeçada
por nobre produtor de café, de quem corria a lenda que seu ouro verde dominava
até onde a vista pudesse alcançar. Família liberal, incentivadora do
individualismo, trazia no âmago três filhos, cujo “do meio” se chamava Camilo.
Ambos nascidos na mesma data, na mesma maternidade e pela mesma equipe médica,
que se desdobrara para atender a situação a contento.
Camila e Camilo, pelas mãos do
destino, acabaram se encontrando. Camila, estudiosa, meiga e muito religiosa.
Camilo, ambicioso, competitivo e descrente convicto. Porém, os gostos
parecidos, em sonhos entrecruzantes, mais que se completavam um ao outro. Juntos
fizeram os primeiros estudos. Juntos sonhavam com a universidade. E nas férias,
como já esperado, também juntos estavam. Desta vez, na divisa de suas terras,
cultivando um jardim, ela de cravos, ele de rosas, provocando-se para ver quem
recitava melhor. Assim, ao que ela lembrava Garrett, “Pescador da barca bela,
onde vás pescar com ela, que é tão bela, ó pescador, que é tã bela, ó pescador.
Não vês que a última estrela no céu nublado se vela? Colhe a vela, ó pescador.
Colhe a vela, ó pescador.”, ele lhe ofertava, com olhos brilhantes, o seu
Castro Alves, “Existe um povo que a bandeira empresta pr'a cobrir tanta infâmia
e cobardia!, e deixa-a transformar-se nessa festa em manto impuro de bacante
fria!”, como se com tal verve quisesse lhe dizer que também o seu amor era
eterno.
Numa dessas ocasiões, buscando selar
tão forte relação afetuosa, não tardou surgir uma promessa, que em segredo
deveria ser mantida. No dia de seu casamento, ela, véu de noiva amarelo, e
buquê de cravos na mão, encontrá-lo-iria de charrete. Ele, por sua vez, em seu alazão
chegaria, rosa branca na lapela, envolvida por lenço azul.
Mas a sorte foi madrasta. Camilo, a
pedido da família, para o estrangeiro foi estudar. Cientista, o ceticismo
aumentando. A bíblia nunca sua estante frequentando. Camila, amorosa que era, à
construção de um centro pediátrico se dedicou. Neste, muitas pequenas vidas
sendo salvas. Os anos se sucederam. As correspondências rarearam. As promessas
limitando-se ao esforço da memória. Não tardou que a notícia da morte dela se
espalhasse. Abatido, retornou Camilo à terra natal. Mas nem Camila, nem jardim
encontrou. Até que, numa visita inesperada do irmão dela, um bilhete de Camila,
a ele endereçado, às suas mãos chegou. Nele, rápidas palavras, “A vida é bela.
O meu amor, eterno”.
O destino, porém, como era de sua
natureza, com nada se comoveu. Seguia, implacável, sua rota-guia. Acabrunhado,
retornou Camilo, definitivamente, para o estrangeiro. Anos se sucederam. E a
solidão, no outono de sua vida, já não doía tanto. Neste novo tempo, outro
afeto religioso a sua vida surgiu. E a união, para agrado desta, para breve foi
agendada. Então, relembranças da promessa de outrora toldaram-lhe a vista.
Racionalizando, a si próprio verbalizou, “Promessas... ora, promessas. Para se
dissiparem, basta uma oração”.
Tarde de outono, folhas sopradas das árvores,
era chegado o dia. Mas qual não foi sua surpresa ao ver seu novo amor,
sorridente, de uma charrete descer. Trazia ela, pelas mãos, um buquê de cravos
amarelos, como a grinalda que os cabelos lhe envolvia. Em choque, Camilo buscava
entender o que ocorria. Na sua lapela, um lenço azul emergia. Iniciada a
cerimônia, das mãos da noiva a aliança recebida, atônito leu, em voz alta e
estremecida, a inscrição que resplandecia, “A vida é bela. O meu amor, eterno”.
Lágrimas sofridas de seus olhos rolaram. Desde então, nunca mais ele descrente
foi. Dizem, por ai, já o terem visto com uma bíblia na mão.