Ver pra crer, eis a questão!

Ver pra crer, eis a questão!

“Costuma-se até dizer que não há cegueiras, mas cegos, quando a experiência dos tempos não tem feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras” (José Saramago – Ensaio sobre a cegueira).

Relato do Dr. Márcio Rogério Penha, Biólogo, do Departamento de Psicobiologia da FFCLRP-USP (Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo) que aos 20 anos perdeu a visão devido a uma doença degenerativa.

 Será que ainda precisamos agir como o discípulo Tomé?
Ver pra crer?

Imagine então, a hipótese do mesmo discípulo, na condição de cegueira e sem poder tocar em Jesus, já que Ele não havia ascendido ao Pai.

A cegueira, a deficiência visual (DV) ou a pessoa com necessidade especial (PNE), possuem outros mecanismos perceptuais que imediatamente nos fornecem uma gama enorme de identificação e captura de informações. As informações avaliadas pela percepção sensorial/visual podem ser pela cor, forma, textura, pressão, tamanho, peso, temperatura, etc. O importante desta análise é pontuar que, com exceção da cor, todos os outros exemplos acima citados poderão facilmente ser identificados, percebidos e julgados através do tato ativo ou dentro do meio cientifico, pelo sistema háptico. Essa observação pode ser realizada por um cego com julgamentos e respostas confiáveis, pois o homem geralmente é capacitado a fornecer respostas e julgamentos com significativa confiabilidade.

Quando vamos ao supermercado realizar nossas compras e nos dirigimos ao setor de carnes, solicitamos ao funcionário (açougueiro) 1 Kg de uma determinada carne. Ficamos impressionados, e isso vocês já devem ter notado, quando o funcionário corta a porção dos bifes na quantidade quase exata para colocar sobre a balança. Podemos então realizar duas avaliações. As variações quanto ao corte, densidade e volume poderiam atuar negativamente no julgamento de peso, no entanto, quando este profissional tem os cortes em suas mãos, já está realizando o julgamento segundo a sua percepção de peso, e assim avaliando em média a sua precisão.

Devemos compreender que o homem não é um equipamento de precisão em julgamentos, no entanto há uma variável sempre presente determinada pelo estímulo (objeto) e pelo tipo de sensor que será empregado na percepção. Com esse entendimento, torna-se mais compreensível a necessidade para o deficiente visual do tato que consegue capturar as informações das quais a visão não dá conta. Bem como outras modalidades sensoriais; a audição e o olfato.

Mantenhamos aqui a situação de um supermercado. Quando se depararem com um deficiente visual, perceberão dentre várias coisas, a sua busca permanente por informações, como a localização através de ruídos e odores. O barulho das máquinas registradoras, por exemplo, aponta para a saída do estabelecimento, já os odores do ambiente se  referem a setores como de frutas e verduras, corredores de limpeza e higiene, de panificação etc.

Como deficiente visual afirmo que, não fossem vários obstáculos que podem causar danos físicos e financeiros, por meio apenas destas modalidades sensoriais (audição e olfato), seríamos capazes de chegar ao local desejado.

Quanto ao tato, certamente essa é a modalidade sensorial mais importante para o deficiente visual. É por meio dela que conseguimos selecionar a fruta que compramos – defeituosa, grande, pequena, firme, mole, áspera, lisa etc. – e precisar em média seu valor em peso, tamanho, textura.

Sendo assim, a riqueza de informações que a visão possibilita pode ser substituída pelo tato e por outras modalidades. Impedir essas condições de percepção ao DV é restringi-lo e limitá-lo ainda mais em informações ambientais, sua localização espacial e suas necessidades.

Será que o discípulo Tomé creria em Jesus na impossibilidade de vê-lo, tocá-lo, confiando apenas na audição?

Convido-os para fecharem seus olhos por apenas dois minutos e tornarem-se um DV somente para terem essa experiência. Ou então, entrarem em um ambiente totalmente escuro e desconhecido. Talvez, a partir deste momento, perceberão que a visão é muito importante, sim, mas certamente há vida sem ela e precisamos de sua compreensão.

OBS: Após lerem esse texto, quando forem ao shopping ou locais onde há vagas destinadas aos deficientes em geral, pensem que poderão evitar constrangimentos, danos físicos de deslocamento e dificuldades inerentes a cada deficiência. Não há gratuidade e tão pouco favorecimento, há uma perda sensorial que você pode minimizar apenas com sua consciência.

Confira a reportagem sobre o Dr. Marcio Penha no link:
https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2015/09/usp-ribeirao-preto-e-o-1-campus-em-sp-ter-aparelho-de-leitura-para-cegos.html 

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