O ESTADO MÍNIMO E O ENFRENTAMENTO DO CORONAVÍRUS NO BRASIL. ESTAMOS PREPARADOS?

O ESTADO MÍNIMO E O ENFRENTAMENTO DO CORONAVÍRUS NO BRASIL. ESTAMOS PREPARADOS?

Os cidadãos e os governos federal, estadual e municipal estão em alerta máximo por conta dos casos de contaminação pelo coronavírus, o COVID 19, que se espalha como um rastilho de pólvora na forma inicial de uma epidemia atingindo populações de todas as regiões do país.

O sinal de alerta levou as autoridades a iniciarem um complexo processo de reflexão sobre como combater o vírus num país com a nossa dimensão territorial e num planeta globalizado.

Como já amplamente debatido nos vários setores que guardam sintonia com o combate ao coronavírus no mundo, em condições normais de pressão e temperatura, a crise provocada pelo virus provoca dificuldades em qualquer sistema de saúde pública.

No Brasil tais dificuldades tendem a aumentar, apesar de termos o Sistema Unificado de Saúde (SUS), que em muito nos ajudará.

Inegavelmente, há um consenso em vários setores do país, de que o Sistema Único de Saúde (SUS) é a nossa luz no fim do túnel.

No entanto, com a implementação da política de diminuição do peso do setor público, em que o Estado não deveria servir como “protetor”, conhecida como “Estado Mínimo”, estabeleceram-se ações contrárias ao Estado de Bem-estar Social, dentre as quais, demovendo investimentos imprescindíveis ao fortalecimento do Sistema único de Saúde (SUS).

A situação caótica, de verdadeiro abandono e sucateamento, dos hospitais federais no Brasil, que sempre tiveram posição de destaque, refletem a devastação clara que a política neoliberal provocou na saúde pública.

Diante dessa politica nefasta á saúde pública brasileira, a rede hospitalar sofreu constantes perdas de profissionais, sem, contudo, serem substituídos. Ainda de acordo com a cartilha neoliberal, em nome do corte de despesas do governo, a bandeira do estado mínimo prevaleceu. Deixaram de convocar os concursos necessários para o preenchimento das vagas abertas.

O quadro de desleixo na saúde pública, como se observa, é consequência direta da política de Estado Mínimo. Estruturas bem montadas – ainda que antigas – estão sendo subaproveitadas ou quase estão desativadas por falta de pessoal.

Na crise que estamos a vivenciar agora, do coronavírus, isto sobressai, na medida em que faltarão leitos e profissionais de saúde para atender ao crescimento da demanda, que já não é pequena.

Como o cobertor é curto, as autoridades agora terão que fazer a chamada “escolha de Sofia” diante do crescimento da procura.

Na expectativa de atender às futuras vítimas do coronavírus, as autoridades da saúde programam suspender diversos atendimentos médicos essenciais – como hemodiálises e transplantes renais – que funcionam, como amplamente sabido, de forma já precária, ou seja, com um cobertor curto, o estado corre o risco de, ao tentar salvar pacientes da pandemia, deixar ao desabrigo outros doentes crônicos.

Como bem lembrou Helena Chagas, em artigo nos sites Divergentes e Brasil 247 – Vírus rico e vírus pobre – nada será como antes – “Se há alguma coisa que o coronavírus parece estar ensinando ao mundo é que o Estado é mais necessário do que muita gente pensava”. Necessário e essencial, desde que funcione a contento. O que já não ocorre entre nós há algum tempo. Por isso, agora, na crise, o prejuízo tende a ser muito maior.

Mas o problema seria minorado se criminosamente não tivessem deixado a situação chegar onde chegou, com quadro de servidores incompleto, em nome da redução dos gastos públicos, por exemplo, sem falar-se na falta de equipamentos necessários ao bom atendimento.

Não obstante a falta de investimento do governo brasileiro ao Sistema Único de Saúde (SUS) e flagrante desprezo aos organismos multilaterais como a OMS (Organização Mundial de Saúde), é exatamente essa capacidade de fusão e articulação entre a agência da ONU e o que construímos ao longo de uma década no SUS que estão, até aqui, a evitar uma verdadeira tragédia do coronavírus no Brasil similar ao que aconteceu na China e agora vemos ocorrer tristemente na Itália.

Especialistas, cientistas e profissionais da área da saúde pública destacam que o país tem como vantagem possuir um sistema de saúde público universal e gratuito que se estrutura desde a Constituição Federal Cidadã de 1988 e, por isto, possui um quadro capacitado de profissionais para atendimento, uma capilaridade fundamental para ações emergenciais em rede, com protocolos específicos e bem estruturados de ações, com programas e políticas consolidados nas esferas da prevenção, vigilância, análise laboratorial, pesquisa e tratamento.

O nosso modelo é reconhecido mundialmente por sua amplitude e excelência nos resultados obtidos dentro de seu amplo raio de ação.

De fato, inquestionavelmente, apesar de todo o ataque e desmonte praticado até aqui, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem uma resiliência de capacidade técnica, de atendimento. O Brasil tem um corpo técnico e estruturas hospitalares para lidar com essa situação.

