Resultados que se repetem e soluções que nunca acontecem: Prova Brasil e Inteligência

Resultados que se repetem e soluções que nunca acontecem: Prova Brasil e Inteligência

       O cenário educacional do ensino básico brasileiro nos confronta com um paradoxo. Por quê? Porque, na última década, apesar dos investimentos maciços despendidos na educação brasileira, que permitiram a universalização do ensino básico, os indicadores avaliativos têm revelado resultados vexatórios, que se repetem ano após ano, e as metas almejadas pelos nossos “sábios” dirigentes não têm sido alcançadas, provando que as medidas adotadas, até então, têm sido inócuas, pois, centralizam-se mais nas escolas e professores, para não mencionarmos o quanto estão se perdendo em leis e normas de cunho político-demagógico. O aluno, núcleo do processo ensino-aprendizagem, tem sido esquecido. Tal paradoxo depreende-se dos resultados da Prova Brasil, instrumento de avaliação baseado em testes de leitura e matemática, aplicados pelo Ministério da Educação (MEC), na rede escolar pública em colégios municipais e estaduais, com turmas de, pelo menos, 20 estudantes, cada, englobando 5,3 mil municípios. Tais dados mostraram que, dentre 27 capitais brasileiras, incluindo o distrito federal, somente cinco destas tiveram alunos que atingiram em 2007 as metas de aprendizagem, pretendidas para língua portuguesa, na quarta série do ensino fundamental.

            A situação é ainda mais grave quando olhamos a oitava série, na qual, apenas três, entre dez estudantes, adquiriram conhecimento adequado de português. Isto indica que os alunos que ficaram abaixo da meta não conseguem, obviamente, interpretar um texto, e, tampouco, acompanhar o mais básico dos livros didáticos. É bom que se diga que este padrão de resultados dissemina-se para todo o país, ainda que existam algumas ilhas de excelência que mereçam ser analisadas à parte. Principalmente no tocante às características cognitivas dos alunos que as freqüentam. Preocupante, também, é o fato de que, em muitas escolas, os resultados de 2007 foram inferiores àqueles dos anos anteriores. Tomados juntos, os dados revelam que, na quarta série, somente 26,8% aprenderam o esperado na disciplina português, e apenas 23,6% na de matemática, enquanto que, na oitava série, 19,2 % alcançaram a meta em português e 11,23% em matemática.

            Considerando o desempenho em ambos os domínios, estes dados nos revelam um triste cenário: uma importante parcela da nossa futura força de trabalho não sabe ler, nem fazer aritmética simples. Ora, sabemos que o mercado de trabalho está cada vez mais requerendo capacidade de lidar com a complexidade, para a qual a competência cognitiva é o ingrediente ativo do processo. Assim, como inserir os nossos futuros jovens no mercado de trabalho, que requer o mínimo de conhecimento de português e matemática que os habilitem, ao menos, para compreender manuais e programar equipamentos informatizados? Como pensar em inovação se nenhum destes estudantes têm, sequer, a base mínima necessária para fazê-la? Logo, se questionado sobre, que teria eu a opinar sobre este lamentável cenário? Que nossos escolares, se assim continuarem, estarão excluídos da força de trabalho vindoura. E, o que é pior, elevando a segregação intelectual no país. Face a este cenário, o que fazer? Orientar nossos dirigentes a compreender duas simples verdades, antes de estabelecerem ilusórias metas educacionais quaisquer.

            Primeira verdade: os escores dos testes de leitura e matemática acompanham os escores de habilidade intelectual, não importa qual seja esta. Ou seja, as habilidades dos estudantes variam e, ao estabelecer metas de desempenho em diferentes séries, os educadores brasileiros devem considerar o papel destes limites intelectuais no desempenho acadêmico. O que facilmente constatamos nas mídias, escolas e secretarias de educação, assim como, entre políticos e dirigentes educacionais, é que os estudantes têm baixo desempenho porque se originam de ambientes desvantajosos, provenientes de escolas ruins e vivenciam culturas que não valorizam o desempenho educacional. Raramente afirmam que o problema origina-se do fato de que os estudantes não são “suficientemente” brilhantes. Constatação, esta, que não passa despercebida sequer aos próprios estudantes. Não obstante, estes educadores acreditam que o desempenho acadêmico das crianças é determinado, exclusivamente, pelas oportunidades que as mesmas recebem. E que as limitações intelectuais, se existem, desempenham um papel secundário neste contexto. Para eles, metas seriam alcançadas bastando, para isso, melhorar as nossas escolas. A literatura científica a este respeito é clara ao afirmar que ninguém, nem mesmo nossas melhores escolas, podem elevar os limites de realização quando estes estão sendo delimitados pela nossa inteligência. Precisamos, sim, maximizar a inteligência de nossos escolares nos primeiros quatro anos de vida. Pois, depois disto, só podemos esperar milagres. Educadores e escolas que ignoram esta simples verdade estão agravando a miséria intelectual brasileira e, principalmente, desconsiderando o que, de fato, os estudantes podem, realmente, desempenhar.

            Segunda verdade: nas habilidades geral e específica metade de nossas crianças estão abaixo da média. Em outras palavras, estão abaixo da média de distribuição dos escores de inteligência, o que, por conseqüência, limita, severamente, seu desempenho escolar. Logo, isto é assunto de limitação, e não de educação. Se os educadores, por exemplo, tomassem os dados individuais da Prova Brasil e os transformasse em notas de QI, cuja média é 100 e o desvio padrão é 15, certamente ficariam abismados em verificar que quase 60% de nossos escolares situam-se abaixo da média. É muito difícil, portanto, esperar que tais metas da Prova Brasil sejam alcançadas por estas crianças. Estas, obviamente, não podem aprender mais do que conhecimentos rudimentares em matemática e leitura. Requerer que alcancem padrões de desempenho que estão aquém de sua habilidade acadêmica é, conceitualmente, errôneo e, sobretudo, cruel para com as mesmas. Em não considerando estas verdades, nossos dirigentes impõem custos incomensuráveis para tais crianças e, certamente, estão destruindo o futuro das mesmas.

            Se nossos educadores considerarem, realisticamente, estas duas simples verdades, em sua busca de resultados não repetitivos, como os acima citados, bem como, de soluções que realmente aconteçam para tal problema, é imprescindível que tomem como preceito fundamental que o desempenho acadêmico (x) é emparelhado à habilidade cognitiva (y), ou seja, x=y. Porque, será somente assim, que evitarão perguntar muito para os estudantes localizados abaixo da média, coisas inadequadas para os que estão na média e pouquíssimo para os que são muito talentosos. Identificar, sistemática e rigorosamente, quais são estas dificuldades cognitivas, bem como, modos de superá-la, de modo que tais crianças consigam desempenhar melhor, assim que as mesmas adentrem a escola, é, para mim, o primeiro passo para enfrentarmos esta grande cruzada educacional brasileira. Em resumo, ao considerar estas duas verdades, metas irreais não seriam pré-estabelecidas e o ensino seria, mais fidedignamente, harmonioso às habilidades acadêmicas de nossos estudantes. O possível seria, então, evidentemente efetuado.

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