O bem contra o mal

O bem contra o mal

Nesta última semana de outubro, nunca senti algo parecido. Um divisão assim tão drástica entre um povo dito ingrediente de um tal “caldeirão cultural”, misturado e bonito por natureza.

Eu sou meio Aécio. Sou filho de médico, nunca arrumei minha cama e sempre tivemos empregada em casa (duas ou mais). Embora não goste de carros potentes e nem pense em fazer plástica no rosto, entendo Aécio Neves. Ele fez o que pode: ser fruto de seu berço esplêndido. Foi o que deveria ser: um poítico de berço. Um cara bonitão, simpático, fala firme, hipnotizante e carismática. Inteligente sem dúvida e não tenho o mínimo medo dele ser o presidente do Brasil; enfim, concordo com que diz que alternância de poderes pode ser interessante. Aécio, ao contrário de Dilma, têm tudo que um bom produto de marketing deve ter (sim, política hoje em dia é assunto de marketing e propaganda e não das outras ciências humanas). Dilma é torta, faz careta e fica nervosa em público (e por isso gosto dela também).

Lembro de quando eu era pequeno e colava os adesivos do Collor na janela do meu quarto só porque gostava da cara dele de bom moço, que minha avó adorava, e gostava tambem da cor azul. Pensava que a cor vermelha junto da estrela significava que pessoas más (tipo um vizinho meu que era drogado e que eu morria de medo) iriam invadir a chácara do meu pai e montar barracos, usar a piscina e fazer churrasco no final de semana. Juro que eu tinha medo. Essa metade de mim, que é Aécio (e por isso entendo meus amigos e familiares que votam nele) dormiu depois que saí de casa e finalmente optei por não arrumar a cama, mesmo ela estando amarrotada e desorganizada.

Eu sou meio Dilma. Meus pais sempre me ensinaram, bem sem querer, que com pessoas você não brinca, você respeita e pronto. Isso é a Ética, não? Independente da sua vontade de fazer isso ou aquilo, do seu sentimento palpitante, você segue o precedimento ético de “respeitar”, de ouvir, de acolher... para depois, quem sabe dialogar, tentar fazer-se entender e, com muita sorte, entender o outro lado. Me lembro da Marina, que foi empregada doméstica em casa por muito tempo. Ela morava em minha casa que foi planejada arquitetonicamente para conter um “quarto e banheiro de empregada” (que mais tarde, percebi, ser um espaço luxuoso, muito maior do que os “apês” sujos que dividi com colegas de estudo). Marina deixou o emprego. Hoje ela vive bem com seu marido e filho. Tem uma vida. E provavelmente seu filho possa ter oportunidade de ser o que quiser (faxineiro, médico, gari ou engenheiro).

O fato é que essa metade Dilma, foi construída ao longo desses anos em que senti e vi com meus próprios olhos, pessoas ainda amarradas pelo ranço da escravidão (que terminou apenas em 1888, portanto, há, cento e poucos anos) serem uma outra coisa, terem uma casa só delas, uma TV, um carro. Besteiras de consumo, tudo supérfluo, mas que garantem nossa identidade diante do outro e da sociedade. Minha mãe se queixa até hoje que não tem mais ninguém para trabalhar em casa. Eu entendo seu desespero, mas por dentro, solto rojões de alegria. Minha amiga diz que a “empregada dela” - e seu iPhone que não para de tocar – anda com um carro do ano e é por isso que fazem corpo mole no batente do dia a dia. Meu amigo empresário diz que “eles querem viver de bolsa família e não querem trabalhar mais”. E eu, dentro de mim, morro de rir. Porque não se trata de trabalho e de trabalhar duro, trata-se de como patrão trata empregado aqui no Brasil (como escravo e sem o mínimo respeito).

Juntando as duas metades de mim, eu, homem dividido, vejo um país também dividido. Culpa do PT? Culpa do PSDB?

A suposta luta de classes não se formou por conta de PT ou PSDB. Penso que é um movimento natural de amadurecimento da própria democracia que, no Brasil, tem menos de 30 anos. Acho que essa "luta de classes" significa que as pessoas estão mais cientes de seus interesses e cogitam agora lutar por eles, seja o patrão ou o empregado. Prefiro assim do que como era antes, quando os empregados ficavam quietos por que nem comida tinham na barriga e nem a mínima condição psicológica para um enfrentamento ideológico e para sonhar uma vida diferente. Hoje vemos essa luta... Que na verdade é uma luta pelos interesses pessoais e, portanto, pela sobrevivência e dignidade. Claro que a mídia não foge dessa lógica: diferentes mídias defendem diferentes interesses. Cabe a nós percebermos esses movimentos manipulatórios e tentar fazer uma escolha "menos pior" que é exatamente aquela que defende melhor nossos interesses pessoais. Enfim, acho essa polarização e luta de classes muito saudável. Não acredito que as pessoas precisem viver em paz, todas juntas cantando no campo florido e unidos por um ideal.

Na suposta e milenar luta do bem contra o mal, a vitória deve ser do Humano. Da unificação em cada um de nós das diferentes perspectivas. O convite da democracia, que nos é feito neste final de semana, não é de apertar um botão e convencer a faxineira de votar no candidato(a) que você pensa ser o(a) melhor; e sim o convite à uma reflexão sobre o que na sua história de vida te dividiu e te fez juntar os pedaços novamente e assim te ensinou a conviver em sociedade e a pensar que a democracia é o único caminho possível de conciliação -  e não, eliminação - entre bons e maus, entre verdes e amarelos, entre pretos e brancos.

Enquanto eu não aprendo a arrumar minha cama, deixo a desarrumada como faz Aécio. Mas gosto de vê-la desarrumada hoje porque a faxineira tirou férias e foi à praia... Doeu menos ainda porque ela tem um iPhone bem melhor que o meu e me avisou com antecedência de sua falta... e ainda vai me trazer uma lembrancinha.   

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