
Reinier Rozestraten: construtor de psicologias e homens
Naturalmente, todos nós tivemos grandes mestres e professores, os quais, a seu modo, marcaram, particularmente, nossa caminhada pessoal e profissional. Nas lembranças que sopram do passado, ler e escrever assomam como duas das principais janelas com que tais mestres nos presentearam, permitindo-nos voar para o mundo.
Recordo, saudoso, da Profa. Guiomar Mello, dos meus tempos iniciais de ginásio. Ciente da minha timidez, e comovida por meu espírito agitado, ofertou-me “Simbad, o marujo”, já prevendo, talvez, que, tal como o personagem, também eu seria um marujo da ciência, viajando pelos quatro quadrantes do mundo.
Já no final desse período, como não recordar o Prof. Álvaro Rodrigues? Homem de Letras, apaixonado pelo ensino da língua portuguesa, semanalmente nos encaminhava para a saudação à bandeira. Foi o Prof. Álvaro, recitando poemas de Castro Alves, ao final de suas aulas, quem me cativou a gostar de poesia declamatória. A África, que se queixa a Deus pela desventura de ver seus filhos arrebatados do solo pátrio, rumo à escravização e desamparo, em sua voz, nunca minha lembrança deixou:
“Deus! Ó, Deus! Onde estais que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estais, Senhor Deus?...”
Que saudade dos seus poemas, Prof. Álvaro...
Todavia, a mim, um discípulo entre tanto outros, também coube um mestre entre muitos destes. Falo do Professor Reinier Rozestraten, que marcou, significativamente, minha vida profissional. Vindo de Haya, Holanda, e falecido aos oitenta e cinco anos de idade, em 27 de junho de 2008, Rozestraten fez estudos superiores de filosofia e teologia com os frades franciscanos. Em 1950, chegou ao Brasil para colaborar com o Colégio Santo Antônio, de Belo Horizonte.
Sempre animado em obter novos conhecimentos, graduou-se, em 1955, em História Natural pela Universidade Federal de Minas Gerais, construindo sua carreira acadêmico-científica na USP-RP, e nesta formando inúmeros pesquisadores, ainda atuantes. Com trabalhos que contemplavam a Psicolinguística, a Percepção e a Psicofísica, chegou, o mesmo, a tratar de Psicologia do Trânsito já na década de 1990. Ministrando disciplinas como História da Psicologia, Introdução à Psicologia, Metodologia Científica e Psicofísica e Percepção, alcançou, como poucos mestres, amplitude de pensamento e versatilidade, transmitindo-as e formando discípulos em universidades públicas e privadas do país.
Era, como poucos, um professor completo, nunca deixando um estudante sem palavra de incentivo, tampouco sem resposta científica, por mais simples que esta fosse. E se a resposta era complexa, buscava-a, amiúde, traduzindo-a, imediatamente, na aula subsequente. Pertence, indubitavelmente, à História da Psicologia no Brasil, participando do processo de reconhecimento desta como profissão em território nacional, o que o tornou um cientista reconhecido em seu próprio tempo.
Meu orientador de Iniciação Científica, continuou, mesmo após esta, a acompanhar-me durante toda a carreira acadêmica. Seu sorriso era aberto e olhos, chamejantes, quando, à porta da casa de meus pais, em Jaboticabal, assomou, acompanhado de sua esposa, para entregar-me a carta de concessão de bolsa de pesquisa a nós concedida pela FAPESP. A bolsa que, amparando-me materialmente, modificar-iria minha vida, permitindo-me dedicação exclusiva aos estudos.
Foi o Professor Reinier quem me ensinou todos os passos da pesquisa, desde o levantamento criterioso da literatura científica, passando pela determinação de uma hipótese, e rigor da coleta de dados, até chegar à análise e discussão profunda dos dados. Foi, com justiça, agraciado com muitos prêmios, medalhas e honrarias.
Preocupava-o, sobretudo, a quantidade de mortes de crianças por acidentes de trânsito, entendendo que a Psicologia deveria ir muito além dos laboratórios e consultórios, ao que sugeria medidas apropriadas para a redução desses acidentes no país, fato este que o levou a analisar os fatores cognitivos e ambientais no trânsito, ultrapassando a questão da mera análise de personalidade dos condutores de automotivos.
O Prof. Reinier Rozestraten representou, de modo inconfundível, e genuíno, o que é ser um modelo de cidadão, ímpar ao conduzir toda sua existência em benefício da preservação da vida. A mim, foi uma dádiva ter sido seu aluno, seu amigo e seu colega de trabalho. Com ele aprendi que inteligência, criatividade e sabedoria devem ser, em uníssono, sintetizadas a favor da qualidade de vida humana.