Retrocesso na saúde: movimento antivacinas

Retrocesso na saúde: movimento antivacinas

Este artigo foi escrito em parceria com Nayanne Cunha – Farmacêutica, Mestre em Biologia Molecular e Genética do Câncer, Doutoranda em Mutagênese em linhagens tumorais cerebrais no Laboratório de Mutagênese da Universidade de Franca (UNIFRAN).

 

Andrew Jeremy Wakefield é um ex-pesquisador e ex-cirurgião britânico que publicou em 1998 um estudo sobre a relação da vacina tríplice viral MMR (mumps, measles, and rubella – caxumba, sarampo e rubéola) com a ocorrência de autismo em crianças e desenvolvimento de uma síndrome intestinal. O estudo, publicado na revista “The Lancet” intitulado “MMR Vaccination and Autism” levou ao maior movimento anti-vacinas da história, gerando uma crise na saúde pública do Reino Unido, EUA e outros países – inclusive, o Brasil.

O trabalho de Andrew foi realizado com uma pequena amostragem de 12 crianças, as quais foram recrutadas no hospital Royal Free, ao Norte de Londres, para tratamento de problemas intestinais. Diante dos resultados obtidos pelo ex-pesquisador, houve a divulgação em coletiva de imprensa onde Wakefield lançou um vídeo sobre a sua teoria: MMR causava autismo em crianças porque era uma combinação muito forte de antígenos de uma só vez (ela protege simultaneamente contra três doenças). Alegava que o vírus atenuado continuava no organismo das crianças após a vacinação, sendo o responsável pelo que ele chamava de “autismo regressivo”.  Depois de sua publicação, muitos pais deixaram de vacinar seus filhos contra as infecções infantis, contribuindo para um aumento de casos de sarampo nos Estados Unidos e em alguns países europeus, segundo os serviços americanos de controle e prevenção de doenças. Em 2008, tanto o País de Gales e a Inglaterra registraram epidemias de rubéola. Nos EUA, em especial, devido à forma de divulgação destes resultados, criou-se um forte movimento de rejeição à vacinação, com consequências alarmantes. Em 2004, foram reportados 37 casos de sarampo em todos os Estados Unidos. Em 2014, esse número pulou para 644 (Halsey e Salmon, 2015). Em Janeiro de 2015, foram diagnosticados 59 casos em um único dia na Califórnia. Esse surto parece ter se iniciado na Disneyland, espalhando-se por todo estado. Para a contenção da doença, oficiais da justiça passaram a proibir que estudantes não vacinados fossem para as escolas. (Brockington e Mesquita, 2016).

Segundo o neurologista Erasmo Casella, presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, nenhuma vacina causa autismo. “Ser contra as vacinas é remar contra a maré científica”, afirma Casella. “Depois que a pesquisa de Wakefield foi publicada, alguns países suspenderam as vacinas e mesmo assim os casos de autismo continuaram aumentando”, afirma.

O Conselho Médico Geral britânico, em 2010 considerou que o ex-pesquisador foi antiético e desonesto quando relacionou a vacina MMR ao autismo. O Conselho alega que na festa de aniversário de seu filho, Wakefield coletou amostras de sangue de jovens oferecendo a estes £5. Ele teve sua licença médica cassada no Reino Unido por acusações de fraude de evidências em sua pesquisa sobre a relação de vacinas e autismo.

