Teoria da inteligência através dos tempos (Parte 2)

Teoria da inteligência através dos tempos (Parte 2)

O longo debate natureza-criação

René Descartes (1596-1650)

O fim da idade média presenciou uma ênfase no aparecimento das teorias de inteligências as quais variaram desde tentativas para descrever a estrutura da inteligência humana até tentativas que postulavam as origens das habilidades intelectuais. A filosofia de Descartes representou o início desta tendência. Após uma introspecção intensa, ele reconheceu que suas concepções incluíam várias ideias que eram excepcionalmente claras e verdadeiras, conceitos tais como regras geométricas e Deus. Devido ao nível de perfeição representado por tais conceitos que largamente excediam aqueles da mente humana falível que os mantinham, Descartes concluiu que estas importantes e perfeitas ideias eram componentes mentais inatos. Há uma clara conexão entre a proposta Cartesiana de que o conhecimento aprendido pode ser enriquecido ou complementado pelos elementos inatos, extra vivenciais do intelecto, e o lado natural do debate natureza-criação sobre as origens da inteligência humana.

 

John Locke (1632-1704)

Locke apresentou uma opinião que poderia ser mais bem descrita como diametralmente oposta àquela de Descartes, o predecessor da ênfase na criação.  Locke acreditava que a mente do recém-nascido era uma tabula rasa, ou lousa vazia, livre de qualquer ideia. As ideias, se inatas, poderiam ser compartilhadas por todos os humanos; haja vista que as ideias, moral ou conceitual, supostas por Descartes eram consideradas inatas, mas não compartilhadas por todas as pessoas, Locke logicamente deduziu que elas não poderiam ser inatas. Ele acreditava que a experiência, seja a experiência sensorial de nosso mundo externo, seja a experiência mental dos fenômenos psicológicos internos, é responsável pela evolução do conhecimento consolidado de cada indivíduo.

 

John Stuart Mill (1806-1873)

John Mill foi criado pelo pai, James Mill (1773-1836), para ser um testemunho vivo da influência da educaçãosobre o intelecto. Sob a tutela do pai, o jovem J.S. Mill tinha lido os clássicos Gregos aos 8 anos de idade e também lido e ensinado Latim Clássico e aprendeu matemática (através de Cálculo) com apenas 12 anos. Quando J.S. Mill entrou na idade adulta, ele generalizou e conduziu a visão de si próprio como um produto de um ambiente intensamente educativo para dentro de uma psicologia que considerava a mente humana como ilimitada na medida em que ela poderia ser moldada pela aprendizagem ambiental. Mill propôs que cada impressão mental, ou percepção, tem uma ideia correspondente a qual é representada na mente consciente como uma memória da impressão original.

A psicologia de Mill enfocava primariamente os princípios que governavam o desenvolvimento do intelecto, ou a associação de ideias. Três regras foram apresentadas para descrever o funcionamento deste sistema: Similaridade (ideias similares estimulam uma a outra), Contiguidade (ideias repetidamente vivenciadas de forma simultânea ou em rápida sucessão tornam-se associadas), e Intensidade (a vivacidade de cada ou ambas as ideias são diretamente proporcional ao poder de associação entre as ideias). Embora J.S.Mill não tenha deixado espaço para a existência de alguns fatores inatos, similares aos instintos de um animal não humano, ele concebeu que mesmo as qualidades inatas estão ainda capazes de sofreremmodificações significativas por parte dos fatores ambientais.

 

Julien de La Mettrie (1709-1751)

Embora o filósofo Francês La Mettrie fosse conhecido como um Materialista, ele avançou uma das primeiras posições integrativas, ainda que moderada, no debate natureza-criação.  La Mettrie acreditava que havia três determinantes da inteligência, uma qualidade que ele não considerava não ser exclusivamente humana. Em adição ao tamanho do cérebro e complexidade (inata, características fisiológicas), a educação também contribuía para a inteligência (uma geração depois, Frans Joseph Gall (1758-1828) encontrou que o tamanho do cérebro e a complexidade cortical estavam empiricamente implicados no comportamento inteligente). Realmente, La Mettrie acreditava que a educação era substancialmente responsável pelas diferenças em inteligência entre os humanos e os outros primatas. Sua posição fortemente assemelhava-se à opinião atualmente aceita das origens da inteligência em que tanto fatores genéticos, inatos, quanto experiências ambientais e educacionais contribuem para a habilidade intelectual humana.

