BEM-ESTAR ANIMAL: UMA QUESTÃO TAMBÉM DE SAÚDE PÚBLICA

BEM-ESTAR ANIMAL: UMA QUESTÃO TAMBÉM DE SAÚDE PÚBLICA

Homens e animais se relacionam lado a lado desde que ambos surgiram na terra. Dependendo do momento vivido, da cultura e da religião adotadas na época, a maneira de enxergar o mundo se modifica e se estabelece uma convivência cada vez mais estreita.

Segundo estudos científicos publicados, há um pouco mais de seis mil anos, o homem desenvolveu de forma paralela à cultura da criação de animais, sua domesticação voltado a facilitar a obtenção de alimento, vestuário, proteção e transporte.

Em muitas partes do mundo, a domesticação de animais teve um importante papel na alimentação de cidades e sociedades em desenvolvimento. Por exemplo, culturas europeias e asiáticas começaram a criar animais como porcos para abate há mais de 9 mil anos.

Nos tempos atuais, com as mudanças nos hábitos sociais e culturais da sociedade, os animais estão sendo considerados como verdadeiros integrantes do novo modelo familiar e em decorrência da intensificação dessa relação de dependência homem-animal, lamentavelmente, verifica-se por consequência, expressivo aumento do número de animais abandonados nas ruas.

No entanto, junto com essa crescente inclusão dos pets como membros da família, um lado negativo levanta questões sobre o modo de se adquirir os pets.

A venda de bichos domésticos é uma realidade no Brasil, com canis, gatis e lojas que parecem se preocupar apenas com o lucro em cima dos animais do que com a vida e as condições destes.

Para se ter uma ideia, na linguagem mercadológica, somente em 2018, o mercado pet faturou R$ 34,4 bilhões e teve um crescimento de 4,6% em relação ao ano anterior. O Instituto Pet Brasil (IPB) vem coletando dados e fazendo pesquisas de mercado periódicas desde 2013, apontando um faturamento total no período de 178,3 bilhões.

Os motivos que levam ao crescimento do mercado pet são diversos. O aumento da população de pets, somado a mudança cultural relativa aos cuidados com animais são fatores que estimulam o crescimento do mercado. Além de serviços, existe uma demanda cada vez maior pela diversificação de produtos.

Com esses números, o Brasil figura como 3º maior do planeta em faturamentos no mercado pet.

Em feiras de filhotes ou em pet shops, os animais viram mercadoria e são expostos em vitrines, exercendo fascínio entre adultos e crianças. Quem não se encanta com um filhote? Mas deixar-se levar pela beleza ou comportamento do animalzinho pode levar a uma aquisição por impulso. Assim, cachorros e gatos são comprados e, mais tarde, descartados como objetos que não servem mais.

Além disso, filhotes destinados ao comércio normalmente são provenientes de uma reprodução em série – um alarmante número de ninhadas de uma mesma fêmea, que mal tem tempo de se recuperar fisicamente das crias anteriores. E isso faz com que problemas comportamentais e de socialização ocorram, como inegavelmente ocorrem.

Recente estudo promovido pela Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA - World Society for the Protection of Animals) demonstrou-nos que cerca de 75% dos cães e gatos do mundo estejam em situação de rua, o que vem a enfatizar uma preocupante falha na gestão dessa população, no tocante à sociedade, e isso, indiscutivelmente, faz gerar sérias consequências tanto para a saúde pública quanto, para o bem-estar animal.

Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que no Brasil vivem em torno de 30 milhões de animais abandonados, entre estes, 10 milhões são gatos e 20 milhões cães.

Essa pesquisa ressaltou que em cidades de grande porte, para cada cinco munícipes existe um cachorro, destes, 10% estão abandonados e já nas cidades pequenas, a condição não é distinta e, em muitos casos, o número chega a 1/4 da população humana.

Além da exploração comercial dos pets, um outro fator preponderante a ser destacado, traduz-se na ausência de conhecimento do responsável quanto aos cuidados essenciais para com o animal, como alimentá-lo, ter cautela com o espaço onde este permanece e atenção às necessidades fisiológicas e psicológicas do mesmo, o que consome demasiado tempo e, quando não planejado adequadamente, uma das alternativas que encontra é o abandono.

A conscientização da população acerca da guarda responsável de animais domésticos é o primeiro passo para diminuir os altos números de animais abandonados.

E uma vez nas ruas, inegavelmente essa população animal apresenta aumento, primordialmente por força da capacidade de reprodução destes, dado que amadurecem rapidamente e dão inúmeras crias, causando também dificuldade ao controle de natalidade.