Além de toda essa conturbação social, é preciso ressaltar outro ponto importante nesse episódio, relacionado à construção da imagem pública do cientista. Às falhas facilmente detectáveis no artigo de Wakefield, em 2010, soma-se o fato de o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido ter publicado um relatório apontando fraudes do autor principal. Isso fez com que o periódico que o publicara em 1998, o The Lancet, escrevesse uma retratação e o retirasse dos anais acadêmicos (Caplan, 2010). Além das evidências de fraude, o tradicional British Medical Journal (chamado hoje de BMJ), com mais de 170 anos de existência, publicou, em 2011, o trabalho do jornalista Brian Deer, que denunciava uma ligação entre Wakefield e o advogado Richard Barr (Deer, 2011). O cientista fora pago para forjar as evidências enquanto Barr processava as empresas que criaram a tríplice vacina. Assim, Brian Deer revelou que o interesse da divulgação dos resultados era apenas um esquema para ganhar altas somas de dinheiro. Ainda mais interessante é encontrar no site da própria BMJ um editorial de 2011 apontando que o trabalho de Wakefield é fraudulento. Contudo, logo abaixo do título, aparece uma mensagem informando que existe um conflito de interesse, pois as companhias farmacêuticas que produzem as vacinas MMR apoiavam financeiramente o grupo BMJ (Brockington e Mesquita, 2016).

O democrata Robert F. Kennedy Jr, também se valendo da rede antivacinação, publicou em 2005 o texto “Deadly Immunity” para dar suporte às suas causas, o que lhe custou muitas retificações em virtude de informações incorretas. Kennedy Jr. denunciara elevadas concentrações de thimerosal (um conservante usado desde 1930) como fator de exposição ao risco do autismo, apesar de já se saber que este não se acumula no organismo, ao contrário de sua forma nociva - o metil mercúrio. O Thimerosal havia sido retirado das preparações em 2001 e, apesar disso, a identificação de novos casos de autismo se manteve em crescimento.

Peter J. Hotez, pediatra e diretor do Center for Vaccine Development (Centro de Desenvolvimento de Vacinas), do Texas Childrens Hospital, manifesta sua apreensão com o aumento de casos de sarampo nos Estados Unidos e com os movimentos sociais contrários à vacinação, que influenciam uma parte considerável da opinião pública daquele país. Seus alertas foram publicados no artigo “How de Anti-Vaxxers are Winning” (“Como os antivacina estão vencendo”) no jornal The New York Times, do dia 6 de fevereiro de 2018. No texto, o médico destaca que a saúde pública local corre riscos por não se levantar contra o que ele chama de “pseudociência e conspirações alardeadas por esses movimentos”.

A divulgação científica tem o objetivo de aproximar a ciência da população, mas quais são os resultados dessa aproximação? Um grande risco surge quando se considera que se trata de uma via de mão única, visto que, na maioria das vezes, aquele que faz a divulgação científica não recebe uma resposta direta do público e tampouco pode prever como aquilo que produziu será utilizado. No caso da vacinação e autismo, o dano já foi causado, e parece que agora a ciência pouco pode fazer para mudar essa situação (Brockington e Mesquita, 2016).

Referências:

Brockington, G e Mesquita, L (2016). “As consequências da má divulgação científica”. Revista da Biologia 15(1):29-34. DOI: 10.7594/revbio.15.01.03

Caplan, A. L. (2010). “Retraction—Ileal-lymphoid-nodular hyperplasia, non-specific colitis, and pervasive developmental disorder in children.” Wkly Epidemiol Rec 84: 301-308.

Deer, B. (2011). “How the case against the MMR vaccine was fixed.” BMJ 342.

Halsey, N. A. and D. A. Salmon (2015). “Measles at Disneyland, a problem for all ages.” Ann Intern Med 162: 655-656.

Kennedy-JR R. Deadly Immunity.Disponível disponível em : »https://www.webcitation.org/5glaWmdym

Kennedy-Junior R. Tobacco Science and the Thime-rosal Scandal. Disponível em :» https://www.robertfkennedyjr.com/docs/ThimerosalS-candalFINAL.PDF

Wakefield, A. J., et al. (1998). “RETRACTED: Ileal-lymphoid nodular hyperplasia, non-specific colitis, and pervasive developmental disorder in children.” Lancet 351(9103):637-641.

World Health Organization (WHO). Global Advisory Committee on Vaccine Safety. Thiomerosal and vaccines: questions and answers. Disponível em: https://who.int/vaccine_safety/topics/thiomersal/questions/en/.

https://cafe-na-bancada.com.br/index.php/vacinas-e-autismo-historia-de-uma-fraude/

 

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