
QI e sua praticidade (1): a vida como uma bateria de testes
Ainda que as evidências de correlatos biológicos sustentem a existência de uma inteligência geral (g), muitos argumentam que este fator global não tem valor intrínseco funcional, sendo importante apenas na aplicação de escores de QI para selecionar, classificar e alocar estudantes e empregados. Logo, identificar a validade prática do QI (ou g) é crucial para aceitá-lo como um conceito explicativo. Discutindo-a, várias são as questões que podem ser abordadas. Que papel a inteligência geral (refletida pelo QI) desempenha em nossa vida pessoal e coletiva? Quão importantes são as diferenças em inteligência geral? As respostas a estas questões têm sido dadas primariamente a partir da análise das correlações entre os escores individuais dos testes mentais (como os testes de QI) e os vários êxitos pessoais (como realizações educacionais, ocupacionais, desempenho no emprego, bem-estar subjetivo, boa saúde, longevidade etc). As pesquisas, ao destacarem a importância da inteligência geral (QI), invariavelmente confirmam que a vantagem prática de possuir um alto nível de QI depende do objetivo natural das tarefas desempenhas.
Nesse sentido, a vida é igual a uma bateria de testes mentais, compostos de testes com maior ou menor saturação do fator ‘g’, ou seja, exigindo escores maiores ou menores de QI. A vida, de um lado, é igual a uma bateria de testes mentais no sentido de que as vantagens de um QI alto não são uniformes, pois dependem da complexidade das tarefas que enfrentamos nas diferentes arenas da vida (trabalho, família, saúde, educação). Por outro lado, a vida é diferente de uma bateria de testes mentais no sentido de que, de algum modo, submetemo-nos a diferentes baterias, isto é, estamos sujeitos a diferentes conjuntos de tarefas, demandando diferentes complexidades que, por sua vez, requerem, em média, diferentes escores de QI. Como exemplo, podemos citar a especialização que obtemos em algumas arenas da vida (ocupações, vocações, etc.), nas quais outras pessoas não alcançam sucesso. Estas diferenças em nossas realizações nos permitem criar nichos mais compatíveis com o nosso talento e interesses e verificar o impacto real do QI em nossas vidas. Ao lado disso, diferente da testagem do QI, a vida nos oferece algumas escolhas nos testes que enfrentamos (podemos escolher diferentes ocupações e/ou profissões). Em outras palavras, nós temos alguma liberdade para perseguir tarefas dentro de nossa competência e também para evitar aquelas que são muito fáceis ou muito difíceis.
Nosso mundo social também partilha, de alguma forma, oportunidades e obrigações, de acordo com nossa habilidade para manipulá-las. De fato, as pessoas freqüentemente escolhem ou são designadas para diferentes tarefas exatamente para evitar odiosas distinções na competência. Portanto, diferenças em inteligência e seu impacto na competência cotidiana se tornam difíceis de ser percebidas quando pessoas realizam atividades não comparativas entre si. Todavia, freqüentemente, nós perseguimos diferentes atividades exatamente porque diferimos em inteligência geral. Por conseguinte, a busca por diferentes atividades invariavelmente sinaliza diferenças na inteligência geral.
Outra grande diferença entre a bateria de testes de QI e a bateria de testes da vida reside no fato de que os construtores de testes têm dedicado incontáveis esforços para padronizar as condições sob as quais os testes são aplicados, visando exatamente descartar outras influências sobre o nosso desempenho. Mas, na vida, ocorre o contrário. As vantagens externas podem amenizar ou acentuar o impacto da inteligência geral, dependendo de os indivíduos menos ou mais brilhantes receberem mais ajuda ou fazerem melhor uso dela. Mesmo quando tomamos testes comuns nós diferimos substancialmente na forma com que usamos ou extraímos essa ajuda ou preparação avançada de nossos ambientes sociais. É o livre-arbítrio humano conclamando práticas que se almejam inteligentes.