
Um elefante no quarto: o envelhecimento cognitivo
O
declínio cognitivo, normal e não patológico, quando associado ao envelhecimento,
é experiência cuja extensão difere entre indivíduos e seu impacto o torna um problema
imediato para a ciência, ainda que ignorado por muitos cientistas. Com o
aumento da população idosa em vários países, tal declínio tem sido motivo de
preocupação tanto do ponto de vista econômico, quanto pessoal e sociológico,
ocasionando que um dos grandes objetivos das políticas públicas em saúde seja
identificar os fatores demográficos, biológicos e psicossociais que possam
ajudar as pessoas a manterem e enriquecerem sua saúde cognitiva e emocional
quando se tornam mais velhas. Por causa disso, nos últimos anos, pesquisas têm
se voltado para entender mecanismos do envelhecimento cognitivo, bem como, fatores
que contribuem para suas diferenças individuais.
Em funções mentais, como habilidade
verbal, numérica e conhecimento geral, por exemplo, há pouco declínio com o
envelhecimento, mas, em outras, como a mnemônica, as funções executivas, a
velocidade de processamento e o raciocínio, um declínio substancial ocorre da
meia idade em diante, ou mesmo mais precocemente. Sendo estas habilidades,
denominadas “fluídas”, muito importantes para a realização de inúmeras
atividades cotidianas, bem como, para manter uma vida independente e completa,
ao entrarem em declínio agravam as perdas de outras funções que, normalmente,
tendem a acompanhá-las. Ademais, a lentidão na velocidade de processamento de
informação também parece explicar grande proporção do declínio associado com a
idade, em todos os domínios cognitivos afetados, e esta, em alguns casos,
começa por volta dos 30 anos.
Variáveis relacionadas à condição
médica, genética, vascular, fisiológica, neurológica, dietética, educacional e
estilos de vida também contribuem para o envelhecimento cognitivo não
patológico. Reveladores, todavia, são alguns estudos recentes, que indicam que
as diferenças individuais, na habilidade cognitiva de idosos, refletem dois
aspectos: diferenças na habilidade cognitiva prévia e diferenças no grau em que
uma mudança começa, tipicamente, a ocasionar deteriorações. Neste contexto, pesquisas
correlacionais, e experimentais, revelam, surpreendentemente, que habilidade
mental, mensurada na infância, largamente prediz declínio das funções
cognitivas na velhice. Em outras palavras, a inteligência mensurada na infância
contribui com 50% da variância, ou mais, para a habilidade cognitiva na velhice,
por volta dos 80 anos, em pessoas sem demência.
Entender cientificamente o
envelhecimento é similar à busca de uma receita bem sucedida que, uma vez
seguida, permite um envelhecimento cognitivo normal e saudável. Ainda que um
desafio, este está, certamente, em nosso alcance.
Professor da USP-RP*