Bom cristão odeia bandido?

Bom cristão odeia bandido?

Olhem só, o diálogo estranho que tive com uma senhora católica de classe média alta, logo nesta semana quando a ex-primeira dama Marisa Leticia Lula da Silva faleceu. 

- Ja vai tarde! Justiça divina foi feita!! Bandida! não fez nada pro Brasil! Só faltam canonizar ela!! Bandida! 

- Mas porque todo essa fúria?

- Ela é bandida, roubou o dinheiro do povo é uma bandida também... igual o marido dela!

- Bandida? Mas ela ainda nem foi julgada ou presa... E mesmo se fosse: bandido não merece certo respeito e dignidade também?

- Não! bandido tem que sofrer e mofar na cadeia!

Compreendem a lógica do pensamento? Há pensamento?

Vejamos. Penso que, no fundo, o que percebemos e sentimos como discursos de ódio são na verdade, fragmentos desordenados de um "pensamento cristão”. Primeiro, a fé de que um grupo de fiéis escolhidos gozarão da vida eterna no paraíso junto de Deus (que pode ser resumido na frase “apenas os bons vão pro céu”) e, segundo, o messianismo que propõe a volta do profeta que salvará a humanidade (ou melhor, um seleto grupo)  de todo o mal.  

O problema das situações que temos vivido no campo politico brasileiro é que considera-se automaticamente bandido uma pessoa que ainda não foi julgada e se quer condenada. Chamamos de bandidos pessoas que estão sob suspeita ou que simplesmente não compartilham da mesma ideologia que a nossa. Essa lógica, despreza conceitos de justiça e democracia e o povo - todos armados de uma tal livre expressão da opinião e smartphones - prendem, julgam e executam a pena baseado em achismos ou filosofias de vida e matérias jornalísticas “imparciais”. Afinal, um bom cristão pode até ser pacífico e acreditar na justiça dos homens, mas no final das contas acredita que quem julga e dá a pena é Deus (supremo juiz de todas as causas). 

É uma certa "lógica" que permite o sujeito pensar que um bandido por ser um pecador, não pode ser detentor de direitos, não deve ser recuperado e reinserido na sociedade e deve ser morto, pois não pertence ao grupo dos bons e a justiça divina é a única possível. E, só faz sentido diferenciar grupos (os bons e os maus) quando há um benefício envolvido na diferenciação. Essa lógica explica também o "fenômeno Bolsonaro" e a guinada conservadora que paira sobre o Brasil. Quando finalmente o "Messias Bolsonaro" chegará para por ordem nesse país, com punhos de ferro e um coração peludo e salvar a humanidade (ou melhor, salvar os bons cidadãos de bem). 

O messianismo é a crença na vinda - ou no retorno - de um enviado divino libertador, um messias (mashiah em hebraico, christós em grego), com poderes e atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido. Há entretanto um uso mais amplo - e às vezes indevido - do termo para caracterizar movimentos ou atitudes movidas por um sentimento de "eleição" ou "chamado" para o cumprimento de uma tarefa “sagrada” (Pereira, 2009).

Como eu disse no inicio, são fragmentos desordenados de pensamento e nem de longe compõem a totalidade da doutrina cristã. São pedaços de pensamento que estruturam uma lógica absurda, mas que permitem que bons cristãos - como a senhora com quem conversei, manifestem um discurso de ódio, um discurso maligno, sem ao menos perceberem isso. Para certos cristãos odiar um bandido é, ao mesmo tempo, amá-lo. 

Enfim, precisamos saber exatamente que tipo de deus estamos seguindo, não? 

"Por que eu não deveria odiar os meus inimigos [?]... Não somos todos nós animais predatórios por instinto? Se os homens pararem de depredar os outros, eles poderão continuar a existir?... não é a desprezível filosofia da pessoa servil que vira as costas quando chutado? E conclui com princípios: “Odeie seus inimigos... atinja-o dilacerando e desmembrando-o, pois autopreservação é a lei suprema! Quem mostra a outra face é um cão covarde!” (The Satanic Bible, Parte III. Anton LaVey, 1969)

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REFERÊNCIA:

PEREIRA, João Baptista Borges; QUEIROZ, Renato da Silva (org.). 2009. Messianismo e milenarismo no Brasil. RevistaUSP, n. 82, São Paulo: EDUSP.

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