Indiscutivelmente, os impactos resultantes do abandono de animais, bem como de sua procriação descontrolada, geram um problema de saúde pública, visto que estes podem transmitir doenças, tais como: raiva, leptospirose e leishmaniose; também parasitas como: vermes, pulgas, entre outras e ainda, provocar acidentes de trânsitos e agressão às pessoas.

Ademais, os animais errantes também são vítimas de maus tratos, comércio indiscriminado e sofrem por não terem condições adequadas para sobreviver, como comida, água e abrigo.

Diante de todas essas consequências sanitárias, sociais e humanitárias, faz-se imprescindível a implantação de políticas eficientes para proteção desses animais que, em contrapartida, podem trazer diversos benefícios, não só para eles, como também para a sociedade.

E Ribeirão Preto, na contramão da história, lamentavelmente vem perpetuando ao longo de várias gestões uma política de “não priorização” da questão e lida com o problema de maneira extremamente precária.

Recentemente a Coordenadoria de Bem-estar Animal (CBEA) de Ribeirão Preto, onde operava o antigo Centro de Zoonoses – Ribeirão Preto, único local onde se desenvolve alguma política pública relativa a animais comunitários, apresentou e apresenta ainda inúmeras irregularidades (vide CPI da Eutanásia, instaurada pela Câmara Municipal de Ribeirão Preto), e mesmo com a instauração desta CPI, basicamente nada mudou.

O CBEA continua a realizar apenas alguns acolhimentos, diga-se de animais de porte pequeno, eis que os de porte grande há mais de dois anos não se observa tal prestação de serviços, sem, contudo, desenvolver em regime de continuidade a promoção de adoção, apresenta sérias dificuldades na efetiva e ampla implementação das castrações, o desenvolvimento de campanhas institucionais e esclarecimentos contra o abandono de animais, enfim, precisa o Poder Executivo evoluir muito para atender aos requisitos legais.

Fica-nos evidente que uma cidade do porte de Ribeirão Preto, necessita cuidar com maior zelo e denodo da questão dos animais comunitários do ponto de vista ambiental, eis que, uma vez deixando de fornecer qualidade de vida a tais animais, não promovendo uma política efetiva de castração, por exemplo.

É sabido que a castração, além de evitar o abandono e servir de meio de controle de natalidade, traz inúmeros benefícios aos animais, pois diminui drasticamente o risco de doenças nas vias uterinas, câncer de mama, útero, próstata e testículos; elimina a gravidez psicológica, comum em algumas fêmeas; ameniza o risco das fugas e brigas; entre outros.

Muitas pessoas acham importante a castração, mas na prática elas ainda têm resistência ao procedimento, por desconhecerem seus benefícios, pelo custo ou ainda por acreditarem que o animal castrado sofre.

Faz-se necessário, assim, urgentemente a implementação de leis mais específicas e rígidas quanto aos maus-tratos no âmbito do município e o desenvolvimento de campanhas institucionais de conscientização e prática dos conceitos de guarda responsável, bem-estar animal, e dos cuidados acerca das zoonoses, e isto constitui o panorama para a solução destes problemas com o engajamento de toda a sociedade.

Também faz parte da solução campanhas que visam também orientar quanto aos riscos da compra de filhotes, com estímulo à adoção, educando a sociedade em relação à responsabilidade que é ter um animal em sua casa.

Todas essas medidas trariam resultados à curto e longo prazo. Trariam benefícios para milhares de cães e gatos que sofrem diariamente a realidade de viver na rua.

A causa animal merece e precisa dos nossos cuidados.  E em se tratando desta temática, é fundamental que a sociedade e o poder público operem concomitantemente de maneira eficaz e célere no combate ao abandono e maus-tratos de animais domésticos, sobretudo, por meio da responsabilização de seus guardiões, já garantida pela Constituição Federal (artigo 225) e a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais, art. 32).

É de responsabilidade dos guardiões oferecer toda a assistência necessária aos seus bichinhos, independente de seu estado de saúde. Omissão de socorro e condições insalubres de cuidados também são práticas criminosas estabelecidas pela Lei.

Em se tratando da normativa federal (art. 225 da Constituição Federal e Lei nº 9.605/98), o praticante de atos abusivos, como mutilação ou demais ferimentos, também pode ser preso, sendo passível de uma detenção correspondente de três meses a um ano.

E muito mais do que punir, nós queremos que a consciência animal seja desenvolvida na nossa população, pois cremos que quando cada cidadão faz o seu papel, é possível tornar a convivência entre animais e pessoas ainda mais harmonizada.

Assim, observa-se que as políticas públicas para animais em situação de rua é questão de saúde pública além do bem estar animal propriamente dito.

É imperioso avançar. Construir um mundo onde homens e animais vivam em harmonia é responsabilidade de todos.

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