Ter o SUS faz a diferença. Já fez no passado e hoje mais do que nunca percebe-se e enaltece-se a importância de ter um sistema nacional de saúde. Fortalecer o SUS é fundamental, é um patrimônio da sociedade brasileira, apontam os especialistas.

Esse Sistema SUS, a título de mero esclarecimento, é composto pelo Ministério da Saúde, Estados e Municípios, conforme determina a Constituição Federal. Cada ente tem suas co-responsabilidades.

Integram sua estrutura: Fiocruz, Funasa, Anvisa, ANS, Hemobrás, Inca, Into e oito hospitais federais e concebido no auge do processo de democratização do país após o regime da ditadura militar, justamente em resposta a um modelo de saúde privatista e excludente, porque era baseado na compra de serviços privados pelo Estado e no vínculo previdenciário.

Vale lembrar que a saúde constitui-se um direito essencial de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação ou outras características sociais ou pessoais, é o que nos assegura textualmente a vigente Constituição Federal de 1988 (CF-88), em seus artigos 196 e seguintes:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Assim na contramão do que estamos vivenciando nos dias atuais, a saúde deveria ter recursos crescentes proporcionais a, no mínimo, o crescimento da receita.

A “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde”, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em sua 198ª Reunião Ordinária, realizada no dia 17 de junho de 2009. E talvez seja uma das mais importantes ferramentas para que você, cidadão (ã) brasileiro (a), conheça seus direitos e possa ajudar o Brasil a ter um sistema de saúde com muito mais qualidade.

Ela reúne os seis princípios básicos de cidadania que asseguram ao brasileiro o ingresso digno nos sistemas de saúde, seja ele público ou privado, a saber:

1) Todo cidadão tem direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde; 2) Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema; 3) Todo cidadão tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação; 4) Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite a sua pessoa, seus valores e seus direitos; 5) Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu trata- mento aconteça da forma adequada; 6) Todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos.

No entanto, não há como desconsiderar que desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016), todo o Sistema Único de Saúde tem sido afetado não mais pelo cenário de subfinanciamento, ou seja, de gastos públicos em saúde, e em especial os gastos federais que ficaram muito abaixo dos gastos realizados por outros países que possuem sistemas universais (Canadá, Inglaterra, França, entre outros). Enquanto tais países dedicam aproximadamente 8% do Produto Interno Bruto (PIB) de gastos públicos em saúde, no Brasil esse valor não chega a 4%, segundo dados do Banco Mundial.

Assim, se antes tínhamos um cenário de subfinanciamento, com a aprovação da EC 95/2016 passamos a ter um cenário de desfinanciamento, ou seja, queda nos valores gastos pelo governo federal.

No cenário de congelamento do piso de aplicação em saúde, o SUS já perdeu R$ 8,5 bilhões em 2019, como resultado da diferença entre R$ 127 bilhões – 15% da RCL (receita corrente líquida) prevista para 2019 (mínimo obrigatório caso não vigorasse a EC 95) – e o valor orçamentário disponível para 2019, de R$ 118,5 bilhões (dotação da LOA, Lei Orçamentária Anual, subtraindo-se os valores contingenciados).

O sucateamento das políticas públicas voltadas à saúde é notório.

Para fazer coro a esta nova ordem política, o próprio ministro Henrique Mandetta tem defendido publicamente que o orçamento da saúde é suficiente, falando sobre a necessidade de se otimizar os recursos “melhorando a gestão” do Ministério da Saúde, indicando que não há problema nas instituições que queiram lucrar com a saúde e que a gestão pública tem muito a aprender com as instituições privadas no Brasil.

Com efeito, este alinhamento de discurso revela o caráter privatista e de austeridade em que todo o quadro de direção do Ministério da Saúde está, vinculando-se, sem questionamentos ou posições de defesa do que deve ser 100% público e universal, o SUS.

Então, uma vez permanecendo essa política de contingenciamento e sucateamento, apesar de toda resiliência de capacidade técnica dos trabalhadores e gestores, como acreditar que estamos preparados, através do Sistema Único de Saúde (SUS), para enfrentarmos os grandes desafios que se presentam desde já com a disseminação cada dia mais crescente do coronavírus em nosso país?

É preciso a integração da sociedade na luta pela revogação imediata da EC 95 para fazer cumprir os preceitos constitucionais que asseguram recursos ao SUS e que definem a garantia de direito à saúde pública de qualidade.

A crise do coronavírus surge como um desafio não só pela necessidade urgente de salvar vidas, mas também para os diversos setores sociais se articularem contra essa necropolítica.

Precisamos urgentemente levantar a bandeira do fim da política de Austeridade Fiscal que só penaliza a população e a classe trabalhadora enquanto favorece o capital financista nacional e internacional.

Precisamos mais investimento na saúde e nas demais áreas sociais para que sejam respeitados os direitos da população brasileira.

E vamos todos vencer essa luta contra o coronavírus!

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