Teoria da inteligência através dos tempos (Parte 1)

Teoria da inteligência através dos tempos (Parte 1)

O estudo da inteligência humana tem uma longa, contínua e interessante história. Mesmo dentro da história da psicologia, os debates mais intensos e mais complexos foram quase que invariavelmente centrados na definição e na estrutura do constructo que atualmente chamamos de inteligência. Vejamos algumas etapas, ao longo do tempo, da busca do entendimento das origens deste atraente constructo psicológico.
 

Em  busca das origens do intelecto
 
Pitágoras (580-500 b.C.)
Provavelmente uma das primeiras preocupações com a natureza das habilidades intelectuais tenha originado da concepção acerca do dualismo mente-corpo proposta por Pitágoras. O brilhante cosmólogo Grego acreditava que os seres humanos eram abrangidos tanto por corpos físicos quanto por poderes de raciocínio que lhes permitiam a compreensão dos elementos abstratos do universo. Esta analogia da inteligência relativamente simplória foi concebida por Pitágoras como estando localizada na alma imortal.
 
Platão (427-347 b.C.)
Platão, talvez tenha sido, ainda que implicitamente, o primeiro a desenvolver uma teoria reconhecendo as diferenças individuais nos níveis de inteligência, as quais ele distinguiu baseado na extensão em que um indivíduo era hábil em entender conceitos ou formas puramente abstratas. No nível mais inferior da taxonomia da inteligência proposta por Platão, estavam os cidadãos médios que eram caracterizados pela alma apaixonada, capaz apenas de conceber imagens intangíveis (por exemplo: memórias, reflexões) dos objetos físicos. Estas almas humildes não tinham nem mesmo a capacidade de confrontar os objetos físicos correspondentes com estas imagens. Acima dos cidadãos nesta hierarquia, estendiam-se os soldados que exemplificavam a alma corajosa que lidava direta e cognitivamente com os objetos físicos. Todavia, esta era ainda um nível inferior de inteligência, haja vista que a função mais elevada admitida pela cognição direta dos objetos físicos era a formação de opiniões ou crenças.
Os "estados da mente" (leia-se níveis de inteligência) caracterizados pela alma apaixonada e alma corajosa (imaginar e acreditar, respectivamente) eram considerados inferiores devido à sua limitação material: o mundo físico. Assim, o nível seguinte de inteligência proposto por Platão, o pensamento, era considerado superior àqueles dois primeiros porque lidava com as relações abstratas. Contudo, como essas relações poderiam ser potencialmente falsas, o nível de inteligência mais alto ao qual Platão realmente chamava de "inteligência" ou "conhecimento" requeria uma plena compreensão das formas abstratas ou essências. Conhecer as "formas do bem" era o último nível de inteligência porque possibilitava entender as outras formas e as relações entre elas.
Platão também cotejou o debate natureza-criação em sua análise do fenômeno da inteligência. Ele acreditava que cada indivíduo era naturalmente dominado pelas almas apaixonada, corajosa ou racional; para aqueles situados no extremo inferior do contínuo de inteligência, a educação teria pouco benefício. Todavia, para aqueles predestinados a serem filósofos-reis, a educação era necessária permitindo-lhes atingir sua inteligência potencial através do domínio do caos interno (quando infantes), do mundo externo (quando crianças) e das formas (quando adultos). Deste modo, a educação era o meio através do qual a alma racional controlava as outras almas.
Importante mencionar, entretanto, que a mais antiga consideração a respeito das diferenças individuais que podemos encontrar na literatura filosófica é atribuída ao orador Romano Quintiliano (35-95 d.C.). Sua orientação aos professores poderia estar incluída em muitos manuais de psicologia educacional: “Geralmente, e com razão, considera-se como uma grande qualidade de um mestre, aquele que observa fielmente as diferenças de habilidades nos indivíduos com os quais ele pretende instruir, principalmente para averiguar em qual direção se inclina a natureza de cada um; há uma variedade incrível de talentos e as formas da mente não são menos variadas do que aquelas dos corpos”. Mas, Quintiliano não teve evidentemente qualquer impacto na psicologia.
 
