A terceirização na saúde pública aperfeiçoa a corrupção na administração pública

A terceirização na saúde pública aperfeiçoa a corrupção na administração pública

Desde o advento da Constituição Federal da República em 1998, o Estado Democrático de Direito Brasileiro vem sofrendo constantes mutações. O serviço público no país vem sendo gravemente prejudicado pela falta de investimento e desvalorização do funcionalismo.

Nesse cenário, surgem a cada dia novos modelos de participação dos particulares na administração da coisa pública, tais como as parcerias público-privadas, as concessões administrativas, os consórcios públicos e as entidades paraestatais.

Nem sempre a saúde foi pensada como algo público. Somente com a consolidação dos Estados nacionais modernos é que as populações passam a ser consideradas como algo a ser preservada. O crescimento das cidades e o aumento das populações vivendo nos mesmos espaços fez com que surgissem preocupações com epidemias, taxas de natalidade, mortalidade e a organização das cidades para que as pessoas vivessem melhor.

No Brasil, a saúde pública está prevista na Constituição Federal como um dever do Estado (artigo 196) e como um direito social (artigo 6º), ou seja, um direito que deve ser garantido de forma homogênea aos indivíduos a fim de assegurar o exercício de direitos fundamentais.

Com o objetivo de garantir esse direito, a Constituição Federal atribuiu à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios a competência de cuidar da saúde pública. Isso significa que, dentro de um sistema único, cada esfera do governo terá um órgão responsável por executar e administrar os serviços destinados à saúde local.

Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre a participação complementar de entidades paraestatais sem fins lucrativos, tais como as Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), nos serviços de saúde pública, em conformidade com o disposto no art. 199 da CF/88.

O crescimento desenfreado da terceirização no serviço público mostrou que a limitação da terceirização nas funções que pertencem à estrutura de cargos do funcionalismo foi esvaziada, à medida que, na reforma do aparelho de Estado, houve uma reestruturação nas carreiras, com a extinção de cargos públicos, permitindo-se, dessa forma, a ampliação da terceirização.

Quando falamos em terceirização devemos ter em mente que se traduz, em tese, na contratação e transferência a terceiros para execução de tarefas ou fornecimento de produtos, objetivando a redução de custos, a melhoria nos serviços prestados, incremento da produtividade e competitividade.

No tocante ao serviço público de saúde, em especial, a terceirização pode ser qualificada como o principal instrumento de privatização interna do Estado, concretizando a metamorfose que dá origem ao denominado “estado gerencial” ou “governo empresarial”. Isto porque é por meio principalmente da terceirização que se busca eliminar todos os traços de um Estado social, com a extinção daqueles que são os maiores responsáveis por tornar realidade qualquer política pública: os servidores públicos, transformados gradativamente em servidores terceirizados.

Como a Saúde é uma das principais políticas do país, requer regras de financiamento mínimo, conforme prevê a Constituição Federal, muitos municípios, a exemplo de Ribeirão Preto, de forma equivocada tem entendido que a terceirização da saúde pública tende a provê-la de qualidade e uma forma de garantir e respeitar a dignidade de cada cidadão que integra e constrói a sociedade.

Com base na Lei nº 9.6378/98, a contratação de instituições privadas com ou sem fins lucrativos de assistência à saúde quando as disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população.

A terceirização do serviço público no Brasil, além de ser um dos mecanismos mais importantes e eficientes de desmonte do conteúdo social do Estado e de sua privatização, é a via que o Estado neoliberal encontrou para pôr fim a um segmento dos trabalhadores, o funcionalismo público, que tem papel crucial para garantir o direito e o acesso aos serviços públicos necessários à sociedade, e sobretudo à classe trabalhadora, impossibilitada de recorrer a esses serviços no mercado.

São várias as modalidades de ataques aos direitos, ao padrão salarial e às condições de trabalho do funcionalismo, consubstanciadas nos ajustes fiscais implantados pelos vários governos desde o início dos anos 1990 até hoje, ajustes esses recomendados e exigidos pelas instituições e classes que representam o capital financeiro globalizado.

A proliferação da terceirização em serviços públicos essenciais, como é o caso da saúde, resulta na diminuição do número de funcionários e em sua desqualificação e desvalorização, em prol de uma suposta — e não comprovada — eficiência de instituições de natureza privada, mais flexíveis e ágeis, em contraposição ao padrão do serviço público brasileiro.

A redução do efetivo de funcionários públicos estatutários, a quebra de direitos, a exemplo das reformas da previdência, a desvalorização salarial, a desqualificação e desmoralização da sua função e a sua submissão a formas de gestão privadas, somadas ao processo de terceirização constituem a força maior de uma ofensiva que tem por objetivo a extinção desse segmento de trabalhadores, pois a sua existência — enquanto força de trabalho vivo — é a única garantia para se manter algum caráter público de bens necessários à reprodução social dos trabalhadores em geral, como saúde e educação.

Assim, em regra as terceirizações da saúde, longe de representarem instrumentos capazes de contribuir à melhoria da saúde pública, constituem um câncer que está a fomentar a corrupção na administração pública, facilitando a dispersão em larga escala do dinheiro público que deveriam financiar o atendimento da população.

 

REFERÊNCIAS:

- A TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO: PARTICULARIDADES E IMPLICAÇÕES, Graça Druck,  Jeovana Sena, Marina Morena Pinto, Sâmia Araújo. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

- Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.12, n. 3, p. 499-518, set./dez. 2014.

- HELDER D. AMORIM, Terceirização no serviço público: à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, 2009.

- RICARDO ANTUNES MARIA G. DRUCK, A terceirização como regra? Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 79, p. 214-231, 2013.

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