A ditadura do “meu próprio rabo”

A ditadura do “meu próprio rabo”

Tem gente achando o máximo policiais de helicóptero metralhando desenfreadamente e sem nenhum tipo de critério racional um carro em um bairro residencial (Pasme! Favela é um bairro residencial!). Estamos caminhando para um ponto em que a classe média deseja vingança e sangue à todo custo flertando cada vez mais com ideias totalitaristas e, ao mesmo tempo, exigindo direitos democráticos. Já que está na moda falar de ditadura (ditadura gay, ditadura homo, hetero etc.), penso que estamos caminhando para uma espécie de “ditadura do meu próprio rabo”, em que pessoas impotentes, amarguradas e covardes vibram com espetáculos de truculência. O ideal “bandido bom é bandido morto” vale na medida em que o bandido não é amigo meu ou não é membro da minha família. Gostaria profundamente que essas pessoas tivessem suas casas metralhadas enquanto assistem à novela das nove.

O programa Fantástico, em pesquisa encomendada, aponta que quase metade dos professores de São Paulo (44%) já sofreram algum tipo de agressão em escolas públicas. O que segue depois são imagens desfocadas de brigas entre aluno e professores, e como sempre, comentários genéricos de “algum especialista” e uma busca das possíveis causas. É neste momento em que tudo desanda. Ao buscar as causas da violência nas escolas há a imediata relação desta com o uso de drogas (álcool e outras). E então o especialista do Fantástico diz calmamente que a violência é uma “epidemia nas escolas”. O que me deixa estarrecido é, primeiro, essa relação inequívoca entre uso de drogas e violência e, segundo, a ideia de que a violência parece ser um problema da escola.

Drogas e violência são problemas colaterais, digo, são problemas que aparecem na sociedade como reflexo de muitas outras condições. Identifico como fatores fundamentais a espetacularização da violência, do sexo e dos estados artificias de consciência.

Tomo como exemplo da desgraça da cultura brasileira a novela Salve Jorge, porque possui todos os ingredientes para se acabar com qualquer país. A primeira coisa a se dizer é a permanência constante do funk como trilha sonora de um cenário onde os homens são vagabundos, irresponsáveis, covardes  e oprimidos pelas mulheres - que seminuas - berram, batem e brigam. Muito intelectuais brasileiros devem neste momento estar escrevendo algum doutorado sobre como o Funk é belo e expressa um “sei lá o que” da brasilidade, mas eu, em minha análise, o coloco como um sintoma. Um sinal de que a mulher é um conceito antigo que deu espaço ao conceito de fêmea; e as fêmeas são divididas entre as novinhas e as patroas. A agressividade e o alto conteúdo sexual das letras e da dança representam a desistência de ideais que conhecíamos até então de civilidade, poesia, recato e sensualidade. É sem dúvida um mudança fatal, e na minha humilde opinião, uma mudança para um caminho que leva à um abismo, com reflexos sociais evidentes.   

Segunda coisa: os momentos mais vibrantes nesta novela acontecem quando Morena ou a sua mãe se encontram com alguma das vilãs e dão bofetadas e mais bofetadas – justamente em contraponto com Dona Hêlo, que representa a “forma certa de se resolver as coisas” pela via da justiça e da inteligência. É um “glamour” sem tamanho dar porrada e resolver as coisas. Falta neste caldeirão explosivo a ideia de felicidade (um estado artificial de consciência) via consumo de bens (desde sapatos à drogas de abuso) que é representado na novela também por Dona Helô, uma consumista desenfreada.

Repito, percebam neste momento que me refiro à três elementos de uma espécie de caldo cultural: (1) espetacularização da violência/agressividade; (2) do sexo e (3) dos estado artificiais da consciência. Esse tríade, quando bem alimentada vai engrenar toda a roda do sistema político e econômico do mundo e, ao mesmo tempo que gera riqueza e possibilidades da democracia e da convivência, gera seus efeitos colaterais; da mesma maneira que uma motor ao funcionar gera um desperdício em forma de calor.  Espero que nenhum leitor tenha me interpretado mal, pois não acredito em proibição do Funk, proibição de novelas das nove e nem proibição ao sexo, muito embora certas cabeças reacionárias estejam pensando nisso. A solução é difícil, mas certamente não passa por proibições. Não vou falar neste artigo sobre a situação da educação no Brasil, porque esse problema é o mais fácil de resolver, como vocês sabem aumento de salário, programa de valorização dos professores e formação continua.

Muito do desconforto social que experimentamos, tendo que conviver com a violência e agressividade cotidianamente, é o preço que pagamos pelo tipo de desenvolvimento que propicia condições econômicas para adquirir bens e serviços mas não dá sentidos de vida, não educa, não fomenta cultura e proíbe em vez de permitir liberdade e responsabilidade.  

 

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