Sensibilidade e intensidade da dor: os marcadores

Sensibilidade e intensidade da dor: os marcadores

           Grande maioria da pesquisa em analgesia clínica em humanos avalia a intensidade de dor. Entretanto, outras tantas pesquisas consideráveis destacam que, relembrar a dor, ao longo do tempo, envolve processos cognitivos capazes de afetar a validade de tais estimativas. Por adição, há, também, debates que questionam se uma única avaliação da intensidade da dor, ainda que fidedigna, pode fornecer um adequado indicador de sensibilidade para a mesma. Como resolver tal impasse? Dada a inexistência de uma abordagem universal para avaliar a intensidade da dor em adultos humanos, o ônus está nos investigadores, ou seja, estes devem ser transparentes em seus métodos de avaliação, de modo que a maioria, senão todos possam entender quais elementos da intensidade da dor estão sendo mensurados, e sob quais circunstâncias.

            Revisão sistemática para avaliar a extensão na qual elementos fundamentais para da avaliação da intensidade da dor em ensaios clínicos analgésicos, tais como, tipos de dor, localização, momento e frequência da avaliação da dor, entre outros, têm sido identificada e registrada por autores de pesquisas recentes, aqui incluindo-se ensaios clínicos e não clínicos, os quais publicaram-na em três grandes periódicos científicos de língua inglesa, a saber, European Journal of Pain, Journal of Pain, e Pain. Por adição, nesse mesmo contexto, testou-se, também, a hipótese de que um registro mais completo dos elementos fundamentais da avaliação da intensidade da dor ocorreria mais provavelmente nos artigos de ensaios clínicos do que naqueles descrevendo pesquisas não clínicas, haja vista que, muitos ensaios clínicos são sujeitos a revisão pelas autoridades regulatórias.

            Foram pesquisados todos os volumes daqueles jornais publicados entre janeiro de 2011 a julho de 2012, totalizando 262 artigos que satisfizeram os critérios de identificação, e qualidade, propostos pelos autores. Aproximadamente, metade dos artigos foram publicados na revista Pain (52%), com os artigos remanescentes distribuídos igualmente entre o European Journal of Pain (26%) e Journal of Pain (23%). Houve mais estudos observacionais e experimentais (73%: 34% observacionais; 15% experimentais em pessoas com dor; 23% experimental em voluntários sem dor), do que ensaios clínicos (27%: 17% dor crônica, 8% modelo de dor experimental e 2% dor aguda).

            Dos 262 artigos identificados, aproximadamente ¼ (24%), registraram, ambiguamente, a avaliação da intensidade de dor. Os elementos relacionados à avaliação da intensidade de dor foram, frequentemente, não registrados: 31% não identificaram o momento em que os participantes foram requisitados a avaliar a dor; 43% fracassaram em registrar o tipo de intensidade de dor estimada e 58% não registraram a localização específica, ou a condição de dor, estimadas. Nenhuma diferença foi observada entre ensaios clínicos e experimentais (por exemplo, estudos envolvendo manipulação experimental sem designação randômica a um grupo ou às cegas) e estudos observacionais referentes à qualidade do registro das estimativas de dor.     Entretanto, a habilidade para entender tais resultados, e compará-los entre si, revelou-se comprometida quando as avaliações das intensidades de dor não eram completamente registradas, acarretando recomendações que considerassem detalhes básicos para os investigadores, de forma que estes considerem quando devem conduzir, e registrar, avaliações da intensidade de dor em adultos humanos.

            Por sua vez, acerca do registro mais completo dos elementos fundamentais da avaliação da intensidade da dor, partiu-se do entendimento de que, participantes de ensaios clínicos requerem, frequentemente, instruções adicionais para prevenir interpretações idiossincráticas, considerando o preenchimento dos desfechos relacionados aos pacientes. Para isso, foi desenvolvido um sistema de treinamento com orientações padronizadas e específicas, considerando os registros da intensidade média de dor diária e visando à exploração dos efeitos gerados pelo treinamento efetuado com a escala de estimativa numérica (EEN), variando de 0 a 10, sendo 10 a pior dor possível e 0 nenhuma dor. Tal processo de treinamento enfatizava a importância de fazer estimativas em lugares livres de distrações, focalizando, apenas, sobre a intensidade da dor ao invés de quaisquer outras experiências físico-emocionais, tais como, fadiga, estresse e outras dores, do que a dor tomada como alvo (osteoartrite, dor lombar ou dor diabético-neuropática), que poderiam estar ocorrendo, ou presentes, no momento, enfatizando aos participantes a importância de seu papel na pesquisa e a necessidade de avaliar sua dor integral e cuidadosamente.

         Considerando o padrão global de resultados, foi revelado suporte modesto para os benefícios do treinamento e da avaliação humana (grupo T+) comparado com treinamento com avaliação automatizada (grupo T) e nenhum treinamento com avaliação automatizada (grupo C). As estimativas da intensidade diárias de dor do grupo T+ tiveram as correlações mais baixas com perturbações de sono e depressão. Embora isto seja sugestivo de uma maior validade discriminante deste grupo, essas correlações não foram significativamente diferentes daquelas do grupo T ou grupo C. Por adição, a mudança da semana 1 para a semana 3, nas estimativas da intensidade de dor média diária, foi correlacionada mais fortemente com a mudança da semana 1 para a semana 3, nas estimativas da intensidade média semanais, estimativas médias da qualidade das dores semanais e interferência de dor média semanais no grupo T+ do que no grupo T ou grupo C, embora uma vez mais a maioria das comparações estatísticas não tenham sido significativas.

             O grupo T+ teve, numericamente, poucos dados omitidos em comparação com o grupo T ou grupo C. A implicação deste resultado é que a avaliação humana pode conduzir a níveis mais altos de captura de dados. A mais robusta evidência em suporte de um sistema de treinamento com avaliação humana é que, o grupo T+ demonstrou poucos erros de ranqueamento incorreto nas estimativas de intensidade de dor diárias e, estatisticamente, muito menos participantes fizeram esses erros no grupo T+ do que no grupo T ou grupo C.

            Concluindo, os resultados sugerem que um sistema de treinamento tem o potencial de remover erros dos altos registros de intensidade de dor e aumentar a validade discriminante, melhorando, portanto, o índice de sensibilidade em ensaios clínicos randômicos analgésicos, ainda que pesquisas adicionais sejam necessárias para avaliar esta possibilidade, particularmente em ensaios de tratamento prospectivos.

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