Aristóteles (384-322 b. C.)
Similarmente, Aristóteles postulou diferentes níveis de pensamento inteligentes facilitados pela alma racional, ou seja, a capacidade para pensar que era exclusiva dos humanos. A partir da base deste esquema classificatório, cada nível era um pré-requisito necessário, mas ainda insuficiente para o nível seguinte de pensamento. Por exemplo, a habilidade para entender as sensações isoladas era pré-requisito para a habilidade de senso comum que integrava sensações para alcançar uma conclusão sobre sua origem compartilhada. A razão passiva utilizava essas conclusões para delas extrair aplicações práticas. Sua descrição do pensamento como “deliberação precedendo a ação” antecipou o Behaviorismoproposto por Watson por volta de 1920. A habilidade para abstrair ideias a partir da mente passiva era uma razão ativa, a qual era para Aristóteles o mais alto propósito do homem e o componente imortal de sua alma.
Aristóteles foi também responsável, ainda que indiretamente, pela palavra inteligência.  Ele tinha reduzido a divisão triádica da mente proposta por Platão em apenas duas funções principais, nomeadas de (dianoetic) funções cognitivas e funções afetivas (orectic; incluindo emoção, desejo e senso moral). O orador romano e estadista Cícero (106-43 b.C.), ao traduzir originalmente Aristóteles do Grego, cunhou o equivalente de dianoetic em Latin como intelligentia , que em Português é inteligência.  Assim, originou-se este termo, agora bastante familiar, que posteriormente se tornou um dos mais controversos tópicos de toda a psicologia.
 
Fílon de Alexandria (25 b. C. - 50 a. C.)
Fílon concebia a inteligência não como uma habilidade humana global, mas muito mais como uma dádiva divina. Ele postulou que a habilidade para conhecer demandava libertar-se da distração carnal por meio da meditação, sonhos e êxtases, bem como de uma estreita relação com deus. Deus escolhia revelar conhecimento àquelas almas adequadamente preparadas. Na opinião de Fílon, esta orientação, não o pensamento racional, era o único caminho para o conhecimento.
 
Avicenna (980-1037)
A tradição islâmica da filosofia entrou no debate com as contribuições de Avicenna, o qual essencialmente elaborou baseada na temática Aristotélica sobre a hierarquia das inteligências, uma concepção que denominada de sentidos interiores. O senso comum, como na teoria de Aristóteles, integrava a informação sensorial. A imaginação recordada era uma forma de memória específica para o produto sintetizado do senso comum. A imaginação composta referia-se ao conhecimento de aproximação-afastamento baseado na dor e no prazer; a forma animal era apenas associativa, enquanto a forma humana envolvia a nova integração do senso comum e oferendas da imaginação recordada. O poder estimativo referia-se aos julgamentos de aproximação e afastamento reflexivos e inatos. Em seguida, vinha à memória de todas as cognições e recordações inferiores, isto é, o uso significativo daquela memória.
O intelecto prático de Avicenna consistia na aplicação da informação aos assuntos cotidianos, enquanto o intelecto contemplativo era uma cognição passiva que poderia ser atualizada apenas através de um intelecto ativo e supernatural. Esta função intelectual de nível superior era uma relação com e entendimento de Deus. Assim, aparentemente Avicenna pode ter integrado a teoria de Aristóteles e a de Fílon, postulando um modelo hierárquico de inteligência em que o nível mais elevado era mediado divinamente.
 
São Tomás de Aquino (1225-1274)
São Tomásde Aquino reteve uma versão dos sentidos interior proposta por Aristóteles que incluía o senso comum, estimação, memória e imaginação. Essencialmente Aristotélica também foram as suas concepções de mentes passiva e ativa como diferenciadas por suas meras corporificações e verdadeira abstração do universal (Formas), respectivamente. A real contribuição de São Tomás de Aquino residiu em sua reconciliação do pensamento Aristotélico (via argumento de que a racionalidade era simplesmente um caminho alternativo ao conhecimento da verdade de Deus) com os ensinamentos da Igreja em ocasiões em que o pensamento não cristão era frequentemente reprimido. Este fato pode ter preservado o trabalho de Aristóteles para a prosperidade.

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