 

EtienneBonnot de Condillac (1715-1780)

Condillac propôs que toda habilidade mental humana era um produto da sensação, memória e emoção básica (isto é, prazer e dor). Ele discordava do conceito de ideias inatas, proposto por Descartes, argumentando que os poderes intelectuais que referimos coletivamente como inteligência, de alguma maneira, era consequente à sensação. Por exemplo, a memória das sensações quando elas ocorrem, representam recordações, enquanto que aslembranças decorrentesnuma nova ordem constituem aimaginação, da qual sonhar é uma variante. A recordação ou imaginação das sensações odiadas ou amadas é o que chamamos de medo ou desejo (esperança), respectivamente. A tendência humana para categorizar sensações baseadas nos atributos comuns éa abstração. Embora a visão de Condillac das habilidades humanas pudesse parecer excessivamente simplista para explicar completamente tal sistema complexo, ele atribuiu esta complexidade à habilidade do homem para sentir em múltiplas modalidades (por exemplo: odor, sabor, tato). A concepção de Condillac era localizada mais próxima da extremidade criação no contínuo bipolar natureza-criação, tal como demonstrada por sua crença de que qualquer coisa que não fosse vivenciada através da sensação jamais poderia ser conhecida pela mente humana.

 

 

Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716)

Diferentemente das ideias dos pensadores anteriores, Leibniz promoveu sua ideia da mente como bastante ativa e inteligente, a qual não dependeria dequalquer contribuição do conhecimento ganho através da experiência. Ele propôs que nenhum evento físico ou entidade (tal como a sensação) poderia conduzir a um evento metafísico (tal como uma ideia ou pensamento).  Como o cérebro é um objeto físico, ele não poderia levar a um pensamento não físico.  Portanto, concluiu Leibniz, cada ser humano nasce com o potencial de ter uma ideia e a experiência é o mecanismo através do qual este potencial é realizado.

Ele tentou fornecer uma explicação para as diferenças individuais na inteligência. Ele acreditava que o universo e tudo nele, eram constituídos de vida, consciência e partículas iguais a átomos, que variavam apenas na sua capacidade para cognição transparente. As diferenças em inteligência entre humanos e outros animais representavam diferenças na clareza de pensamento decorrentes da quantidade de partículas inteligentes que cada organismo possuía. Desta forma, as plantas e os animais possuíam partículas obtusa e lerda, enquanto que os humanos possuíam partículas que os permitiam ter consciência e ser apenas sobrepujados por aquelas de Deus. Isto é, os humanos se posicionavam em segundo lugar na hierarquia da inteligência, sendo Deus em primeiro.  Todavia, o potencial representado pela clareza das partículas deveria ser atualizado pela experiência e os vários graus em que isto ocorria explicavam as diferenças humanas em inteligência.

 

 

 

Emmanuel Kant (1724-1804)

Kant tentou estabelecer a existência de categorias inatas de pensamento ilustrando vários constructos universais que nunca foram realmente vivenciados, incluindo tempo, espaço, causalidade e realidade. Entendendo que o estímulo sensorial era necessário para o desenvolvimento do conhecimento humano, Kant acreditava que essas sensações eram apenas inteligíveis e coerentes após interpretação através do filtro dos conceitos mentais inatos. Integrando a noção de Descartes acerca das ideias inatas com o conceito empirista da importância da experiência, Kant acabou acrescentando outra opinião marcante, mas ainda moderada no debate natureza-criação.

 

Herbert Spencer (1820-1903)

Um completo reconhecimento das diferenças individuais nos traços psicológicos, todavia, teve que esperar pela revolução no pensamento biológico introduzido pela Teoria da Evolução de Darwin através da seleção natural. O filósofo Britânico Spencer já estava pronto e esperando para fazer a conexão.  Ele  já tinha originalmente divulgado sua teoria pré-Darwiniana da evolução ao longo das linhas Lamarckinianas, a qual mantinha que as características adquiridas através da experiência poderiam ser passadas de pais para filhos através da hereditariedade biológica. De acordo com esta teoria, um dado comportamento aprendido, se habitual, poderia ser transmitido para as gerações futuras como um instinto inato.

Embora Spencer tenha sido convencido pela Teoria de Darwin de que a seleção natural era um mecanismo de evolução biológica, ele tinha escrito, antes de Darwin, um livro intitulado “The Principlesof Psychology”, em 1855, que tinha uma orientação evolucionária. Este livro tem a sua importância pelo fato de ter sido o primeiro manual de psicologia a usar a palavrainteligência e dedicar atenção especial às diferenças individuais na inteligência.  Spencer considerava a inteligência como uma característica biológica unitária que evoluía, em função do tempo, através da adaptação diferenciada dos organismos ao seu ambiente. O próprio comportamento evoluía biologicamente em interação com os sistemas físicos.  Sua concepção de inteligência como um traço unitário, em vez de um número de capacidades separadas, também marcou o início de outra longa controvérsia em psicologia que ainda permanece sendo discutida em muitas teorias de inteligência.

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